Influência da China avança na Ásia e provoca contra-ataque dos EUA
Não se espera, logicamente, uma reedição da Guerra Fria, mas as duas superpotências têm investido pesado e tomado importantes decisões relacionadas à região desde o mês de dezembro. Enquanto os EUA investem em expandir sua influência na esfera militar, a China se articula para aumentar ainda mais a interdependência econômica com seus vizinhos, a ponto de superar históricas divergências políticas e históricas em relação a eles.
Para o professor de Relações Internacionais das Faculdades Integradas Rio Branco Alexandre Uehara, é certamente exagero comparar a atual disputa geopolítica com um cerco estratégico nos moldes do passado. Entretanto, à exceção do Japão, ele considera todo o Extremo Oriente, incluindo o Sudeste Asiático, não vê com bons olhos uma presença tão intensa dos EUA. “A possível mudança está em gestação, mas deve acontecer em algum momento. Ela passará por uma relação um pouco mais independente tanto política, militar e economicamente” em relação aos EUA.
O que não se pode negar é que o crescimento chinês tem sido vital para aumentar a influência estratégica da China no Pacífico, mudando a correlação de forças em seu favor. Uehara lembrou, porém, que nem sempre foi assim. Na década de 1990, por exemplo, havia o temor das “três Chinas”, quando ainda se questionava o que iria acontecer com a devolução de Hong Kong e Macau à soberania de Pequim. “Isso dificultava as negociações dos chineses nos fóruns multilaterais. Por causa desse temor, a China sempre se encontrava em uma posição de desvantagem e de oposição durante as negociações”.
“A política chinesa externa hoje busca conquistar simpatia e confiança de seus vizinhos. Em comparação ao cenário de uns 15 anos atrás, a China tinha muita dificuldade em razão do temor de que a China poderia vir a ser a partir do momento que se tornasse uma superpotência”, continuou Uehara.
“Mesmo muito ligado aos norte-americanos após a Segunda Guerra, o Japão, está muito próximo da China comercialmente. Hoje a China já é sua principal parceira econômica. E, por outro lado, também há um enorme volume de investimentos japoneses na China. A interdependência econômica é muito grande”, disse Uehara. “Atualmente, os acordos avançam. E esse é um dos pontos que os EUA temem hoje, a real e já consolidada ampliação da influência chinesa na região asiática”, completou.
Primeiro round
No último Natal, durante um encontro de cúpula entre os premiês japonês, Yoshihiko Noda, e o chinês Wen Jiabao, foi anunciado que os dois países irão promover o uso de suas respectivas moedas, o iene e o iuan, no comércio bilateral. A diretriz visa reduzir o uso do dólar nas trocas cambiais entre os dois países e, por consequência, limitar o papel dela na região de maior ritmo de expansão do mundo.
Ao mesmo tempo em que acontecia essa reunião, o BCP (Banco Popular da China) emitia um comunicado na mesma direção, recomendando o uso direto de suas divisas nas transações entre ambos os Estados, algo que Pequim já iniciou com outras nações, como os vizinhos do sudeste asiático.
A ideia de enfraquecer o poder do dólar na região não é nova, lembra Uehara. O iene, o iuan e “até uma moeda asiática, seguindo o modelo do euro”, já foram cogitadas como novas referências monetárias no passado. “A moeda norte-americana vem perdendo o status internacional de outros momentos, quando os EUA eram uma economia muito superior às demais. Isso deve acontecer independente de qualquer iniciativa asiática”, afirmou.
Um benefício imediato dessa medida seria reduzir os custos nas transações bilaterais. Os governos não anunciaram um prazo para a implementação dos itens previstos no acordo. E, enquanto a China mantiver câmbio fixo sobre a conversibilidade de sua moeda, o iuan estará limitado internacionalmente.
O encontro entre os líderes também estabeleceu um plano para que o JBIC (Japan Bank of International Cooperation, órgão do governo japonês responsável por apoiar investimentos do país no exterior) venda bônus denominados em iuans na China, o que representa um impulso para os esforços de Pequim de aprofundamento do mercado doméstico de capitais. Os líderes dos dois países também acertaram uma série de acordos de parceria econômica de relevância. E, em nenhum momento foram discutidas as disputas territoriais envolvendo os dois países no Mar da China Oriental.
“Dentro do contexto asiático no Pacífico, é comum dois países terem uma interdependência econômica muito forte e quase independente das tensões e disputas territoriais – na medida do possível”, disse Uehara.
A visita de Noda ocorreu dias depois que uma embarcação de pesca foi detida pela guarda costeira japonesa enquanto trabalhava em águas reivindicadas pelos dois países, por um tempo considerado excessivo pelas autoridades chinesas. O incidente, no entanto, não gerou os mesmos desdobramentos diplomáticos e comerciais que uma detenção similar gerou em 2010. “As questões políticas entre os dois países ainda não estão bem resolvidas. O Japão tem muito mais confiança em relação a tratados mútuos com os Estados Unidos do que com a China”, explicou Uehara.
No encontro de cúpula, Wen também revelou que China espera acelerar o processo de constituição de uma zona de livre comércio entre China, Japão e Coreia do Sul, bem como impulsionar a cooperação monetária e financeira no Leste Asiático. No último dia 6, o jornal China Daily anunciou que os três países deverão começar as negociações em maio, citando fontes do Ministério do Comércio. Além do aspecto geopolítico, essa é muito mais uma necessidade de reforçar o comércio regional e se precaver contra a queda de exportações dos Estados Unidos e da União Europeia.
Nos últimos dez anos, desde que a China ingressou na Organização Mundial do Comércio, a segunda economia mundial assinou tratados deste tipo com o Chile, Peru, Costa Rica, Paquistão, Cingapura, Nova Zelândia e Taiwan. Também assinou acordo similar com a Asean (Associação de Nações do Sudeste Asiático), criando a maior zona de livre-comércio do mundo.
O fator Pyongyang
No dia seguinte ao encontro, Noda reuniu-se com o presidente Hu Jintao, para tratar de um tema mais emergencial: a morte do líder norte-coreano Kim Jong-il. Os japoneses e norte-coreanos precisam da mediação chinesa para evitar um eventual conflito com Pyongyang no futuro. Como a Coreia do Norte é suspeita de possuir armas nucleares, as consequências seriam imprevisíveis.
Historicamente, a China é o único aliado da Coreia do Norte na região, e seu maior fornecedor de ajuda humanitária e energética. Segundo Uehara, a aliança entre chineses e norte-coreanos não atrapalharia em nada a política de aproximação entre Seul e Pequim.
“A Coreia do Sul tem a China como importante parceiro comercial, independentemente das relações com os norte-coreanos. No campo político, eles consideram importante esse papel da China até para que ela consiga ter alguma influência nos vizinhos do norte. Eles podem evitar que Pyongyang adote posturas mais agressivas ou até irresponsáveis”, afirmou. Para o especialista, se, em um cenário utópico, o governo de Seul tivesse de optar entre manter relações ou com a China ou com o Japão, é bem provável que eles optassem por Pequim.
A China rebelde
Neste sábado (14/01), a China teve mais uma boa notícia: a reeleição de Ma Ying-jeou à Presidência de Taiwan. O líder do KMT (Kuomintang) é considerado o melhor aliado que Pequim já teve desde quando ilha e continente se separaram politicamente em 1949. Em sua administração, os dois lados do Estreito de Taiwan firmaram um acordo de cooperação econômica, abriram a possibilidade de investimentos mútuos e estabeleceram voos aéreos diretos.
Ma derrotou Tsai Ing-wen, do PDP (Partido Democrático Progressista), por 51,6% dos votos contra os 45,6%. Para a oposicionista, a aproximação com Pequim já tinha ido longe demais. Ela defendia um novo consenso social, com a participação de grupos civis e políticos, antes de novas negociações com os vizinhos. Também rejeitava a atual base de laços entre os dois Estados, firmada pelo Consenso de 1992. O acordo prevê que cada lado afirma a existência de uma única China, e os definem cada um à sua maneira. A população local, segundo Uehara, fica muito dividida sobre a questão.
Antigamente conhecida como “Formosa”, Taiwan foi separada da China em 1949, no início da Guerra Civil Chinesa e no contexto da Guerra Fria. Desde então, é considerada uma província rebelde pelo governo de Pequim, que ameaça intervir militarmente caso esta declare sua independência formal. No entanto, uma invasão por parte do continente provocaria uma reação militar imediata dos EUA, aliado histórico dos separatistas desde a cisão.
A reação do Pentágono
Washington, por sua vez, iniciou o contra-ataque. No último dia 5, Barack Obama apresentou um novo plano de Defesa, de oito páginas. Como sinal dos novos tempos, foi marcado pela austeridade, com diversos cortes de investimento e pessoal, especialmente na América Latina, África e Europa.
Ficou claro que, à exceção do Oriente Médio, a prioridade será para manter a força na Ásia e no Pacífico. O plano se concentra no que Obama chama de eventuais desafios provenientes do Irã e da China, com enfoque para as forças aéreas e navais. Índia e Austrália se tornariam parceiros-chave nessa nova configuração.
“Sim, nossas tropas serão mais enxutas, mas o mundo inteiro deve saber: os Estados Unidos vão manter sua superioridade militar com forças armadas ágeis, flexíveis e prontas a reagir ao conjunto de circunstâncias e ameaças possíveis contra os interesses do país. (…) Vamos reforçar nossa presença na Ásia e no Pacífico, e os cortes no orçamento não ocorrerão às custas dessa importante região”, a qual classificou de “crucial”, afirmou o presidente norte-americano em discurso no Pentágono.
O interesse de Washington na Ásia é alimentado pelas preocupações sobre a força naval e o arsenal chinês de mísseis contra navios, que poderiam desafiar a superioridade militar americana no Oceano Pacífico e seu acesso ao Mar do Sul da China, rico em minerais.
O anúncio irritou Pequim. Quatro dias depois, o porta-voz da chancelaria Liu Weimin disse que a acusação contra a China no documento não tinha base, e era irrealista. O ministério da Defesa advertiu os EUA para serem “mais cuidadosos em suas palavras e ações“. As acusações feitas contra a China pelos EUA neste documento são totalmente infundadas.
No dia seguinte, a agência de notícias estatal Xinhua afirmou que a China “saúda” a maior presença dos EUA na Ásia, desde que isso ajude a promover a paz na região. “O papel dos EUA está se realizado de forma positiva e livre da mentalidade da Guerra Fria. Vai não apenas ser benéfica para a estabilidade regional, mas será bom para a China. Mas, enquanto aumenta sua presença militar na Ásia e no Pacífico, os Estados Unidos devem se abster de flexionar seus músculos”. O recado não poderia ser mais claro.
Fonte: Opera Mundi