Como os comunistas interpretaram a Proclamação da República no Brasil?
Para os comunistas a Proclamação da República foi incompleta
Neste 15 de novembro recordamos mais uma vez da Proclamação da República realizada em 1889 pelo marechal Deodoro da Fonseca.
Há, no entanto, diferentes interpretações sobre as causas e consequências daquele grandioso evento histórico.
Reproduzimos abaixo dois documentos históricos que mostram como ao longo do tempo os comunistas interpretaram a Proclamação da República no Brasil.
O primeiro é uma passagem do Programa Socialista para o Brasil aprovado pelo 12o. Congresso do PCdoB em 2009. Esse documento mostra que “A República ficou, depois de muita luta, sob o domínio das forças conservadoras, frustrando o programa republicano mais avançado, que concebia o Estado como instrumento para promover a democracia, a integração nacional, o desenvolvimento, a distribuição de terras e a afirmação da soberania nacional”.
O segundo documento é uma passagem do Informe de Balanço do Comitê Central do PCB ao IV Congresso do Partido Comunista do Brasil apresentado por Luiz Carlos Prestes em 1954. Prestes indica nesse informe que “A queda da monarquia e a Proclamação da República, se bem que tenham constituído elementos de progresso na evolução política do país, não modificaram no fundamental o caráter semifeudal e semi-escravista da sociedade brasileira”.
Confira abaixo:
Programa Socialista para o Brasil (2009)
I- Desafios históricos da construção da Nação
3) Nação nova, o Brasil forjou uma cultura original, base de uma civilização flexível, criativa, aberta e assimiladora, a despeito de estruturas sociais e políticas arcaicas persistentes. Embora jovem, o povo brasileiro foi temperado por conflitos e lutas – muitas vezes de armas nas mãos – pela liberdade e pelos direitos sociais, pela independência e a soberania do país. Tal processo marcou sua história com o fio vermelho do sangue derramado desde a resistência indígena e dos africanos contra a escravização, passando pelo enfrentamento heroico às ditaduras, até as lutas operárias e populares características de nosso tempo. O povo é o herói e o autor da nacionalidade, o empreendedor dos avanços ocorridos no país. Ele resulta do amálgama, através da miscigenação e da mestiçagem, de três grandes vertentes civilizatórias: os ameríndios, os negros africanos e os portugueses. O processo histórico dessa formação foi doloroso, marcado pela escravidão e pela violência, condicionado pelos interesses de uma elite colonizada. Mas a síntese é grandiosa: um povo novo, uno, com um modo original de afirmar sua identidade. São características que se enriqueceram com aportes de contingentes de outras nacionalidades europeias, asiáticas e árabes que emigraram para o país desde o final do século XIX. A mescla da base de cultura popular, de origem índia e africana fundiu-se com os elementos europeus dominantes, gerando a cultura brasileira – um dos elementos marcantes da identidade nacional. A condição de povo uno, no presente, é um trunfo do Brasil que, ao contrário de outras nações, não enfrenta grupos étnico-nacionais que reivindiquem autonomia ou independência frente à Nação e ao Estado.
O primeiro ciclo civilizacional brasileiro: Formação do povo, da Nação e do Estado
4) A ideia, vitoriosa, de uma nação autônoma e um povo livre, germinou e se fortaleceu no conflito contra o domínio colonial. Um desses marcos criativos de afirmação da nacionalidade ocorreu no século XVII, com a expulsão dos holandeses que ocuparam o Nordeste. Todas as forças da Colônia – clero, camadas pobres, escravos e negros livres e índios, estes últimos, liderados por Felipe Camarão – uniram-se na campanha que derrotou, sem a ajuda de Portugal, a principal potência de então, Holanda. Fato decisivo na consolidação e unidade do território que veio a formar o Brasil.
5) A Independência foi fruto de um processo cumulativo resultante de lutas, que possibilitou a ruptura em 1822. Ao contrário do que proclama a historiografia oficial, não foi uma doação da Metrópole portuguesa, e sim das jornadas populares de Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo e Pernambuco, e nos campos de batalha em Bahia, Maranhão e Piauí. O rompimento com a opressão colonial tem raízes nas guerras do século XVII contra os holandeses; na Conjuração Mineira de 1789, que projeta o perfil heroico do alferes Tiradentes; na Conjuração Baiana de 1798. O processo da Independência do Brasil passa pelo episódio do 7 de Setembro de 1822, mas vem de muito antes e vai até muito depois, com destaque para o 2 de Julho de 1823 da Bahia. A conquista da autonomia política não significou, porém, a derrota dos setores agromercantis – aliados internos da exploração estrangeira, principalmente a inglesa – que permaneceram à frente da política, da economia e da sociedade. O projeto autonomista e democrático de José Bonifácio foi deixado de lado e substituído pelo programa dos latifundiários, dos traficantes de escravos e da Casa de Bragança. Isso estimulou heroicas rebeliões de natureza republicana e democrática: a Confederação do Equador no Nordeste; a Cabanagem no Pará; a Balaiada no Maranhão; a Farroupilha no Rio Grande do Sul; a Sabinada na Bahia; a Praieira em Pernambuco, massacradas pelo regime monárquico escravista. Ao final do Império, objetivamente, a unidade nacional estava consolidada e o Brasil detentor de um território continental.
6) O predomínio conservador não eliminou o anseio por liberdade e democracia, que logo assumiu a luta pela divisão das terras, autonomia do país, pela Abolição e pela República. A Abolição resultou de um vasto movimento de massas, que incluiu os escravos rebelados – cujo símbolo histórico é Zumbi dos Palmares –, os setores médios das cidades, a intelectualidade avançada e os primeiros elementos da classe operária. O ato emancipatório se materializou sem a distribuição de terras aos libertados e sem garantir-lhes condições de sobrevivência. Estes limites não retiram a grandeza da Abolição. Foi uma conquista que eliminou o escravismo. Todavia, a sua longa duração deixou marcas, que permanecem no racismo e na condição de vida dos negros.
7) A obra renovadora da Abolição foi completada em 1889 pela República, um antigo anseio da construção democrática do Brasil. A República ficou, depois de muita luta, sob o domínio das forças conservadoras, frustrando o programa republicano mais avançado, que concebia o Estado como instrumento para promover a democracia, a integração nacional, o desenvolvimento, a distribuição de terras e a afirmação da soberania nacional.
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Informe de Balanço do Comitê Central do PCB ao IV Congresso do Partido Comunista do Brasil (1954)
Por Luiz Carlos Prestes
Camaradas!
O programa do partido baseia-se na análise da realidade brasileira à luz da ciência marxista-leninista e, partindo das conclusões da teoria, determina os objetivos do movimento operário em nosso país na atual etapa de seu desenvolvimento. É um Programa justo porque as soluções que indica estão baseadas nos ensinamentos do marxismo-leninismo. Examinemos algumas das conclusões teóricas mais importantes em que se baseia o Programa.
O Caráter da Revolução em Sua Atual Etapa
O povo brasileiro, que se livrou do jugo português em 1822, conquistando, assim, sua independência política e a condição de nação soberana no concerto mundial das nações, não conseguiu, no entanto, libertar-se dos restos feudais e dos grandes latifúndios, realizar as tarefas da revolução burguesa. Até 1888 a escravidão negra teve existência legal. A queda da monarquia e a Proclamação da República, se bem que tenham constituído elementos de progresso na evolução política do país, não modificaram no fundamental o caráter semifeudal e semi-escravista da sociedade brasileira. Os senhores de escravos e, em seguida, os latifundiários e grandes capitalistas — grandes comerciantes e usurários — que governavam o país, facilitaram a penetração do capital estrangeiro e, consequentemente, a transformação do Brasil em semicolônia, em pais dependente das grandes potências capitalistas. Através do controle das finanças e da economia, dos assuntos políticos e até militares, as grandes potências imperialistas passaram a dominar o Brasil ao mesmo tempo que, para oprimir o povo, apoiavam a minoria reacionária, sustentavam os latifundiários na conservação da sociedade semifeudal e semi-escravista.
Sob esta dupla opressão, dos imperialistas e dos restos feudais, o povo brasileiro — especialmente os trabalhadores das cidades e do campo — tornou-se, e torna-se, cada vez mais pobre, sofre duramente e é privado de direitos políticos, vive no atraso, na miséria e na ignorância. Essa situação muito concorreu — e continua concorrendo — para retardar o desenvolvimento do capitalismo no Brasil. No entanto, no correr do século XX, desenvolveu-se no pais a indústria nacional e surgiu a burguesia brasileira como nova classe social, em boa parte ligada aos latifundiários e dependente dos bancos estrangeiros. Como as posições-chave da economia nacional estão em poder dos imperialistas estrangeiros, a burguesia brasileira é relativamente fraca, enquanto que a classe dos proletários é relativamente numerosa e seu peso específico relativamente importante. A maioria da população é constituída, no entanto, pela massa camponesa que vive oprimida nos latifúndios e que em sua maior parte não possui terra. Nas cidades, parcela considerável da população é constituída pelas camadas médias — artesãos, empregados, pequenos comerciantes e industriais, intelectualidade e funcionalismo público, em processo de pauperização.
Essa situação de país semicolonial e semifeudal agravou-se ainda mais com o crescente predomínio dos imperialistas norte-americanos no Brasil, predomínio que começou a esboçar-se desde 1920 e que se acentuou aceleradamente após a 2ª guerra mundial. Sob a crescente dominação dos imperialistas norte-americanos, o Brasil está cada dia mais ameaçado de ser arrastado às guerras de agressão que são ostensivamente preparadas pelos círculos dirigentes dos Estados Unidos. Em consequência da militarização ostensiva do país, a dominação norte-americana torna-se ainda mais pesada e é crescentemente sensível a todas as camadas da população.
Nestas condições, as principais contradições que, no momento atual, se verificam no Brasil são as que contrapõem os imperialistas norte-americanos à maioria esmagadora da nação e, simultaneamente, os restos feudais ao povo brasileiro.
Estão, assim, nos imperialistas norte-americanos e nos restos feudais os principais inimigos do progresso do Brasil, da vida e segurança da grande maioria da nação brasileira. É indispensável, por isso, libertar o Brasil do jugo dos imperialistas norte-americanos e realizar no país transformações democráticas radicais que ponham fim à opressão causada pelos restos feudais e pelo latifúndio. Estas duas tarefas marcham juntas. Enquanto os imperialistas norte-americanos constituem o principal sustentáculo dos latifundiários, de outro lado, se não for derrotado o poder dos latifundiários e grandes capitalistas, não poderá o domínio dos monopólios norte-americanos ser liquidado no Brasil.
A revolução brasileira em sua etapa atual é, assim, uma revolução democrático popular, de cunho antiimperialista e agraria antifeudal. É uma revolução contra os imperialistas norte-americanos e contra os restos feudais e tem por objetivo derrocar o regime dos latifundiários e grandes capitalistas. Libertando o Brasil do jugo dos imperialistas norte-americanos e dos restos feudais, desloca, simultaneamente, o país do campo da guerra e do imperialismo para o campo da paz, da democracia e do socialismo.
O programa do partido reflete essa justa caracterização da revolução brasileira em sua atual etapa. Nos pontos do Programa estão expressas as transformações democráticas e progressistas que reclamam os supremos interesses da nação e que expressam os interesses vitais do povo.