A Frente Ampla em torno do PL das Fake News
Theófilo Rodrigues explica as polêmicas que giram em torno do PL das Fake News e a estratégia de frente ampla elaborada por Orlando Silva
Foto: Orlando Silva é o relator do PL das Fake News
Por Theófilo Rodrigues
A grande polêmica do debate público brasileiro na próxima semana será a votação do Projeto de Lei 2.630, também conhecido como PL das Fake News. O projeto teve origem no Senado, em 2020, por iniciativa do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE). Após ter sido aprovado no Senado em junho de 2020, o projeto seguiu para a Câmara dos Deputados, tendo como relator o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP). Desde então, foram quase três anos de intensos debates na esfera pública, tanto no Congresso Nacional quanto na sociedade civil, para aprimorar o relatório final que será posto em votação na Câmara na próxima terça-feira (02/05). Caso seja aprovado, o PL retornará ao Senado.
Em torno do relatório final apresentado por Orlando Silva giram quatro grandes polêmicas, cada uma delas envolvendo diferentes atores: a própria necessidade de regulação; a remuneração dos veículos jornalísticos; a imunidade parlamentar; e a agência regulatória.
É preciso regular?
A polêmica central é certamente a própria necessidade da regulação. Aqui, dois diferentes atores se encontram: as big techs – isto é, empresas multinacionais como Google, Facebook e Twitter – que não querem ser reguladas e a extrema-direita que utiliza das fake News como prática cotidiana. Esses dois atores adotam o mesmo argumento supostamente liberal de que o PL estaria infringindo a liberdade de expressão. Argumento frágil, afinal, mesmo o liberalismo – vide John Stuart Mill em seu clássico “Sobre a liberdade” – entende que a liberdade de expressão precisa ser limitada quando possa oferecer danos aos demais. Não é possível que em nome da liberdade de expressão essas empresas de comunicação permitam a indução de assassinatos em escolas, promovam suicídios ou prejudiquem a saúde da população entre tantos outros fatos absurdos que são relatados diariamente. Por óbvio, assim como ocorre com qualquer outra empresa no mundo capitalista, as big techs também precisam ser reguladas.
Remuneração dos veículos jornalísticos
Uma segunda polêmica gira em torno do mecanismo de remuneração dos veículos jornalísticos. Aqui, ao lado das big techs e da extrema-direita, soma-se um terceiro grupo formado por alguns poucos veículos da mídia progressista que adotam uma linha esquerdista e que discordam da estratégia da frente ampla.
De acordo com o art 32., “os conteúdos jornalísticos utilizados pelos provedores produzidos em quaisquer formatos, que inclua texto, vídeo, áudio ou imagem, ensejarão remuneração às empresas jornalísticas […]”.
A crítica é dupla: por um lado, as big techs não querem ter esse custo adicional; por outro, a extrema-direita e uma minoria da mídia progressista acreditam que esse mecanismo servirá apenas para favorecer empresas que produzem notícias como a Globo. De fato, a Globo, pelo tamanho que possui, será beneficiada. Mas esses críticos esquecem de dizer que pequenos veículos independentes também receberão recursos que nunca receberam.
No mundo ideal, todos esses recursos seriam pagos pelas big techs para um fundo – que tal chamarmos de “Fundo Setorial da Democratização da Informação” ? – que garantiria o financiamento da pluralidade de informação no país. Mas, no mundo real, o lobby e poder de agenda (agenda-setting) das grandes empresas de jornalismo não pode ser desconsiderado e nem subestimado.
Imunidade parlamentar no meio digital
A terceira polêmica trata da imunidade parlamentar no meio digital. Conforme o art. 33, detentores de mandatos eletivos dos Poderes Executivo e Legislativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não poderão ser alvos da fiscalização dessa lei. Especialistas entendem que isso seria um problema, na medida em que muitas vezes parlamentares da extrema-direita abusam da imunidade parlamentar para repercutir fake News.
Agência reguladora
Por fim, a quarta polêmica tem se dado em relação ao tema da autoridade regulatória. Alguns especialistas e pesquisadores acreditam que deveria ser criada uma agência reguladora própria para operacionalizar a nova lei. A Coalizão Direitos na Rede, por exemplo, entende ser necessária uma entidade autônoma de supervisão, que teria “o papel central de fiscalizar o cumprimento da Lei, em parceria com o Comitê Gestor da Internet, que fica responsável pela emissão de diretrizes”.
As big techs, como era de se esperar, discordam dessa possibilidade. Em carta aberta divulgada no dia 27 de abril, o Google foi claro na crítica: “O PL 2630 coloca em risco o livre fluxo de informações na web ao prever a criação de uma “entidade reguladora autônoma” pelo Poder Executivo com funções de monitoramento e regulação da internet”.
Uma terceira alternativa foi colocada no debate pelo presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Carlos Baigorri no mesmo dia 27 de abril. Para Baigorri, a Anatel poderia ser essa entidade autônoma de supervisão do PL das Fake News. A Coalizão Direitos na Rede, contudo, divulgou uma nota pública no dia seguinte (28/04) contestando essa possibilidade. Importante lembrar que Baigorri foi indicado para a ANATEL pelo então presidente Jair Bolsonaro em 2021. Para reduzir os ataques ao PL, o relator considerou melhor retirar o artigo sobre o órgão regulador.
A frente ampla
Orlando Silva, hábil e experiente articulador político, sabe que toda ação política é contingenciada pela correlação de forças. Isso significa dizer que a única chance do projeto ser aprovado é se for construído em torno dele uma larga maioria social e política, em outras palavras, uma frente ampla. E, assim, isolar os adversários principais, quais sejam, os interesses privados das grandes multinacionais – Google, Twitter, Facebook, etc – e os interesses políticos dos divulgadores de mentiras que giram em torno do campo da extrema-direita brasileira.
Para conquistar a sociedade, Orlando fez um importante gesto na direção da grande imprensa ao incluir em seu relatório o art. 32 que garante a remuneração dos veículos jornalísticos. Pois, afinal de contas, não é trivial ter o apoio da principal empresa de comunicação do país divulgando favoravelmente o projeto em programas com milhares de telespectadores como o Fantástico.
Para conquistar a maioria na Câmara, o gesto de Orlando foi a inclusão do art.33 sobre a proteção da imunidade parlamentar. Esse ponto é defendido pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), líder do chamado Centrão. Como todos sabemos, o apoio de Lira é considerado fundamental para a aprovação do PL.
Em 2022, Luís Inácio Lula da Silva deu um xeque-mate no fascismo brasileiro ao trazer como candidato à vice-presidente em sua chapa o governador tucano Geraldo Alckmin. Muitos consideravam não ser o ideal, mas Lula sabia que aquela decisão em nome da frente ampla era uma exigência da realidade para atingir o objetivo de derrotar Jair Bolsonaro. Assim como Lula, Orlando Silva sabe que o ideal é inimigo do real. De certo modo, poderíamos dizer que os arts. 32 e 33 representam a frente ampla do PL das Fake News. Como dizem por aí, mais vale um PL real na mão do que um ideal voando.
Theófilo Rodrigues é cientista político e autor do livro “Democratizar a comunicação: teoria política, sociedade civil e políticas públicas”, organizado em parceria com Larissa Ormay.