Boas vindas ao Portal Grabois, conheça nossa marca
O que você está procurando?

Atilio Borón: Sheinbaum, herança e novos desafios

18 de outubro de 2024

O cientista político argentino Atilio Borón escreve sobre os desafios da nova presidenta do México, Claudia Sheinbaum.

Em cerimônia emocionante, Claudia Sheinbaum assumiu a presidência do México. No evento público realizado no gigantesco Zócalo, onde estão o Palácio Nacional e a bela igreja colonial, a nova presidente recebeu as delegações das etnias indígenas do México que consagraram, agora com seus rituais tradicionais, a transmissão do comando presidencial nas primeiras horas da manhã no Congresso.

Sheinbaum herda uma situação complexa. Privilegiada em certo sentido, porque tem ampla maioria nas duas Câmaras do Congresso e apoio majoritário dos governos estaduais, quase todos controlados pelo seu partido, o MORENA. O seu capital político inclui, naturalmente, o altíssimo nível de aprovação popular do seu antecessor, Andrés Manuel López Obrador. Um de seus principais projetos, a reforma do Poder Judiciário, foi aprovado logo após sua esmagadora vitória eleitoral e já adquiriu status constitucional. Seus projetos de gestão estão enraizados nas conquistas indubitáveis ​​de AMLO em termos de promoção social: programas massivos de bolsas para jovens e idosos; 145 novos institutos universitários criados nas regiões mais remotas do país com orientação para os problemas específicos da região; salário mínimo acima da linha da pobreza e sempre ajustado acima da taxa de inflação. Por outro lado, Sheinbaum também tem a seu favor a força do legado econômico de López Obrador, com uma economia que, em 2023, teve exportações próximas de 593 bilhões de dólares, oitenta por cento dos quais foram para os Estados Unidos. Por outro lado, o Banco do México, equivalente ao Banco Central da Argentina, possui reservas que chegam a 225 bilhões de dólares, o que tem favorecido a reavaliação do peso e o controle da inflação. E como se não bastasse, as remessas dos mexicanos residentes no estrangeiro ascenderam a pouco mais de 62 bilhões de dólares, que se somam aos 14 bilhões que entram no país como resultado do turismo receptivo.

Leia mais – Ana Prestes: Cláudia Sheinbaum vai governar com as mulheres no México

No entanto, existem desafios de importância crescente que podem dificultar a concretização dos projetos da nova presidenta. Três questões devem exigir sua atenção permanente. Primeiro, a violência, que projetou a taxa de homicídios no México para 24 por 100.000 habitantes. Este valor, para ser corretamente interpretado, deve ser comparado com os valores desse mesmo indicador noutros países. Na Argentina, por exemplo, foi de 4,4 por 100 mil; no Chile e nos Estados Unidos 6,3, no Brasil, aproximadamente o mesmo que no México, e no ultraneoliberal Equador de Noboa era 44 por 100.000 habitantes. No caso do México, a nefasta presença do tráfico de drogas é responsável pelo seu elevado nível de criminalidade e também pela sua localização territorial, uma vez que não ocorre igualmente em todos os estados e regiões do país. Está concentrado principalmente em Sinaloa, Jalisco, Colima, Sonora, Durango, Aguascalientes, Querétaro, Nayarit e Baja California Sur. A proximidade da fronteira dos EUA é outro fator que aumenta a criminalidade, pois facilita a aquisição de armas de guerra, que em algumas cidades fronteiriças podem ser adquiridas a baixo custo e sem muitas exigências em lojas como o Walmart, por exemplo.

Outra questão muito espinhosa é a migração que percorre o território do México buscando entrar nos Estados Unidos. É uma caravana permanente de centenas de milhares de pessoas: adultos, crianças, famílias inteiras, num número próximo de um milhão que enfrentam todo tipo de obstáculos para chegar à fronteira dos EUA e, uma vez lá, conseguem contornar as patrulhas de imigração desse país e entrar no território dos Estados Unidos. É uma jornada extensa e muito difícil, a tal ponto que a Organização Internacional para as Migrações relatou 686 migrantes mortos ou desaparecidos ao longo da fronteira entre os Estados Unidos e o México durante o ano de 2022. Washington aumentou a sua pressão sobre o governo mexicano para estabelecer barreiras ou controles que reduzem o número de migrantes, mas sem sucesso. Em vésperas das eleições nos EUA, esta exigência foi redobrada, com resultados idênticos. Mas Sheinbaum terá de mostrar que toma nota do pedido da Casa Branca para evitar um endurecimento da relação entre os dois países. Não será fácil, obviamente.

Outra questão, a terceira, que poderia complicar a gestão de Sheinbaum, é a implementação do Corredor Bioceânico que cruzaria o Istmo de Tehuantepec, ligando os portos de Coatzacoalcos, no Caribe, com Salina Cruz, no Pacífico. Com um percurso de cerca de trezentos quilômetros, este corredor competiria vantajosamente com o sobrecarregado Canal do Panamá, também ameaçado pelas alterações climáticas que reduziram perigosamente o seu fluxo de água. O problema é que para Washington o Panamá é “o seu canal”; Na realidade, um canal dos Estados Unidos no Panamá e a sua progressiva marginalização devido à maior velocidade da transferência de contentores por via férrea e ao inegável interesse da China em colaborar na sua construção e financiamento definitivos poderiam levar a um confronto gravíssimo entre o México e os Estados Unidos. A mão diplomática da nova presidenta mexicana será submetida a uma dura prova nesta matéria.

Atilio A. Boron é professor de ciência política na Universidade de Buenos Aires. Autor, entre outros livros, de A coruja de Minerva (Vozes).

Publicado originalmente em Acción.

Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial dFMG

Tags