Princípios 170: Diversificação energética e transição ecológica
Publicada pela Editora Anita Garibaldi, a revista Princípios (Qualis A3) é o periódico científico marxista mais antigo do Brasil. (ISSN:1415-7888; E-ISSN: 2675-6609)
Acaba de ser publicada a edição 170 da revista Princípios.
A diversificação de fontes de energia, conectada à transição ecológica para um modelo de desenvolvimento sustentável, estão entre os maiores desafios brasileiros do século XXI. Princípios dedica o dossiê desta edição ao debate sobre essas questões, hoje objeto da preocupação de amplas parcelas da população. O equacionamento do binômio produção energética-proteção ambiental é chave para o avanço do país e a melhoria da qualidade de vida.
Leia abaixo o Editorial da Princípios 170:
Energia e clima: desafios do século XXI
A diversificação de fontes de energia, conectada à transição ecológica para um modelo de desenvolvimento sustentável, estão entre os maiores desafios brasileiros do século XXI. Princípios dedica o dossiê desta edição ao debate sobre essas questões, hoje objeto da preocupação de amplas parcelas da população. O equacionamento do binômio produção energética-proteção ambiental é chave para o avanço do país e a melhoria da qualidade de vida.
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Há uma correlação direta entre disponibilidade/consumo de energia e desenvolvimento socioeconômico. Por isso a ampliação da oferta de energia é um imperativo para as nações emergentes. Esse é também um grande desafio para o Brasil. Nossa capacidade energética per capita é seis vezes menor que a dos Estados Unidos (EUA). A oferta interna de energia no Brasil também é baixa em comparação com outros países e blocos, como China e União Europeia. A privatização da Eletrobrás e das principais distribuidoras de energia elétrica ajudou a agravar esse quadro ao comprometer investimentos em geração e transmissão, aumentando a vulnerabilidade do país.
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Essa realidade coloca na ordem do dia a agenda da diversificação energética. Ela se reflete em legislações recentes como o projeto de lei dos “combustíveis do futuro” e a lei 14.948/2024, que institui o marco legal do hidrogênio de baixo carbono. Também o Decreto “Gás para Empregar” visa expandir o fornecimento de gás natural. No mesmo sentido, a exploração de petróleo na chamada Margem Equatorial é iniciativa de crucial importância não apenas para enfrentar a pobreza energética e repor as reservas de petróleo do Brasil com mais avanços no pré-sal, mas também para mobilizar recursos a fim de financiar a transição ecológica, com investimentos em descarbonização e energias renováveis. Todas essas iniciativas são decisivas para impulsionar o desenvolvimento.
Vale ressaltar que o Brasil já tem dado contribuição decisiva para a redução da dependência mundial dos combustíveis fósseis. As fontes renováveis representam 49,1% da nossa oferta interna de energia (total), enquanto nos países da OCDE chegam a apenas 12,6%. Enquanto o mundo aspira chegar a 39% de fontes renováveis em 2050, nosso país já ultrapassou essa marca há muito tempo e intenta alcançar, no mesmo período, o patamar de 64% de sua matriz energética renovável. As atividades industriais mais sofisticadas já substituíram as fontes térmicas que fazem uso direto de fósseis. Além disso, em termos de emissões por habitante, cada brasileiro, produzindo e consumindo energia em 2023, emitiu em média 2,0t CO2-eq. De acordo com dados divulgados pela Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês) para o ano de 2021, cada brasileiro emitiu o equivalente a 14,5% de um cidadão norte-americano, 36% de um cidadão europeu da OCDE e 26,2% daquilo que emitiu um cidadão chinês.
Mesmo a nossa produção de petróleo é mais limpa: para cada tonelada equivalente de petróleo disponibilizada, o Brasil emitiu em 2021 o equivalente a 78% dos países europeus da OCDE, 69% dos EUA e 52% da emissão da China. Por outro lado, a demanda nacional por derivados de petróleo é crescente. Por isso, como afirmou em recente entrevista a presidente da Petrobras, Magda Chambriard, “não produzir, mas consumir petróleo estrangeiro, terá um efeito na contramão das metas climáticas, elevando as emissões domésticas”.
É preciso recordar ainda que, no Brasil, a principal contribuição para o aquecimento global não vem do consumo de energia, pois nossa matriz é largamente limpa e sustentável. Cerca de 75% das nossas emissões de gases de efeito estufa (GEE) são provenientes do uso da terra (desmatamento, queimadas e pastagens degradadas). Os recentes incêndios que atingiram grande parte do país devem servir de alerta para a urgência de ações estruturais contra a crise socioambiental e climática. Ainda que parte considerável desses incêndios seja de origem comprovadamente criminosa, a situação como um todo foi facilitada pela estiagem prolongada, que resultou em piora na qualidade do ar. Os efeitos da estiagem ainda incluem a redução do nível dos reservatórios das usinas hidroelétricas, levando à ativação de usinas termelétricas, mais caras e poluentes.
Nos últimos dez anos, fenômenos climáticos adversos afetaram diretamente milhões de brasileiros, destruíram milhares de residências e geraram prejuízos estimados em R$ 421 bilhões. Em 2022, cerca de 13% da população foi diretamente impactada por desastres climáticos. Em maio de 2024, o Rio Grande do Sul sofreu uma tragédia ambiental de grande escala, com perdas econômicas avaliadas em R$ 87 bilhões e mais de 180 vidas perdidas. Esse cenário ressalta a importância de iniciativas como o Pacto pela Transformação Ecológica, firmado pelos três poderes da República com o objetivo de pavimentar a transição para uma economia de baixo carbono.
Essa transição reclama maiores investimentos em ciência, pesquisa e tecnologia. É necessário desenvolver as tecnologias verdes do futuro, que irão diversificar a matriz energética. Esse investimento, que tem altos custos, liga-se de múltiplas formas aos projetos de neoindustrialização, em cujo âmbito se destacam a construção de novas infraestruturas enérgicas, sintonizadas com as metas de transição ecológica. Medidas de adaptação climática também são cruciais. É preciso aumentar a resiliência de sistemas naturais e de infraestrutura aos impactos dos fenômenos climáticos.
A adaptação climática, no entanto, carece de recursos. Dos US$ 125 bilhões destinados pelos bancos multilaterais de desenvolvimento em 2023, apenas 33% foram direcionados para adaptação. No Brasil, o regime fiscal e a falta de prioridade na alocação de emendas parlamentares agravam essa situação, transferindo os custos dos desastres ambientais para a população mais vulnerável. É preciso que haja uma resposta mais robusta à crise climática, tanto no plano nacional quanto no internacional.
Falando na realidade global, é certo que os esforços para a transição energética e o combate às mudanças climáticas demandam um ambiente de cooperação e responsabilização mútua pelos resultados – o oposto do que vemos hoje. A escalada nos conflitos militares na Ucrânia e no Oriente Médio e a guerra comercial travada pelos países ricos para tentar frear a expansão chinesa colocam em segundo plano a agenda multilateral de compromissos climáticos. Os combates em conflitos militares consomem uma enorme quantidade de recursos financeiros e a operação de equipamentos bélicos exige uso intenso de energia.
Num cenário internacional conflagrado, torna-se mais difícil o avanço das transformações ecológicas e energéticas. Elas requerem cooperação técnica, financeira e normativa (especialmente para certificação de origem da energia renovável). É preciso insistir para que os países ricos cumpram os acordos internacionais e repassem aos países em desenvolvimento os recursos financeiros pactuados para o financiamento da transição ecológica e energética. Esse debate se encontra, hoje, contaminado por disputas geopolíticas e comerciais, em função das quais os países ricos tentam influenciar decisões globais apenas a partir de seus restritos interesses, sem levar em conta o benefício da humanidade.
Além dos artigos que compõem o dossiê desta edição, os quais aprofundam os temas e linhas argumentativas acima esboçadas, Princípios traz ainda um par de artigos sobre a relação entre a dinâmica sistêmica do capitalismo e suas superestruturas. Um deles discorre sobre como as relações sociais e o modo de produção capitalista configuram sua forma jurídica; outro versa sobre o mesmo tema, porém abordando a questão da forma política (Estado) à luz do debate entre as diversas vertentes do paradigma derivacionista, que contribuiu para a renovação do materialismo histórico no campo da ciência política.
O debate sobre o trabalho reprodutivo e doméstico volta às páginas da revista, desta vez à luz de uma abordagem comparativa que se debruça sobre as elaborações de Ignácio Rangel e Silvia Federici. Um ensaio sobre a famigerada intentona do 8 de janeiro inventaria elaborações sobre fascismo, neofascismo e desinformação, buscando aferir sua aplicabilidade à tentativa de golpe bolsonarista. Princípios traz ainda um exame da representação política no estado da Bahia, mostrando que, apesar das disputas em torno de diferentes orientações políticas, grupos ideologicamente distintos podem abrigar um mesmo perfil sociodemográfico, em geral elitista – um desafio para a plena democratização da política.
A revista se encerra com a tradicional seção de resenhas, que, além de trazer breves recensões sobre obras recém-lançadas, contém ainda uma apreciação mais pormenorizada acerca do livro Sob o céu de junho: as manifestações de 2013 à luz do materialismo cultural, de Fábio Palácio.
Desejamos uma boa leitura!
A Comissão Editorial