Antiga reivindicação de movimentos sociais e políticos no Chile, a presidente Michelle Bachelet promulgou, nesta segunda-feira (27/04), a lei que substitui o sistema eleitoral chileno binominal herdado da ditadura, por um modelo proporcional. O desenho institucional anterior, de acordo com a mandatária, “prejudicava a democracia”.

“Hoje é um grande dia para a democracia, deixamos para trás o sistema binominal que por tanto tempo limitou e prejudicou nossa representação política”, disse Bachelet. “Hoje com este novo sistema eleitoral proporcional e inclusivo devolvemos a cada cidadão o poder real de seu voto”, acrescentou.

O sistema binominal impedia a formação de maiorias qualificadas nas duas câmaras. Para que uma lista obtivesse as duas cadeiras devia somar mais de 66%, o que era bastante improvável; no entanto, com apenas 33%, a segunda lista mais votada conseguia a mesma representação que a primeira.

A mandatária ressaltou ainda que “após 25 anos tiramos o ferrolho que distorcia a vontade das pessoas. Após uma longa luta fica para trás um sistema que não refletia o que somos e também não nos permitia definir soberanamente o que almejamos como sociedade”.

O projeto de lei que eliminou o sistema eleitoral binominal, considerado uma herança da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990), foi aprovado no final de janeiro depois de uma longa negociação entre a governante Nova Maioria e alguns setores da direita opositora que aceitaram a mudança.

Mediante uma emenda da Lei Orgânica Constitucional sobre Votações Populares e Escrutínios, a nova lei abre a porta para modificação do número de senadores e deputados e a uma redistribuição dos distritos e circunscrições eleitorais.

Sob o sistema binominal até agora vigente eram eleitos dois representantes por cada distrito ou circunscrição.

Com a mudança, será estabelecido um aumento dos deputados de 120 a 155 e de 38 a 50 no caso dos senadores.

Do Sistema Binominal ao Método D´Hont

Entre 1990 e 2013, o Chile escolhia seus representantes no Congresso pelo sistema binominal, criado pelo senador ultraconservador Jaime Guzmán – considerado o arquiteto da ditadura e também autor da Constituição de 1980, ainda vigente.

Através dele, o país foi dividido em 60 distritos, sendo eleitos dois deputados em cada um deles, para formar uma Câmara com 120 representantes. Para o Senado, foi feita outra divisão: 19 regiões senatoriais escolhendo 38 senadores, também duas para cada. Antes de eleger os dois ganhadores, o sistema faz um ranking das coalizões mais votadas e, depois, outorga as duas cadeiras aos que tiveram mais votos nessas duas listas. Tradicionalmente, a Nova Maioria (ex-Concertação, de centro-esquerda) e a Aliança (de direita) são as duas mais votadas, dividindo as vagas.

Com o novo sistema eleitoral, haverá um processo de redistritamento do país, que será dividido em novos distritos, que elegerão de três a oito deputados cada, dependendo do número de eleitores, distribuídos entre as 155 vagas que estarão disponíveis a partir da próxima eleição, em 2017. A mesma mudança de divisão acontecerá no Senado, que passará de 38 para 50 representantes.

Mas a mudança mais importante é a da fórmula para se decidir os eleitos. Até 2013, valia a regra binominal: as duas vagas disponíveis por distrito ficavam com as duas coalizões mais votadas, uma para cada. O sistema criou duas coalizões gigantes, que quase sempre dividiam as vagas tanto no Senado quanto na Câmara.

A partir de 2017, será adotado o chamado Método D´Hont, usado em países como Argentina, Espanha e Bélgica. Isso significa que toda coalizão que conseguir pelo menos 30% dos votos conseguirá uma das vagas em seu distrito. Com isso, se espera que outras forças políticas consigam chegar mais facilmente a obter uma vaga no Parlamento.

Outro ponto importante para as pequenas forças é que diminuirá a quantidade de exigências para se formar e manter um partido político no Chile, o que pode levar ao renascimento de muitas legendas que foram consideradas extintas pelo serviço eleitoral depois da eleição de 2013, por não alcançarem a quantidade mínima de representação.

Pelo sistema binominal, era muito difícil para uma coalizão pequena “furar” a fórmula eleitoral. São raríssimos os casos de blocos políticos diferentes desses dois que conseguiram eleger um representante, devido à desigualdade imposta pelo modelo e à pouca quantidade de candidatos — às vezes apenas um por distrito.

É o que aconteceu com o Partido Comunista durante 20 anos, até que, em 2009, a legenda deixou de competir sozinha ou coligada a partidos menores e se uniu à Concertação (que em 2013 passou a se chamar Nova Maioria). Só então o partido conseguiu eleger representantes: três em 2009 e seis em 2013.

Na atual Câmara dos Deputados, dos 120 membros atuais, apenas três conseguiram “furar” o favoritismo das grandes coalizões: Vlado Mirosevic (Partido Liberal), Alejandra Sepúlveda (Partido Regionalista) e Gabriel Boric (Esquerda Autônoma).

No Senado, também só existem duas exceções: Antonio Horvath e Carlos Bianchi, independentes de direita e representantes das duas regiões patagônicas, de Aysén e Magallanes respectivamente. Curiosamente, os dois foram os protagonistas da principal discussão da jornada no Senado, o que surpreendeu a muitos, já que eles costumam ser aliados nas votações. O voto de Horvath foi um dos decisivos para conseguir a aprovação do novo sistema eleitoral, o que levou Bianchi a tomar satisfações nos corredores do Congresso, chamando o colega de “regionalista travesti, vendido ao governo”, aos gritos. Pela manhã, depois de aprovado o projeto, Bianchi aproveitou o fim do plenário para pedir desculpas públicas ao colega.

Igualdade de gênero

A igualdade de gênero também mereceu um capítulo destacado na lei, que estabelecerá uma cota de igualdade. Nas eleições de 2017, e dali em diante, nenhuma coalizão poderá ter mais de 60% de candidatos de um mesmo gênero para cargos legislativos, o que garante um mínimo de 40% de homens e de mulheres em todas as forças políticas.

*Com colaboração de Victor Farinelli, de Santiago