Esse fato e o apoio decidido e entusiasmado que o movimento encontrou no Majlis indicam também que o locus do poder no Irã está caminhando na direção de linha cada vez mais dura.

O movimento inclui expulsar o embaixador britânico de Teerã e rebaixar a representação para nível de “charge d’affaires”. Na 3ª-feira à tarde, dúzias de manifestantes iranianos invadiram o complexo britânico em Teerã, rasgaram a bandeira e lançaram documentos pelas janelas.

Os manifestantes gritavam três slogans principais: “Abaixo a Grã-Bretanha”, “Abaixo os EUA” e “Abaixo Israel” [orig. Down with Britain, Down with America e Down with Israel]. Exibiam fotografias do cientista iraniano e do Comandante do Corpo de Guardas Islâmicos Revolucionários major-general Qassem Soleimani. Na 3ª-feira completou-se um ano do assassinato de Shahriari – que se acredita que tenha sido assassinado pelo Mossad israelense, com apoio do Serviço Secreto Britânico, MI6.

Resposta assimétrica

O ponto de virada deve ter sido as providências, em Londres, para remover o grupo Mojahedin-e Khalq (MKO) da lista de organizações terroristas. O MKO foi autor de alguns dos mais devastadores ataques terroristas da história da República Islâmica do Irã. Teerã considera o MKO responsável por mais de 17 mil mortes, ao longo dos anos. Os mais ‘afamados’ dos ataques atribuídos ao grupo foram, como se sabe, o assassinato do Aiatolá Muhammad Behesti (que ocupa o segundo lugar, só inferior ao do Imã Ruhollah Khomeini, no panteón dos líderes revolucionários) em junho de 1980, e do presidente eleito, extremamente popular, Muhammad Rajayi, em agosto do mesmo ano. Um segundo ataque terrorista por pouco não matou todos os líderes revolucionários abaixo de Khomeini.

Uma das ironias mais estranhas da história moderna é que a inteligência ocidental dependa hoje dos terroristas do MKO – que praticam um mix ideológico de marxismo, nacionalismo e islamismo –, como principal instrumento com que contam para desestabilizar e subverter o regime islâmico no Irã.

O pessoal da segurança iraniana e o Hezbollah libanês, em gigantesca operação de contrainteligência em Beirute, desmontaram toda a rede de inteligência da CIA-EUA no Líbano e no Irã.

Aparentemente, a CIA estaria usando o Líbano como ‘ponte’ para entrar no Irã, dada a relativa liberdade de movimento entre os dois países. Nos meses de maio e junho, as forças de segurança do Irã prenderam mais de três dúzias de iranianos que trabalhavam para a CIA.[1] As investigações, ao longo dessa operação, revelaram que recentes operações clandestinas contra o Irã estavam sendo conduzidas, como operação conjunta, por CIA, Mossad e o grupo MKO.

Nesse contexto, o movimento dos britânicos para reabilitar os terroristas do MKO (cujos líderes têm base em Bruxelas e viajam livremente entre as capitais europeias) enfureceu Teerã ao ponto, pode-se dizer, máximo. Parece ser a verdadeira causa da atual crise. Teerã recorre a resposta “assimétrica” e ataca o símbolo do poder britânico, porque não tem meios para responder na mesma moeda a ofensa que lhe fizeram os britânicos.

Os laços entre Irã e Grã-Bretanha estão em processo de congelamento. Sempre foi relacionamento extremamente conturbado, em termos históricos, e alcançou ponto máximo de combustão, na história recente, no golpe que derrubou o governo de Mohammed Mossadeq no Irã, em 1952 – que muitos atribuem à CIA, mas, de fato, foi obra dos ingleses do MI6. O Irã jamais esqueceu. O Irã sabe, melhor que muitos países, que a Grã-Bretanha continua a ser o ‘cérebro’ por trás das políticas dos EUA – seja no Iraque, no Afeganistão, na Síria ou em Myanmar.

Os britânicos com certeza levarão sua queixa contra o Irã aos conselhos europeus e buscaram algum consenso “regional” no mundo ocidental, para que os movimentos diplomáticos contra o Irã sejam feito em uníssono. O mais provável é que, dado o tom da indignação em Londres, países como a Alemanha, que têm grandes interesses no Irã, alinhem-se com os ‘ofendidos’. Simultaneamente, será boa ocasião para tomar o pulso da unidade europeia, com vistas às próximas ‘intervenções’ na situação do Irã, nos próximos meses.

Pode-se dizer que essa questão será uma espécie de ‘test drive’ para o Oriente Médio. As linhas estão sendo traçadas, e a noite das longas facas[2] está começando. Todos entendem. E, para os regimes autocráticos do Golfo Persa, não há esquina onde se esconder. A apressada visita do rei Abdullah da Jordânia a Israel mostra o pânico, ante a tempestade que cresce no horizonte. Os esforços inauditos da Arábia Saudita para dividir a região entre sunitas e xiitas, por linhas sectárias, deram em nada.

A rua árabe de modo algum aceita que o ocidente ataque o Irã. Isso é o que mais preocupa Abdullah. E se a indignação das massas irromper na Jordânia?

Não há qualquer dúvida de que EUA e Israel trabalharão dia e noite nas capitais europeias, tentando obter que o ocidente rebaixe os laços com o Irã; se conseguirem, imediatamente se porão a bater os tambores do “isolamento do Irã na comunidade internacional”. O mais provável é que nada consigam, além de mais propaganda. Evidentemente, Teerã já contabilizou a agitação diplomática que virá por retaliar contra britânicos, e decidiu que, mesmo assim, manterá o processo de rebaixar os laços.

O quê, então, passa hoje pelas cabeças iranianas? Podem-se extrair algumas conclusões importantes.

Em primeiro lugar, Teerã dá por comprovado que o eixo EUA/Grã-Bretanha/Israel está girando na direção do confronto. Já nem a ambiguidade estratégica – “todas as opções estão sobre a mesa” – existe hoje, depois do discurso político muito beligerante do Conselheiro de Segurança Nacional dos EUA Tom Donilon na Brookings Institution, em Washington, semana passada.

Evidentemente, Donilon fala pelo presidente Barack Obama, que sabe o quanto é crítica a situação, cada dia mais supercarregada, no Oriente Médio:

Ampliamos a presença significativa e forte dos EUA na região. Além disso, trabalhamos para desenvolver uma rede de mísseis de defesa aérea, comunicação partilhada de alertas, melhoramos a segurança marítima, estreitamos os contatos de cooperação antiterrorismo, expandimos os programas para aumentar capacidade parceira, e aumentamos esforços para proteger a infraestrutura crítica de nossos parceiros.

Esses passos mostram claramente a Teerã que será fútil qualquer tentativa para dominar a região. E mostram que os EUA estão preparados para qualquer contingência. (…) O presidente Obama disse recentemente, semana passada, que todas as opções estão sobre a mesa, não excluímos nenhuma, na busca de nossos objetivos básicos.[3]

Em segundo lugar, Teerã dá por certo que o confronto pode acontecer ainda durante o primeiro mandato de Obama – porque um ataque ao Irã pode garantir a eleição de Obama para um segundo mandato. O modo como o governo Obama inflou a tensão com o Irã, praticamente ao mesmo ritmo e a partir do primeiro instante da campanha presidencial, é detalhe que não escapou aos analistas iranianos.

Em terceiro lugar, não restam alternativas ao Irã, além de dobrar as apostas, porque, hoje, já não se trata, sequer, de o Irã ‘flexibilizar’ ou não a questão nuclear; ou de ser ou não ser ‘conciliador’ na questão israelense; ou de ser ou não ‘moderando’ na questão palestina e nos conflitos do mundo árabe.  Trata-se de pura realpolitik e ostentação de poder.

Situação similar configurou-se em 1980, quando pouco importava a Teerã o que EUA e Grã-Bretanha pensassem sobre sua revolução. Acontece contexto semelhante, hoje: Teerã entende que, em todos os casos, sua situação sempre será melhor sem os britânicos, do que com eles por ali. A consciência histórica iraniana ainda vê a Grã-Bretanha Imperial como serpente venenosa que, vez ou outra, salta de lá, dos confins da Índia, para tentar devorar o sumarento fruto persa.

Memória coletiva

O animus contra a Grã-Bretanha aparece claramente na declaração lançada pelos estudantes que invadiram a embaixada:

“A embaixada das velhas raposas já deveria ter sido ocupada há 33 anos! Todos os iranianos de mente aberta, cujo coração bata pela própria terra e conheçam os crimes que o velho colonialismo britânico cometeu contra o Irã e os iranianos sabem que a ocupação da embaixada das velhas raposas atende aos interesses do Irã, aos nossos interesses nacionais”.[4]

Declarações recentes de comandantes militares do Irã já alertaram que o Irã tem capacidades conhecidas (e desconhecidas) para retaliar, se o país for atacado. Com o alerta explícito, os iranianos tentam injetar um pouco de racionalidade nos discursos de EUA e Grã-Bretanha os quais, de fato, já beiram o total delírio, no que dizem das políticas e decisões dos iranianos. Mas Teerã sente que, doravante, de pouco servirá tentar influenciar o movimento das engrenagens internas que arrastam as decisões do governo Obama.

Na avaliação dos iranianos, o que está acontecendo é que Obama absolutamente não tem interesse algum em ouvir a narrativa iraniana. Obama está sendo arrastado, agora, exclusivamente, pela obsessão de reeleger-se em 2012. Os interesses da campanha para a reeleição obrigam o presidente a distanciar-se, no discurso político, dos sucessivos fracassos de seu governo no plano econômico. Uma ‘mudança de regime’ na Síria, e qualquer passo que Obama consiga apresentar à opinião pública como ataque contra o Hezbollah, são exatamente o que mais interessam a Obama, para reaquecer sua imagem de “líder que lidera a partir da retaguarda”.

Com espantoso grau de firmeza, Donilon prosseguiu, no discurso na Brookings: “O fim do regime de [Bashar al-] Assad [na Síria] será a maior derrota para o Irã na região, golpe estratégico que desequilibrará o poder na região, contra o Irã. Teerã terá perdido o seu principal e mais próximo aliado na região.”3

A verdade é que, quanto mais considera o contexto regional, mais cresce o fervor “revolucionário” em Teerã. Teerã associou a beligerância de Donilon ao deslocamento do porta-aviões nuclear USS George H W Bush para a Síria. A 6ª Frota dos EUA também patrulha o Mediterrâneo ocidental ao largo da Síria. EUA e Turquia instruíram seus cidadãos a deixar a Síria.

Mais uma vez, o vice-presidente dos EUA Joseph Biden chegou de surpresa ao Iraque, a caminho da Turquia, para manifestar o apoio de EUA ao ataque intervencionista da Turquia contra a Síria. Na 3ª-feira passada, pela primeira vez, o ministro de Relações Exteriores da Turquia Ahmed Davutoglu sinalizou, embora indiretamente, que seu país estaria pronto para invadir a Síria. (…)[5]

O dilema que a Turquia e seus aliados ocidentais enfrentam é que a grande maioria do exército sírio permanece fiel ao regime. A folha de parreira de sempre – uma suposta ‘resistência’ síria – não está acessível, dessa vez. E, sem a folha de parreira, todas as vergonhas de a Turquia e aliados invadirem a Síria ficariam expostas. Turquia e seus aliados ocidentais contam com mercenários líbios, já deslocados para a Síria, para superar esse entrave operacional.

Em resumo, o que se pode ler escrito nas estrelas é que, sim, um ataque ocidental liderado pela Turquia, contra a Síria, está tomando forma. A França já requereu abertamente que se crie um “corredor humanitário” apoiado pela União Europeia, que permita que a inteligência ocidental e conselheiros militares avancem pela Turquia até a Síria, para coordenar a ‘mudança de regime’. Na reunião dos ministros de Relações Exteriores da União Europeia, em Bruxelas, na 3ª-feira, a Turquia foi convidada especial.

Tudo considerado, já não há dúvidas em Teerã de que é hora de a nação passar a operar em modo revolucionário. A intrusão na Embaixada Britânica fez despertar símbolos arquetípicos de audácia e resistência, sempre presentes, mesmo que adormecidos, na consciência revolucionária dos iranianos – especialmente quando se mobiliza a memória coletiva que envolve os britânicos. É a última linha de defesa do Irã – como foi na crise dos reféns com os EUA, nos meses imediatamente depois da revolução islâmica, quando o Irã esteve sob sítio.

É bem claramente visível que Obama, dado a meter-se em jogadas políticas de altas apostas – e que até agora mais ganhou que perdeu, como se vê em sua meteórica carreira política – está pisando agora em gelo fino e escorregadio. A Síria não está fácil de descascar; a poucos passos, o Hezbollah espera; como o Hamás. Pode-se dizer que as apostas, hoje, são 50-50: é possível que não aconteça o que Donilon tentou fazer-crer que acontecerá ‘com certeza’, mesmo que não haja exato replay do resultado que horrorizou Jimmy Carter. Na 3ª-feira à tarde, a situação entre EUA e Irã aproximou-se do ponto de combustão espontânea.

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[1] Sobre isso, ver “Inteligência iraniana impõe dura derrota à CIA-EUA”, 30/11/2011, Asia Times Online e, em português, em http://redecastorphoto.blogspot.com/2011/11/inteligencia-iraniana-impoe-dura.html [NTs].
[2] A Noite das Facas Longas (al. Nacht der langen Messer) ou Noite dos Longos Punhais foi um expurgo que aconteceu na Alemanha Nazista na noite do dia 30/6-1/7/1934, quando a direção do Partido Nacional Socialista Alemão dos Trabalhadores (o Partido Nazista) decidiu executar dezenas de seus membros políticos, sendo a maioria da Sturmabteilung (SA), uma organização paramilitar do partido (mais em http://pt.wikipedia.org/wiki/Noite_das_facas_longas).
[3] Encontra-se transcrição, edição não corrigida do que disse Donilon, em inglês, em http://www.brookings.edu/~/media/Files/events/2011/1122_iran_nuclear_program/20111122_iran_nuclear_program_keynote.pdf [NTs].
[4] 2/12/2011, “Occupy Embassy”, FarsNews, Teerã, em http://english.farsnews.com/newstext.php?nn=9007275419 (em inglês) [NTs].
[5] Sobre isso, ver 30/11/2011, MK Bhadrakumar, “Turquia pronta para invadir a Síria” http://redecastorphoto.blogspot.com/2011/11/turquia-pronta-para-invadir-siria.html [NTs].

Fonte:  Asia Times Online

http://www.atimes.com/atimes/Middle_East/ML01Ak02.html

Traduzido pela Vila Vudu