A China, o Brasil e a indústria
A perda de dinamismo da industrialização brasileira provocou, no início dos anos 90, uma reação extremada nas hostes liberais: abrir a economia seria expor os empresários letárgicos aos ares benfazejos da globalização. O silogismo em que se desdobra a premissa é grotesco em sua simplicidade: se a indústria brasileira perdeu a capacidade de investir ou de se modernizar, a solução é submeter a incompetente à disciplina da concorrência externa.
Na trajetória dos emergentes bem-sucedidos, os benefícios da abertura da economia ao investimento estrangeiro – tais como absorção de tecnologia, adensamento de cadeias industriais, crescimento das exportações – dependeram fundamentalmente das políticas nacionais. Dentre os chamados Brics, cresceu mais e exportou ainda melhor quem conseguiu administrar uma combinação favorável entre câmbio real competitivo e juros baixos, acompanhada da formação de redes domésticas entre as montadoras e os fornecedores de peças, componentes, equipamentos, sistemas de logística e advertising.
Na era da escalada chinesa, é superstição acreditar que a abertura financeira e a exposição pura e simples do setor industrial à concorrência externa são capazes de promover a modernização tecnológica e os ganhos de competitividade.
Não há exemplo nos países periféricos, aí incluídos os “Tigres Asiáticos” e a China, de renúncia a políticas deliberadas de reestruturação produtiva ou de estímulo à modernização e à conquista de mercados. Os casos bem-sucedidos têm um traço comum: intencionalidade e coordenação pública.
As políticas asiáticas de promoção e integração industrial estão alicerçadas em ganhos expressivos nas relações produtividade/salário e câmbio/salário na manufatura. Esse processo é amparado por um sistema de crédito voltado para o investimento manufatureiro privado e a sustentação dos programas públicos de gastos em infraestrutura. A despeito da crise global e da desaceleração chinesa, o estilo de desenvolvimento sino-asiático prosseguirá empenhado na busca da dianteira na porfia competitiva global. Nessas circunstâncias, a valorização cambial é um erro grave, assim como a hesitação em promover políticas adequadas de defesa comercial e de estímulo às exportações.
Percorremos o caminho inverso dos asiáticos que abriram a economia para as importações redutoras de custos. A abertura da economia estava comprometida com os ganhos de produtividade voltado para aumento das exportações.
É natural a participação da indústria no PIB declinar nos países que atingiram um estágio de desenvolvimento avançado e nível de renda elevado. A queda é virtuosa por refletir os formidáveis ganhos de produtividade proporcionados pela indústria manufatureira contemporânea, principal vetor do progresso técnico.
O Brasil ainda não apresenta essas condições. É um país de renda média com os transtornos de mudanças muito profundas na configuração produtiva e nas relações comerciais do mundo globalizado. Depois da estabilização dos anos 90, aceitou as balelas da integração financeira e da abertura comercial pura e simples e desprotegeu sua indústria avassalada pelo avanço competitivo da China.
A grande empresa transnacional promoveu a articulação das novas cadeias de produção de valor, escoltada por uma profunda redefinição espacial da economia global. A estratégia chinesa administrou o comércio exterior de modo a colher os benefícios da incorporação de novos processos de produção “embutidos” em peças, componentes e nos bens de capital de última geração. O comércio intra-asiático é hoje um exemplo de estratégias de abertura com ganhos de competitividade, apesar da subida dos salários, mais do que compensada pelos avanços nos ganhos de escala, de escopo e de integração regional.
Publicado em Carta Capital