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    Comunicação

    Mal das bexigas

    Mal das bexigas   Remelam as águas ao olho morno do sol na Belém do Grão-Pará, e a pele confinada estoura deste mal das bexigas a cova rasa, a profunda do homem-bom (que é bom o afazendado). tanta a gente – por espera- que rasa a do homem rico, ao rés da terra o peão […]

    POR: Redação

    2 min de leitura

    Ilustração por Cezar Xavier, sobre foto de Raimundo Paccó
    Ilustração por Cezar Xavier, sobre foto de Raimundo Paccó

    Mal das bexigas

     

    Remelam as águas ao olho morno do sol
    na Belém do Grão-Pará,
    e a pele confinada estoura deste mal
    das bexigas

    a cova rasa, a profunda do homem-bom (que é bom
    o afazendado). tanta a gente – por espera-
    que rasa a do homem rico, ao rés da terra
    o peão

    apoucam-se os remos apoucam as canoas da coleta e descem as outras vazias
    tocam o sino às Mercês a que se vá todo o mal
    e faz-se o jejum das carnes e dos bichos de casco, os avoantes
    o peixe-boi (a que aleita) e, da fêmea do homem,
    o filho do homem.

    ao xamã da mestiça foge o branco, inda que é dia, e volta à noite- os corpos
    um só, à luz chagada da aurora. ninguém veio vê-los.
    ao convento e às casas acendem o lume
    as lamparinas de óleo as velas de sebo as de cetina
    e queimam-se os pecados neste fumo, os da carne por primeiro
    e os do Senhor sem aveça, e nem o mal se não vai

    remelam as águas ao olho morno do sol, e todos
    e cada qual no seu só, – na Belém do Grão –Pará

    anos passados, fiava Marília longo fio
    e desigual
    que, desigual, o pensar seu ao fuso põe:
    áspero o fio, e estranhado a tudo apague
    quanto fôra, e lavre Deus sem nenhum douro
    outras lavras que não estas; frágil o fio, tão estirado, desfaça-se
    passo além, e a mim desfaça de todo o espanto
    que em mim tenho; ou forte o fio, tão resistente, do suor e sangue destas minas
    estranhando, o mal ao bem reverta e torne em glória
    o baraço
    e da escarmenta a solta veste, que balouça e enfuna o vento
    qual bandeira.

     


    Milton Torres  – No Fim das Terras