mão que (não) balança o berço
 


Espiral da vida,

escada retorcida,

raios de roda que se retorcem

no biciclo da existência.

Escada espiralada,

corda, cordão umbilical,

a vida um caracol,

casa de caramujo,

a ostra em sua concha,

uma criança.

A triste noite,

o berço ausente

dentro da noite,

sem o beijo de afeto,

sem a mão de mamãe

que balance o berço,

sem canção de ninar,

nenhum gesto

de amor.

Na configuração do DNA,

o ser que há,

o que é,

o que seria,

o que será,

o que haveria

de ser.

DNA de quase NADA,

de neném mal-nascido,

filho de mãe desnaturada,

prematuro e sem futuro.

Parido escondido,

assassinado ou descartado

na água suja de um lago surdo,

no lote vago, insalubre,

onde quer que seja

e se despejem

os crimes da urbe.

Fetos no lixo, abortos,

pasto de abutres.

Bebês vivos, incômodos,

largados feito bichos

no abandono.

Frutos e rejeitos

de úteros malditos.

O pequenino corpo

envolto em saco plástico,

atirado às rodas dos carros,

uma crosta sem rosto

colada no asfalto.

Hediondo

mundo sórdido.

“Surto pós-parto”,

um após outro,

recurso psiquiátrico

ou pretexto

para assassinato?

A resposta oculta

na placenta,

ou nem nunca

que se inocenta

a culpa transparente

no silêncio dos inocentes.

Nada que se faça

trará de volta

os meninos mortos,

nada mudará esse fato,

senão que se salvem outros

recém-nascidos.

O que mais assusta

nos atos insensatos

e desalmados,

é o monstro

que nos fita

por trás de tudo.

 

 

 

   Valdivino Braz é jornalista, escritor e poeta. Secretário-geral reeleito da União Brasileira de Escritores – Seção de Goiás (UBE-GO), em Goiânia. Publicou 14 livros, seis deles premiados em concursos. Com “A trompa de Falópio — Rapsódia de Homero Canhoto” (poemas) foi vencedor do Prêmio Nacional de Literatura Cidade de Belo Horizonte/1992. Dois de seus livros publicados são de contos. Acaba de lançar o romance “O Gado de Deus”, que, com outro título, recebeu menção honrosa no Concurso Nacional de Romance do Paraná/1993. Entre chocante, hilária, herética, escatológica e contundente, a obra tem o subtítulo de “Livro do ressentimento” e prima pelo cunho sociopolítico. Uma paródia e sátira ao golpe militar de 64, à história pátria e ao caráter macunaímico da sociedade brasileira. Obra típica de um professo anarcopensador e franco-atirador verbal, sem dourar a pílula de quem quer que seja. Braz recebeu, em 1996, o Troféu Tiokô de Poesia, da UBE-GO. Em 2004, foi agraciado com o Troféu Goyazes de Poesia Leodegária de Jesus, da Academia Goiana de Letras (AGL).