De Olho no Mundo
Palestina, Colômbia, Chile e vacinas contra a Covid-19 concentram a análise desta terça-feira (18) da cientista política Ana Prestes em sua coluna. Na Palestina os ataques israelenses seguem de forma ainda mais agressiva enquanto não evoluem na ONU as tentativas de cessar fogo em função da postura da Alemanha e dos EUA de amenizar as agressões. Na Colômbia, apesar da busca de negociações, segue a conduta agressiva do governo contra manifestantes. Já no Chile, o resultado das eleições realizadas no final de semana consagrou uma vitória da oposição e uma perspectiva de mudanças no país a partir da elaboração da nova Constituição. Por fim, o diretor da OMS, Tedros Adhanom alerta que o mundo vive apartheid de vacinas deixando países e populações mais pobres sob grave risco.
Na Colômbia, o governo Duque faz negociações durante o dia e mata pela noite, é o que dizem várias lideranças políticas, como o Senador Gustavo Petro em sua conta no twitter. De fato, após a imprensa internacional ter divulgado os passos dados na mesa de negociações entre governo e oposição no domingo (16) e na segunda (17), ontem circularam muitas imagens da militarização das rodovias em várias localidades como Yumbo, Boaventura, Antioquia, Cali e outras. Nas cenas percebe-se forte presença de militares, com tanques de guerra e armamento pesado, presença da polícia especial Esmad e paramilitares em cenas de violência contra civis. Em Yumbo houve a explosão de um posto de distribuição de gasolina, 29 pessoas feridas e pelo menos 3 mortas. A ofensiva se deu após uma ordem do presidente Duque, dada na noite de ontem (17) para que todas as vias do país fossem desbloqueadas. Novas manifestações estão sendo convocadas pelo Comitê Paro Nacional para amanhã, 19 de maio. Da mesa de negociações, o governo saiu com uma proposta para subsídio de 25% do valor de um salário mínimo para jovens entre 18 e 28 anos que sejam contratados. O salário mínimo na Colômbia é perto de 1300 reais. Curiosamente o nome do plano para os jovens é Plano de Choque. Mas na realidade o choque não é de investimentos nos jovens, pois na sequência do anúncio, Duque deu a ordem de acabar indiscriminadamente com todas as barricadas no país e os efeitos tem sido de mais violência e mortes como se viu durante a madrugada.
Chilenas e chilenos já sabem quem serão (as e os) 155 representantes do povo responsáveis por escrever uma proposta de novo texto constitucional. De antemão, algumas características marcam a eleição, alta abstenção (40% compareceram para votar), muitos votos direcionados para candidates independentes (sem partido), novidade da paridade de gênero na composição da assembleia. A enorme pressão popular que emergiu nos protestos de 2019 foi o motor da vitória dos partidos e dos movimentos de esquerda na eleição e seguirá tendo grande papel nos trabalhos da Constituinte, pois nenhum bloco formou uma maioria de 2/3. A ultradireita e a direita neoliberal mais arraigada (Vamos por Chile) ficaram com 37 assentos, os partidos da esquerda (Apruebo Dignidad) conquistaram 28 e o centro (Apruebo) ficou com 25. Entre os independentes, dois grupos se destacaram, a Lista del Pueblo (lideranças populares antineoliberais sem partido), com 24 vagas, e a Nueva Constitución (católicos progressistas), com 11. Os povos indígenas terão 17 representantes escolhidos entre suas comunidades (Mapuches, Quechuas, Aimaras e outros). Os demais 13 representantes são independentes, majoritariamente ligados às pautas de transformações defendidas nas manifestações desde 2019, aos temas ambientais, lideranças religiosas e comunitárias. Olhando para a composição da Assembleia fica forte a impressão de que o bloco Apruebo e seus partidos centristas poderão ser o fiel da balança para a formação dos 2/3 necessários para a aprovação das mudanças, mas também há ainda muitos questionamentos sobre a composição da enorme bancada dos independentes e como se comportará.
Mas o Chile também elegeu prefeitos, vereadores e governadores. E nessas eleições também houve derrotas importantes dos candidatos apoiados pelo governo Piñera. Dentro da grande Santiago, pelo menos em duas comunas foram eleitos comunistas, o candidato presidencial Daniel Jadue, que foi reeleito na Recoleta e Irací Hassler em Santiago. O partido Revolução Democrática, da Frente Amplio, também conquistou comunas importantes, como Viña del Mar, com a candidata Macarena Ripamonti. Para os 16 governos regionais, esta é a primeira vez em que a cidadania chilena elege as pessoas que ocuparão esses cargos, antes indicados pelo presidente, visto que o Chile é um Estado unitário e não uma Federação como o Brasil. Dos 16 cargos disputados, em 3 a eleição foi concluída domingo (16) e outros 13 vão para o segundo turno. As três regiões que já tem governadores eleitos são Valparaíso (Frente Ampla), Aysén (Partido Socialista) e Magallanes (Independente). Uma eleição que promete ser emocionante no segundo turno em 13 de junho é a da Região Metropolitana de Santiago em que concorrem Karina Olivo do Comunes e Claudio Orrego da Democracia Cristã.
O diretor da OMS, Tedros Adhanom, disse que “o mundo vive apartheid de vacinas”. Segundo ele, países de alta renda respondem por 15% da população mundial e tem 45% das vacinas, enquanto os países de média e baixa renda somam quase metade da população mundial e possuem hoje 17% das vacinas. No continente africano, por exemplo, chegaram menos de 2% de todas as doses de imunizantes já fabricadas. Para piorar a situação, muitas matérias-primas e equipamentos para produzir as vacinas estão em falta. Isso poderia ser resolvido, segundo especialistas, com mais pressão sobre a indústria farmacêutica para cooperar mais com outras empresas, sem condicionantes e segredos. Por isso é tão importante a abertura das patentes e a transferência de tecnologia, para que mais fábricas possam produzir os imunizantes. Até agora não existe um consenso entre os países dentro da OMC (Organização Mundial do Comércio) para que isso seja feito.