Rodrigo Moura: Terceiro Pleno é sobre governança!
Rodrigo Moura demonstra como a China busca “ativamente um desenvolvimento que respeite o meio ambiente e promova a justiça social”.
Foi interessante acompanhar a reação de alguns analistas especializados em China, principalmente após o Terceiro Pleno do XX Comitê Central do Partido Comunista da China (PCCh), realizado em julho de 2024. A maioria desses observadores, em maior parte europeus, ficaram entre a surpresa e a desconfiança. Surpresos por descobrirem que se trata de um país realmente socialista, dirigido por um partido comunista, onde o Estado direciona o mercado, ou seja, nada de capitalismo de estado ou “claramente capitalista” como definiu Branko Milanovic. Contudo, para entender essa parte, é preciso ir além da superfície da porcentagem de participação das Empresas Estatais na economia e se aprofundar nos dados que demonstram que as pequenas e médias empresas na China tiveram ou têm alguma ajuda da mão visível do Estado. Até o final de maio de 2024, os micro e pequenos empréstimos totalizaram 31,56 trilhões de yuans, demonstrando um aumento de 19,3% ano após ano. Já os desconfiados, que não acreditam que o governo possa resolver os inúmeros problemas que se apresentam, apelam à conjuntura internacional altamente adversa e à falta de um plano claro que resolva os problemas de agora. De fato, este grupo tem razão ao diagnosticar o ambiente desfavorável, mas definitivamente não consegue entender o significado do Terceiro Pleno, que além de uma formalidade política, é um momento de definições sobre os rumos do país e, por extensão, do planeta.
Primeiro, vale ressaltar a reafirmação da liderança de Xi Jinping, fator de extrema importância na garantia de estabilidade política em tempos incertos. Em um mundo repleto de turbulências, ter uma liderança forte é vital para a implementação de políticas que possam ir contra interesses de grupos poderosos, como por exemplo as Big techs. Sabemos no Brasil que, mesmo a liderança de Lula, precisa fazer enormes concessões para conseguir alguma governabilidade. Assim, a continuidade do Governo Xi Jinping demonstra um compromisso com a estabilidade e um desenvolvimento sustentável.
O foco do Pleno na economia sustentável ressoa profundamente com as emergências globais. A ideia de que a China está se movendo em direção a um modelo econômico que valoriza não apenas o crescimento, mas também a saúde do nosso planeta é animadora. Ao priorizar setores como inteligência artificial e tecnologias limpas, a China não está apenas se adaptando; está se posicionando como uma referência global. Buscando ativamente um desenvolvimento que respeita o meio ambiente e promove a justiça social.
Na seara da justiça social, o passo fundamental foi a proposta de liberalizar o sistema Hukou, que é o sistema de registro de cidadãos baseados no local de residência em vigência desde 1949. Pensar em um país onde os migrantes possam ter acesso a serviços básicos como educação e saúde traz esperança e é um passo formidável no sentido de diminuir a desigualdade. Essa medida, que vem sendo construída desde 2014, não só melhora a qualidade de vida de milhões, mas também reforça a ideia de que o crescimento econômico justo deve beneficiar a todos e busca um maior equilíbrio na dualidade campo e cidade. Segundo a Xinhua, um total de 150 milhões de pessoas obteve a residência urbana permanente desde 2014. Essa visão inclusiva é crucial para a estabilidade social na China.
É impossível também ignorar a ênfase na segurança nacional. Uma questão vital dada as condições atuais. Sofrendo fortes ameaças dos Estados Unidos e Europa e na construção de relações cada vez mais complexas com seus parceiros do Sul, coube à China tornar a segurança econômica e cibernética uma prioridade. A postura firme da China em defender seus interesses, sem abrir mão do diálogo, é um equilíbrio que pode levar a uma maior estabilidade na região e no mundo. Um exemplo foi a decisão da China e Índia, durante a reunião dos BRICS em Kazan, em pacificar suas fronteiras ao longo dos Himalaias, conforme reportado por Saibal Dasgupta da Voa News.
O impacto do Pleno se estende, portanto, além das fronteiras da China, e se reflete no cenário global. A busca por inovação e uma economia verde não é apenas uma questão de interesse nacional; é uma oportunidade para engajar parcerias que possam enfrentar os grandes desafios do nosso tempo. Essa visão multipolar é algo que tem ecos na política externa brasileira e que deveria ser o principal ponto de colaboração mais profundo entre as nações.
É inegável que o Terceiro Pleno do XX Congresso do PCCh não é apenas um evento político; é o ponto mais alto da governança chinesa. Essas reflexões se baseiam no entendimento de que o Terceiro Pleno não se trata de uma relação de problemas e soluções, mas sim de consolidação de poder, apresentar uma nova visão de mundo e apontar direções. Em suma, o Terceiro Pleno é sobre governança, não é sobre questões de múltipla escolha. Aos ouvintes caberá buscar compreender a mensagem e ajustar a bússola. As diretrizes apresentadas podem transformar a China em uma nação mais inovadora, inclusiva e sustentável. Mas antes de tudo, socialista. A construção de um sistema de mercado socialista de alto nível e o aprofundamento das reformas para o avanço da modernização chinesa continuam e são essenciais para atender às necessidades de todos, interna e externamente, na busca de um futuro seguro e estável. A China se reafirma como nação socialista e soberana que tem a posição de contrapor o imperialismo de forma equilibrada, sem apostar em guerras ou na desestabilização de povos e nações.
Rodrigo Moura, 36 anos, natural de Osasco, SP. Filiado e Militante do PCdoB, Secretário de Estruturação Partidária da representação do Partido na China. Formado em Negócios Internacionais pela FGV e Mestre em Estudos Chineses pela Universidade de Zhejiang. Na China integrou o Grupo de Estudos do Socialismo com Características Chinesas da Universidade de Zhejiang, fez parte do movimento estudantil como presidente do Conselho Internacional de Estudantes em 2021 e em 2021 fundou o Centro de Estudos Latinoamericanos da Zhejiang University International Business School onde convidou a ex-presidenta Dilma Rousseff para fazer o discurso de abertura. Seu foco de pesquisa são as políticas de Alívio a Pobreza, revitalização rural e recuperação do meio ambiente na China.