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130 anos do 3o. Congresso da II Internacional

6 de agosto de 2023

No dia 06 de agosto de 1893, há exatamente 130 anos, teve início o 3o. Congresso da II Internacional Socialista.

Foto: Engels e Bebel durante o 3o. Congresso da II Internacional em 1893.

Por Theófilo Rodrigues

Após a morte de Karl Marx em 1883, Friedrich Engels tornou-se a principal referência teórica do Partido Socialdemocrata Alemão (SPD), embora mantivesse certo distanciamento das questões organizativas internas do partido. Seus amigos insistiam que ele retornasse para a Alemanha, mas Engels sabia que ainda tinha um papel maior a cumprir no âmbito internacional. “Meus cinquenta anos de serviço no Movimento Comunista Internacional tornam impossível que eu me apresente como representante de um partido socialista nacional qualquer”, respondia Engels (1). Sua preocupação migrou para a reorganização do movimento socialista internacional e para isso apostou na recriação da Internacional, que havia sido destruída após os embates entre anarquistas e comunistas. Assim, em 1889, nasceu a Segunda Internacional.

O ano de 1889 marcou o centenário da Revolução Francesa. Os socialistas, claro, não poderiam deixar aquela data passar em branco: se cem anos antes havia ocorrido a revolução burguesa, agora seria a vez da revolução proletária. A ideia era congregar socialistas de todos os países em Paris em um congresso operário internacional. Mas mesmo um momento de comemorações como esse não era capaz de minimizar todas as grandes diferenças que havia no seio do movimento socialista. O fato é que em julho daquele ano dois congressos foram realizados: de um lado, o congresso referenciado no marxismo, anunciava a via da luta de classes como o caminho para o socialismo; do outro, o congresso possibilista demonstrava maior preocupação com a luta eleitoral e as reformas possíveis para aquela conjuntura (2).

Sem Marx, caberia a Engels a tarefa de garantir a unidade do movimento, ou, no mínimo, a tarefa de garantir a supremacia dos socialistas marxistas. E foi isso que Engels fez ao convencer os partidos marxistas alemão e austríaco a participarem do congresso organizado por Lafargue e os marxistas franceses. “Engels era a única personalidade capaz de reunir os partidos comunistas europeus; só ele, tocando o “primeiro violino”, desfrutava de estatura e autoridade para unificar um movimento inerentemente faccioso”, nos diz o seu biógrafo Tristram Hunt (3). A articulação política de Engels obteve resultado e o Congresso foi um sucesso. Surgia ali, em julho de 1889, na cidade de Paris, a organização que passou a ser conhecida como a Segunda Internacional.

Se o primeiro Congresso da II Internacional ocorreu em Paris, o segundo foi realizado em Bruxelas, capital da Bélgica, em 1891. Já o 3o. Congresso, que hoje completa 130 anos, teve início em 06 de agosto de 1893 e foi realizado em Zurique na Suíça, com cerca de 400 delegados representando 20 países.

Para um melhor entendimento dos conteúdos que nortearam os debates daquele congresso, reproduzo abaixo a íntegra do artigo que o historiador Edgard Carone publicou, em 1991, na revista Princípios, sobre o 3o e o 4o. Congresso da Internacional.

Theófilo Rodrigues é mestre em Ciência Política pela UFF e doutor em Ciências Sociais pela PUC-Rio. Realizou Pós-Doutorado em Ciências Sociais na UERJ. Organizador do livro “Engels 200 anos: ensaios de teoria social e política” (Ed. Anita Garibaldi, 2020).

Notas:

(1) ENGELS apud MCLELLAN, David. As ideias de Engels. São Paulo: Cultrix, 1977, p. 20.

(2) JOFFILY, Mariana. O socialismo na França e no Brasil durante a II Internacional Socialista (1889-1918). São Paulo: Alameda, 2012.

(3) HUNT, Tristram. Comunista de casaca: a vida revolucionária de Friedrich Engels. Rio de Janeiro: Record, 2010, p. 375.

Os Congressos da II Internacional (1893 e 1896)

Por Edgard Carone (Publicado originalmente na Revista Princípios n.º 20, Fev-Abr/1991, págs: 71-77).

A idéia de se reunir periodicamente, idealizada pelo Congresso de 1889 em Paris, frutifica, o que leva as diversas correntes socialistas européias a voltarem a se congregar em anos posteriores, de maneira ordenada e politicamente determinada. Assim, em 1891, 1893, 1896, 1900, 1904, 1907, 1910, 1912 e 1917 se reúnem as lideranças dos Partidos social-democratas e as de sindicatos europeus e americanos, voltando-se para Resoluções que servissem de modelos para a ação do movimento operário. Natural que estas decisões variem com o tempo, as questões são superadas em muitos casos, mas, no levantamento feito por nós, que abrange, em cada caso, dois desses Congressos, poderemos avaliar bem cada uma das questões básicas aparecidas no momento específico.

Ao fim de cada um dos Congressos, os delegados indicam o local do próximo. O 1º fora em Paris, a pretexto do Centenário da Revolução Francesa; o 2º, em Bruxelas, capital da Bélgica, onde o acontecimento tivera grande repercussão. O 3º e o 4º se dão em Zurique (Suíça) e Londres. De certa maneira, os quatro apresentam certa unidade, onde organização, objetivo, luta contra o anarquismo são elementos essenciais de sua dinâmica.

Nossa idéia é mostrar o funcionamento particular dos Congressos de 1893 e 1896, do outro lado, apresentar o sentido de continuidade deles com os anteriores (l).

O Congresso Internacional Operário Socialista de Zurique se reúne de 6 a 12 de agosto de 1893. Dele participam mais de 400 delegados, de vinte nacionalidades diferentes, dos quais 3 não são europeus: Austrália, Brasil e Estados Unidos.

As maiores delegações são: alemã, inglesa, suíça; a do Brasil é representada por W. Liebknecht (Berlim) e Robert Seidel (Zurique). Nomes ilustres aparecem: Bebel, Bernstein, Clara Zetkin (Alemanha); Leo Frankel, Collat (França); Dr. Aveling (Inglaterra); Labriola (Itália); Victor Adler (Áustria) etc. No entanto, outros nomes ingleses representativos deixam de comparecer porque, na mesma ocasião, há Congresso Sindical em Glasgow.

Um problema básico, entretanto, é discutido e aprovado parcialmente em 1893, tendo sua conclusão final unicamente em 1900: é a questão da criação de órgãos administrativos permanentes, tanto nacional como internacional. Na Ordem-do-Dia a questão é levantada, mas, as respostas são tímidas e variam sobre o que significa o caráter internacional dos partidos socialistas.

O que se pede em 1891 e repete-se em 1893, como querem os franceses, é a de “atribuir um mesmo nome geral a todas as facções do Partido socialista que se fazem representar nos Congressos operários socialistas internacionais e aceitam as suas decisões”. Outra idéia levantada – iniciativa dos alemães – é de sugerir que a “primeira parte dos programas da democracia socialista de todos os países, onde são expostas nossas tendências sobre a transformação econômica necessária, seja redigido de maneira uniforme, porque o fim da democracia socialista é o mesmo em todos os países”; a segunda parte do programa seria preenchido por objetivos teóricos próprios ao partido de cada país.

Estas questões não serão solucionadas, porque as opiniões variam segundo cada delegação, mas o que persiste é a afirmação de que a direção de cada partido teria que cuidar para que as resoluções dos Congressos fossem respeitadas pelos seus membros. É somente em 1900 que se realiza o desejo de muitos, com a instalação de órgão próprio, de caráter internacional e não nacional para cuidar da correspondência e da linha doutrinária de cada um dos partidos socialistas ou sindicatos filiados à Internacional Socialista: é o Bureau Socialista Internacional.

“Luta para que as resoluções do Congresso fossem respeitadas pelos seus membros”.

A questão primeira que surge no Congresso é a da admissão dos delegados. Os 400 e poucos indivíduos aceitos para dele participar foram selecionados rigorosamente por razões ideológicas, principalmente porque se trata da luta contra o anarquismo. Vimos anteriormente (1) que já em 1889 a questão ressurgira, e que a luta entre Marx e Bakhunin, na I Internacional, não fora esquecida. Em 1891 muitos anarquistas são expulsos do Congresso, mas alguns ainda permanecem nas sessões. Como resultado, em 1893, o Comitê de Organização apresenta regulamento rigoroso seja sobre organização, administração do Congresso, Ordem-do-Dia e regulamento da discussão. Com os itens relativos à Admissão cria-se instrumento principal para a luta contra o anarquismo. O parágrafo 1º reza que “são admitidos ao Congresso todos os sindicatos profissionais operários, como os partidos e associações socialistas que reconhecem a necessidade da organização operária e de sua participação na política” (grifado no original).

Este item, unicamente ele, irá levantar debates calorosos, queixas sem fim dos anarquistas, e justificativas satisfatórias dos socialistas. Faremos, no fim do artigo, um apanhado completo sobre as divergências surgidas então, englobando neste caso os incidentes de 1893 e 1896, o último sendo momento final do conflito, hora em que os anarquistas serão expulsos definitivamente dos Congressos socialistas.

Vários temas são debatidos segundo a Ordem-do-Dia de 1893: a guerra, a política, as 8 horas etc. Vamos resumir os mais importantes. A questão do Parlamentarismo aparece como básico, sendo, no entanto, criticado por anarquistas e visto restritivamente por um dos delegados suíços, Charles Burkli.

Para ele, no regime burguês, só se elegem os ricos, que não “representam de maneira nenhuma o povo segundo sua composição econômica”; “o começo da organização econômica é dado pelos sindicatos profissionais. A organização política será preparada pela legislação direta, pelo povo”. Esta posição sindicalista e profissionalizante não é aceita, como não o é a dos positivistas, que desejam a conquista do Parlamento pelos socialistas e representantes do proletariado, como também, a legislação direta pelo povo. Contrária, por sua vez, é a posição dos socialistas holandeses, que dizem que a eleição para o Parlamento não termina com a luta de classes e é unicamente motivo de agitação, como são contrários à defesa de leis sociais. O que é aceito, apesar de não estar registrado nas Conclusões, é a tese do Comitê Central Revolucionário de Paris: “a ação incessante para a conquista do poder político pelo Partido socialista e a classe operária é o primeiro dos deveres, pois é unicamente quando ela será dona do poder político que a classe operária, esmagando privilégios e classes, expropriando a classe governante e possuidora, poderá se amparar inteiramente e fundar o regime de igualdade e de solidariedade da República social”.

“O primeiro dever é a ação constante para a conquista do poder político”.

O sufrágio universal é defendido pelos belgas que, através de greves políticas e resistência às classes dominantes, conseguem resultados positivos para a classe operária de seu país. A reforma eleitoral se concretiza e homens e mulheres com 21 anos tornam-se eleitores. O que querem, então, é transmitir a sua experiência aos outros. A questão do 1º de Maio, com a consequente questão das 8 horas de trabalho, é retomada, agora ampliada em nova conquista. O que acentua-se é que o 1º de Maio “seja ao mesmo tempo uma manifestação para a jornada de 8 horas” e “uma manifestação para a manutenção da paz mundial”. A esta proposição ditada pela Bolsa do Trabalho de Paris junta-se a proposição do Comitê Revolucionário de Paris, de que a “manifestação do 1º de Maio para a jornada de 8 horas e a emancipação da classe operária deverá de agora em diante afirmar em cada país a enérgica vontade dos trabalhadores de manter a todo custo e por todos os meios, contra o complô da reação governamental e capitalista: a Paz Universal”. “Controvérsias com os anarquistas sobre o papel e oportunidade da greve geral”.

As 8 horas significam uma das condições da “libertação definitiva da classe operária do jogo do capital”, a “luta contra o desemprego, a melhor capacidade de trabalho, a melhoria da vida familiar” etc, mas ao mesmo tempo é o símbolo político da classe trabalhadora. Por esta razão, a atitude dos belgas e alemães é vista com razão crítica. Na Bélgica, a data não provoca paralisação total dos operários; na Alemanha, a data e a paralisação do trabalho sofrem resultados negativos: Adler recrimina os alemães por esta situação, e Bebel responde que a paralisação “não deve ser imposta onde ela é impossível; cada nação deve escolher a forma e o dia da manifestação com toda liberdade”. Uma questão controversa, que já divide anarquistas e socialistas, e que será solucionada teoricamente após 1900, é a de greve geral.

Em 1893, ao mesmo tempo em que os socialistas fazem o seu Congresso em Zurique, os anarquistas realizam na mesma cidade o seu Congresso. O que aprovam é que o “1º de Maio deve ser um dia de greve geral e de revolta à mão armada. Pouco antes da data, os companheiros militantes devem espalhar, nas usinas, nas casernas e nas campanhas, manifestos que irão pregar a revolução violenta do proletariado contra a burguesia”. Essa atitude, que se traduz na idéia de que os “anarquistas devem se aproveitar de todas ocasiões de luta e de agitação para empurrar as massas à rebelião” e, assim, extinguir com o sistema capitalista, é posição totalmente inaceitável pelos socialistas.

Apesar de o Congresso socialista ter transferido a questão para anos posteriores, a Comissão encarregada do assunto redige a seguinte moção: “considerando que as greves não podem obter resultado senão em condições especiais e com um fim especial, que não podem ser determinadas de avanço; que uma greve universal não é praticável por causa do desenvolvimento econômico tão diferente dos diversos países”; diante das condições políticas e sociais de hoje, a greve geral só seria praticável em indústrias especiais e, em condições particulares, mas, a greve geral é “arma muito eficaz não só na luta econômica, mas, também, na luta política. Mas é uma arma que, para ser manejada eficazmente, supõe uma poderosa organização sindical e política da classe operária”.

Afora a questão dos sindicatos, onde se afirma a necessidade de organização por corporações, de federação nacional do mesmo ofício e de federações internacionais, igualmente do mesmo ofício, o Congresso incentiva os sindicatos a se unirem, também, universalmente, “a fim de existir uma única massa operária estreitamente unida, sem distinção de culto e de raça, forte contra o capitalismo na luta que a classe operária lavra por sua emancipação integral”.

A questão da guerra levanta divergências agudas entre as delegações do Congresso. Nas discussões, o anarquista holandês Domela Nieuwenhuis defende a idéia de greve geral, “onde os operários podem exercer uma influência sobre a guerra e nos países em questão, pela greve militar”. Em resposta, W. Liebkenecht fala na “propaganda infatigável necessária, e novo espírito antiguerreiro que é preciso implantar no exército. Quando a massa for socialista, o militarismo estará vencido”. Como resultado, é aprovada a Proposição do Partido Democrático Alemão, onde acata-se a resolução do Congresso de Bruxelas sobre o militarismo, a luta contra “os apetites chauvinos das classes dominantes”, o esforço pela solidariedade entre os operários de todos os países, a luta contra o capitalismo, “a supressão da dominação de classes”, o que levará à “desaparição da guerra”. A queda do capitalismo significa a paz universal.

“Dificuldades para concretizar a expulsão dos elementos contra ação política”.

O IV Congresso, realizado em Londres, de 26 de julho a 2 de agosto de 1896, se concretiza segundo a determinação estabelecida em Zurique, em 1893. O IV Congresso afirma várias questões pendentes, entre elas a divisão entre os socialistas e anarquistas. Iniciada em 1889 e resolvida definitivamente agora, como veremos no final desta síntese. De todos eles, até então, é o mais brilhante e o que assegura grande prestígio e sucesso aos socialistas do mundo inteiro. O convite enviado a todas as instituições, para que participem do evento, mostra a organização e a pujança dos ingleses anfitriões: é distribuído mapa de Londres, salas são reservadas às diversas nacionalidades, realiza-se meeting no domingo, são feitas festas e divertimentos etc. Deles participam delegados de Áustria, Bélgica, Bulgária, Dinamarca, Holanda, Itália, Polônia, Portugal, Romênia, Rússia, Espanha, Suécia, Suíça, Estados Unidos, França, Alemanha, Austrália. Da Rússia estão presentes Plekhanov, Vera Zassolich; da Alemanha, Bernstein, P. Singer, W. Liebknecht; da França, Jules Guesde, Pelloutier, Paul Brouse, Ed. Vaillant, E. Malatesta; da Bélgica, E. Vandervelde etc. O número total supera os 718.

Na véspera da primeira reunião, dá-se o meeting em Hyde Park (26-08-1896). Doze tribunas são reservadas aos oradores das diversas nacionalidades e o tema principal é a leitura do Manifesto antimilitar e pelas 8 horas de trabalho. No dia seguinte, cada delegação se reúne separadamente, elege seu presidente e secretário respectivos e dois indivíduos que farão parte dos diferentes comitês. A presidência do Congresso cabe ao inglês Edward Cowley e os discursos de cada representante eleito terminam com a sessão do dia. O segundo dia se resume no tema sobre os anarquistas, com sua expulsão definitiva, como veremos. Nos dias seguintes, a discussão centra-se na Ordem-do-Dia.
A escolha de delegados se faz com a exclusão dos anarquistas, mas outras tendências continuam a coexistir no Congresso e suas presenças levantam celeumas. É o caso dos partidários da Câmara Sindical do Trabalho, de F. Pelloutier, que fará parte da CGT. Eles são contra a ação política e irão representar oposição a várias medidas do Congresso. Outra questão é a dos delegados sem sindicato. Eles podem participar individualmente? E os cooperativistas e os positivistas? Estas e outras questões terão respostas negativistas e positivas no primeiro dia, o que não desloca o problema fundamental, que é o do anarquismo.

Na 3ª sessão (27-08-1896) é que realmente começa a ser discutida propriamente a questão da Ordem-do-Dia, pois, na 2ª sessão, o tema exclusivo é o da expulsão dos anarquistas. A partir de então, voltam-se as atenções para temas como Questão Agrária, Ação Política, Educação e Desenvolvimento Físico, Guerra, 8 horas e 1º de Maio, Ação Econômica e Industrial.

Quem lê o Relatório sobre a Questão Agrária é Emile Vandervelde, membro do Partido Socialista Belga. Na discussão, ingleses pedem a inclusão de reivindicações como a “nacionalização dos meios de transporte” , além de outras a favor do trabalhador rural; Paul Lafargue diz-se entusiasmado com os “camponeses franceses”, que já aderem ao socialismo. Afinal é aprovada a Resolução, que diz ser impossível adotar-se fórmula única, pois, “o modo de posse da propriedade agrícola e a divisão em categorias da população agrícola”, em diferentes países, não permitem que os operários agrícolas utilizem os “mesmos meios para a realização de seu ideal comum”. Mas, em compensação, cada Partido operário tem “uma tarefa essencial e primordial; a organização do proletariado rural contra aqueles que o exploram”. E, internacionalmente, as diversas comissões devem estudar a situação de seu respectivo país, acumulando documentos, estatísticas etc. Em conclusão, não se pode afirmar que “a propriedade terrena deverá ser socialista” (2).

“Denúncia da guerra e formas de luta operária para eliminar este mal”.

A questão sobre Ação Política provoca a maior celeuma. Com a saída dos anarquistas, as declarações que permanecem são as que aceitam a necessidade da ação política. O que se dá são restrições à valorização do delegado Tortelier, que insiste na idéia de que “os trabalhadores franceses se desinteressam cada vez mais pela conquista dos poderes públicos e não esperam, senão de si próprios, de sua emancipação, se agrupando fortemente em suas organizações sindicais e reivindicando, não reformas políticas, mas reformas econômicas”. Esta proposta é recusada, como o é a de um delegado inglês, que acena com a possibilidade de uma aliança circunstancial entre um grupo operário e um partido burguês. As Resoluções levantadas são votadas por unanimidade: “(…) o 1º Congresso entende, por ação política, a luta organizada, sob todas as formas, para a conquista do poder político; e o uso dos mecanismos legislativo e administrativo do Estado e o da Comuna, pela classe operária, para a sua emancipação”; “2º Congresso declara que a conquista do poder político é, para os trabalhadores, o meio por excelência pelo qual eles podem atingir a sua emancipação, a libertação do homem e do cidadão, pelo qual eles podem estabelecer a República socialista internacional.

O Congresso faz apelo aos trabalhadores de todos os países e os convida a se unirem em um partido distinto de todos os partidos políticos burgueses, e a reivindicarem: o sufrágio universal, o direito de voto para cada adulto (…)”; “3º Congresso declara também que a emancipação da mulher é inseparável da do trabalhador” e pede que ela se organize politicamente; “4º) o Congresso se declara a favor da autonomia de todas as nacionalidades (…)”; “5º) o Congresso declara que, qualquer que seja o pretexto, religioso ou dito civilizador, da política colonial, ela não é senão a extensão do campo de exploração capitalista, no interesse exclusivo da classe capitalista” (3).

Outra conclusão é a da Comissão de Ação Econômica e Industrial. Segundo ela, no estado atual do movimento socialista, é impossível combater a concentração capitalista e, de maneira provisória, deve-se organizar uma agência internacional para assinalar as ações destas grandes empresas. O cidadão Molkenbuhr (o Relator) “insiste sobre a necessidade de chegar à socialização, por decretos nacionais e internacionais”. Cabe, por sua vez, aos sindicatos suavizar a exploração, já que eles não têm capacidade de suprimir o capitalismo. Diante disso, é preciso reivindicar: supressão dos direitos de alfândega, impostos sobre víveres; legislação internacional do trabalho (oito horas, trabalho da mulher), direito de coalizão e de reunião, necessidade de organização sindical. Sobre greves e o boicote, o Relatório os considera “meios necessários à realização dos fins sindicais. Mas não se vê a possibilidade de uma greve geral internacional. “A necessidade mais urgente é a organização sindical das massas operárias, pois é da extensão da organização que depende a extensão das greves nas indústrias internas e na totalidade das indústrias” (4).

A Comissão sobre Guerra é dirigida pelo alemão M. Wurn e ela recebe alguns reparos, como na proposta da “arbitragem entre as nações”, acusada de ser “blague burguesa”. A votação, no entanto, é unânime sobre o texto da Comissão: “em período capitalista, as causas principais da guerra não são as diferenças religiosas ou nacionais, mas os antagonismos econômicos, os quais as classes dirigentes dos diversos países são forçadas pelo modo de produção”. Ao mesmo tempo em que se dá a exploração de trabalho, a burguesia não tem escrúpulo em derramar o sangue do proletariado. Para lutar contra a opressão militar, o operariado deve conquistar o poder político, “para abolir o modo de produção capitalista, e recusar, simultaneamente em todos os países, aos governos, instrumentos da classe capitalista, os meios de manter a ordem das coisas atual. Os exércitos permanentes, cujo custeio esgota as nações em tempo de paz e cujas despesas são suportadas pela classe operária, aumentam o perigo de guerra entre as nações, e favorecem, sobretudo, a opressão mais brutal da classe operária de cada país”. Para que a classe operária obtenha paz, ela reclama: “1º) a supressão simultânea dos exércitos permanentes e o armamento geral do povo”; “2º) a instituição de um tribunal de arbitragem encarregado de regular pacificamente e sem apelo os conflitos entre as nações”; “3º) a decisão definitiva sobre a questão da guerra ou de paz deixada diretamente ao povo, no caso em que os governos não aceitassem a sentença arbitral”. E, finalmente, o documento termina com o protesto contra os acordos secretos. Estas reivindicações só serão possíveis, no entanto, quando o proletariado tiver imposto a legislação a seu favor e houver união do socialismo internacional (5).

A Comissão de Educação e Desenvolvimento Físico analisa a questão da criança operária, das suas condições de trabalho e da respectiva legislação protetora. E na parte final, em assuntos vários, levanta-se novamente a idéia da criação de um órgão socialista, um Comitê Internacional permanente, com um secretário responsável, que se instalaria permanentemente em um país, fato que se dará em 1900, como vimos. Além da questão histórica – isto é, ideológica e política – da divergência entre anarquismo e socialismo, temos, a partir de 1889, o retorno da problemática conflitante, que volta a se radicalizar. Repetindo o que dissemos anteriormente, em 1893, aprova-se, pelo Comitê de Organização, o art. 1º sobre disposições para a Admissão ao Congresso, ameaça restritiva às tendências operárias antipolíticas. O artigo reza: “são admitidos ao Congresso todos os sindicatos profissionais operários, como os partidos e associações socialistas que reconhecem a necessidade da organização operária e de sua participação na política”. Em 1896, baseando-se neste antecedente estatutário e nos conflitos anteriores, a questão cresce de intensidade e chega ao seu ápice.

“Volta o debate sobre a necessidade de os operários fazerem política”.

Entre 1893 e 1896, o Comitê de Organização, criado para o futuro Congresso de Londres (1896), pede que as Trades-Unions inglesas participem do futuro acontecimento e ambos redigem o Regulamento Provisório, que será enviado às organizações operárias da Europa, América e Austrália. No seu texto, está explícito: “todas as Câmaras Sindicais Operárias serão admitidas no Congresso, e também os Partidos e Organizações Socialistas que reconhecem a necessidade da organização dos trabalhadores e da ação política. Por ação política, entende-se que as organizações dos trabalhadores procuram, sempre que possível, empregar ou conquistar os direitos políticos e o mecanismo da legislação, para conduzir, assim, ao triunfo os interesses do proletariado e a conquista do poder político” (6).

Já antes do início do Congresso, isto é, em 1895, grupos anarquistas da Inglaterra, da Espanha e dos Estados Unidos começam pequeno movimento de protesto pelos termos restritivos à admissão levantado pela Comissão Organizadora. Mas esta, por tática, restringe a divulgação do texto, enviando-o mais para as facções ou partidos que aceitam o direito da ação política. Desta maneira, o conflito entre ambas as correntes inicia-se antes de julho de 1896, o que divide alguns grupos socialistas, como o dos fabianos ingleses, com Bernard Shaw; ou italianos, em que o Partido Socialista Italiano é a favor da decisão do Comitê Provisório e a Câmara do Trabalho de Roma é contra; o mesmo se dá na França etc (7).

Apesar do clima existente, os anarquistas comparecem ao Congresso e, no dia 27 de julho de 1896, participam do processo de validade dos mandatos, que era feito segundo a nacionalidade do indivíduo; havia, porém, alguns delegados com mandato para duas nacionalidades ou categorias profissionais e até partidárias. Neste dia 27, o segundo do Congresso, pela manhã, o Dr. Edward Aveling, membro do Comitê de Organização e genro de Karl Marx, levanta a questão da Resolução de Zurique sobre a expulsão dos anarquistas. Para isto, o Presidente desta primeira reunião lembra a todos da existência do art. 11 do Regulamento Provisório: “Nenhuma emenda ao regulamento (de Zurique) ou às disposições da ordem-do-dia será aceita depois de segunda-feira”. Imediatamente, a opinião dos participantes da assembléia se divide, o mesmo se dando com os franceses, que fazem deliberação própria, em outro local. A discussão é acirrada. Ingleses, como Shaw Maxwell, Arthur Field, M. Hydman, franceses como Jules Guesde, Paul Lafargue, Jean Jaures, alemães como Clara Zetkin, Singer, Bebel etc, são favoráveis à expulsão. Muitos outros são contrários. No entanto, a delegação inglesa determina que seus membros votem a favor da exclusão, decisão tomada unanimemente; na reunião dos franceses, a exclusão é vencida por 57 votos a 56; o que provoca a constituição de dois blocos e, consequentemente, duas delegações; os belgas são a favor da exclusão. Neste dia, discursos de ambas as partes se fazem ouvir, hora em que se levantam questões sobre liberdade de expressão, o anarquismo é ou não é socialismo etc.

“18 a 2 são pela exclusão dos delegados que representam posições anarquistas”.

Os impasses existem. São defendidas as posições ideológicas e organizativas dos anarquistas e dos socialistas, mas, na verificação dos mandatos dos delegados, no dia seguinte (dia 28), os presentes à votação são selecionados por nacionalidade. Vários discursos são proferidos: Jean Jaures é a favor da exclusão; Tom Mann contra; Hydmanm, a favor; Domela Nieuwenhuis contra. A votação final, por nacionalidade, é de 18 pela exclusão, 2 contra. Logo começam a ser afastados os que não se afinam com os ideais socialistas. Espanhóis, húngaros, italianos, holandeses, franceses e os de outras nacionalidades não são aceitos como delegados e não podem figurar no Congresso. A medida não é pacífica, começando por protestos no próprio recinto do Congresso, como o de Domela Nieuwenhuis: “em nome da Federação socialista e das 13 câmaras sindicais da Holanda, considerando que o Congresso tende a se afastar cada vez mais do domínio das discussões econômicas; que apesar dos seus pedidos reiterados, a Holanda não conseguiu saber se a resolução de Zurique restava ou não acompanhada da declaração de que seus autores a fizeram acompanhar, eu declaro que nos é impossível permanecer neste congresso. Nós nos retiramos não querendo participar mais tempo à comédia representada pela Social-democracia para benefício de alguns ambiciosos. Nós deixamos aqui a minoria holandesa, o Partido social-democrata, que é uma sucursal da social-democracia alemã, e que de maneira alguma tem o direito de representar o socialismo holandês” (in Hamon, p. 150).

Um dia antes da abertura do Congresso – dia 26 de julho – houvera reunião de delegados corporativos franceses decididos a anular o artigo restritivo do Congresso de Zurique, que seria substituído por outro: “todas as organizações sindicais operárias, quaisquer que sejam, são admitidas ao Congresso, como todas as organizações socialistas no mundo inteiro que reconhecem a necessidade de organizar os trabalhadores para a defesa de seus direitos e sigam suas necessidades e pelos meios que elas creiam úteis” (Hamon, p. 88-89). Com a derrota da proposta e a exclusão dos anarquistas, como vimos, eles fazem reunião monstro na sala Holborn Town Hall. Diante de mais de mil participantes, falam alguns socialistas contrários à medida tomada, entre eles, Keir Hardie, Tom Mann; acráticos também lamentaram o acontecido, como Elisée Recluse Christ Tornelissen.

As medidas não se limitam a esta manifestação. Entre 29 e 31 de julho, eles realizam o seu Congresso, denominado IV Congresso Anarquista. O que fazem é retomar as questões da Ordem-do-Dia do Congresso Socialista, e debater os problemas sob a ótica ideológica própria. No primeiro dia, o tema exposto é dirigido por um francês e é sobre o sindicalismo e o “desgosto que as corporações operárias mostram pela política”; depois, há o elogio à tática da Greve Geral, quando afirma: “os grupos corporativos são a massa que poderá pôr em xeque a burguesia”. Em outra sessão, Domela Nieuwenhuis fala sobre a reforma agrária, tema que o Congresso Socialista não encarou a fundo, protelando-a sempre; para os socialistas, a questão agrária não passa de uma questão eleitoral, de voto. O camarada Parsons, depois, afirma que o proletariado agrícola não está pronto para receber as teorias de Karl Marx, a não ser quando os camponeses forem expulsos da terra e se tornarem proletários. Pouget diz: “seria tempo que os anarquistas se desembaraçassem da sífilis marxista, se desembaraçando de todas teorias metafísicas de Karl Marx e que pensem por eles próprios”. Malatesta afirma: “hoje os marxistas abandonaram completamente as teorias de Marx e, unicamente, os anarquistas a conservaram preciosamente. É preciso acabar com estas teorias superadas”.

Na sessão da noite fala Domela Nieuwenhuis, que ataca o Parlamentarismo. A sua resolução resume a posição clássica do anarquismo. “Considerando que a via de ação legal e parlamentar não constitui exclusivamente a ação política, a conferência se pronuncia contra todas as tentativas de transformação do movimento socialista em simples movimento eleitoral e legal, fato que não pode senão dividir os trabalhadores. Considerando, enfim, que é pela luta revolucionária que, em todos os tempos, os povos chegaram a melhorar suas condições econômicas e sociais, a Conferência se declara pela ação política revolucionária contra o Estado, que é a encarnação de todas as injustiças econômicas, políticas e sociais”. Depois, falam Gori e outros acráticos. (Le Congrés de Londres Devant la Presse, p. 334-336).

Além do Congresso Anarquista, a literatura acrática contra o Congresso Socialista é imensa: ataques de Puget a Jules Guesde; artigos de Pierre Kropotkin; brochura do Temps Nouveaux, de Jean Grave etc são exemplos da reação havida aos acontecimentos de 26 e 27 de julho de 1896.

Edgard Carone é historiador e professor da Universidade de São Paulo (USP).

NOTAS
(1) CARONE, Edgard. “Os Congressos da II Internacional (1889-1891)”, escrito em Novos Rumos.
(2) Os dados sobre as discussões encontram-se repetidamente citados em grande número de jornais da época. Nosso resumo está em Le Congrés de Londres Devant la Presse, p. 174-175.
(3) Idem, p. 175. O grifo é do original.
(4) Idem, p. 175-176.
(5) Idem, p. 176-177.
(6) Congres International Socialiste des Travailleurs et des Chambres Syndicales Ouvrieres, Londres 26 julho-2 agosto de 1896, Geneve, Minkoff, 1980, p. 16.
(7) HAMON, A. Le Socialisme et le Congres de Londres: étude historique, p. 75 e segs.

Bibliografia
“Congres International Ouvrier” tenu à Zurich du 6 au 12 Aôut 1893. Geneve, Minkoff, 1977, 600 p. (Histoire de la II Internationale, IV, tome 9).
Congres International Socialiste des Travailleurs et deschambres Syndicales Ouvrieres, Londres 26 juillet-2 Aôut 1896. Geneve, Minkoff, 1980, 978 p. (Histoire de la II Internationale, V, tome 10).
Les Congres de Londres Devant la Presse Geneve, Minkoff, 1980, 638 p. (Histoire de la II Internationale, V, tome 11).
HAMON, A. “Le Socialisme et le Congres de Londres: étude historique”. Geneve, Minkoff, 1977 (reproduzido em: Histoire de la II Internationale, V, tome 12).

Revista Princípios, EDIÇÃO 20, FEV/MAR/ABR, 1991, PÁGINAS 71, 72, 73, 74, 75, 76, 77.