Elementos do pensamento do líder chinês Deng Xiaoping
O colunista Rodrigo Moura apresenta algumas das características do pensamento do líder chinês Deng Xiaoping.
Foto: Em 13 de dezembro de 1978, Deng Xiaoping fez o discurso na cerimônia de encerramento da Conferência Central de Trabalho do PCCh, intitulado “Emancipar a Mente, Buscar a Verdade dos Fatos, e Unir e Olhar para o Futuro”.
Sem conversa fiada, vamos ao que interessa
Às margens do famoso Lago Oeste na cidade de Hangzhou, um grande amigo, Sven Tarp, professor de Lexicografia na Universidade de Aarhus, relembrou-me da influência significativa de Deng Xiaoping para o avanço do socialismo, como sua sensatez ideológica lhe permitiu focar no essencial, sem se perder nos infindáveis debates doutrinários, como sua abordagem pragmática e aberta para novas ideias garantiu as reformas necessárias, e por fim, como um homem discreto de poucas palavras conseguiu fazer uso magistral da semântica para sintetizar ideias complexas em provérbios de fácil digestão popular. Aqui não houve interesse em endeusar a figura de Deng Xiaoping, mas sim apontar suas contribuições e trazer inspirações ao rejuvenescimento teórico e prático do socialismo no Brasil.
Antes do governo de Deng Xiaoping, a China vivia um cenário político e econômico desafiador, caracterizado por uma economia estagnada, isolamento internacional e instabilidade política devido à Revolução Cultural. Mesmo com os avanços da Revolução, nomeadamente na área da saúde e alfabetização, em 1978 a China ainda era um país agrário, onde 80% de sua população vivia em áreas rurais subdesenvolvidas. O Índice de Desenvolvimento Humano era de 0,410 e a renda per capita de apenas U$40 dólares por ano. Ou seja, um país miserável.
Como a história da China, Deng teve sua trajetória marcada por altos e baixos. Ele faz parte daqueles raros líderes que personificam em si um momento histórico e que invariavelmente despertam amores e ódios. Deng não foi unanimidade em seu tempo e nem o é na China contemporânea, mesmo após os inegáveis resultados alcançados pelas reformas que modernizaram o país e transformaram o modelo socialista chinês. Sua influência continua sob escrutínio público, posto que resultados negativos, como a desigualdade social, os desequilíbrios regionais, a corrupção e a negligência ambiental, são desafios que foram aprofundados em sua gestão.
Mas achar o culpado ou se perder no que poderia ter sido nunca foi a inclinação de Deng, ele sempre se voltou para a realidade concreta e resultados tangíveis, que se não fossem alcançados num primeiro momento, depois de ajustes, poderiam ser alcançados posteriormente. Dessa forma, durante seus experimentos, em 1977, em Guangdong, aos líderes locais, ele disse: “O partido não tem dinheiro, o que podemos fazer é lhe dar uma política que lhe permita avançar rapidamente e superar suas próprias dificuldades”.
A frase mais famosa de Deng, que é frequentemente malversada com o intuito de defender uma pretensa liberalização capitalista da economia, é aquela que diz que não importa a cor do gato, contanto que cace ratos. Com efeito, ele foi acusado por muitos como traidor do verdadeiro comunismo, o que ele astutamente respondeu: “拨乱反正”, que em bom português seria algo como: “Vamos arrumar a bagunça e fazer a coisa certa.” Essa frase não só preparou o terreno para a Reforma e Abertura, que viria a seguir, mas antes respondeu a uma crítica de afastamento ideológico.
Nesse ponto, Deng definiu os quatro pontos cardeais do socialismo, demonstrando que, mesmo na sua visão pragmática, existia uma essência ideológica inabalável, que era a defesa do caminho do socialismo, a defesa da ditadura democrática do povo, a defesa da liderança do Partido Comunista da China e a defesa do pensamento de Mao Zedong e do Marxismo-leninismo. Estes foram os princípios fundamentais que limitaram todas as políticas posteriores e deram unidade ideológica e legitimidade ao partido comunista diante de todas as grandes transformações que vieram a seguir.
O que ele fez foi uma revolução dentro da própria revolução. Não foi uma contrarrevolução. Ele apontou ainda que: “É errado afirmar que uma economia de mercado exista apenas na sociedade capitalista. Por que não podemos desenvolver uma economia de mercado sob o socialismo? Desenvolver uma economia de mercado não significa praticar o capitalismo.” Vejam que este ponto ainda hoje levanta a polêmica pergunta: – Mas a China é capitalista ou socialista?
Para entender toda a transformação contemporânea chinesa, entender esse avanço conceitual é imprescindível. Alguns dizem que na China se pratica um capitalismo de estado ou até mesmo o capitalismo selvagem. Mas esquecem que o próprio partido define estar no estágio inicial da construção de um sistema socialista e ignoram ainda a resposta dada por Deng, da existência de uma economia de mercado socialista. E os sinais desta são vistos em toda parte da economia chinesa, como por exemplo, na função estratégica das empresas estatais e nas células do partido em cerca de 73% das empresas privadas (Departamento de Organização do CCP, 2018).
De fato, o pragmatismo foi a característica mais marcante de Deng Xiaoping, sua visão aberta levou a formulações políticas inovadoras que até hoje são difíceis de se compreender. Por exemplo: Um país, dois sistemas. Qual estado nacional permitiria tal arranjo em seu próprio território? Ou mesmo, o entendimento da importância histórica de Mao Zedong após a Revolução Cultural? Que, como ele mesmo definiu: “Em caso algum podemos descartar a bandeira do Pensamento de Mao Zedong. Fazer isso seria, de fato, negar a gloriosa história do nosso partido”. Foi essa lucidez política que garantiu a continuidade do partido, o combate ao niilismo histórico e os avanços teóricos dentro dos marcos do socialismo.
Diante dessa digressão sobre Deng Xiaoping, se fosse imitá-lo, eu diria: emancipar nossas mentes é vital. Mas se pudesse formular uma frase do nosso jeitinho, eu francamente diria: sem conversa fiada, vamos ao que interessa. Melhor dizendo, é preciso nos liberar dos dogmatismos e tabus ideológicos, focar em resultados tangíveis e promover a criatividade e empreendedorismo do povo brasileiro. E atenção! Empreendedorismo na melhor acepção da palavra, que é o de identificar oportunidades e desenvolver soluções inovadoras. Não queremos a transfiguração empobrecedora que retira do trabalhador sua alma e cidadania, convertendo-o num CNPJ sem lucros e sem direitos.
Rodrigo Moura, 36 anos, natural de Osasco, SP. Filiado e Militante do PCdoB, Secretário de Estruturação Partidária da representação do Partido na China. Formado em Negócios Internacionais pela FGV e Mestre em Estudos Chineses pela Universidade de Zhejiang. Na China integrou o Grupo de Estudos do Socialismo com Características Chinesas da Universidade de Zhejiang, fez parte do movimento estudantil como presidente do Conselho Internacional de Estudantes em 2021 e em 2021 fundou o Centro de Estudos Latinoamericanos da Zhejiang University International Business School onde convidou a ex-presidenta Dilma Rousseff para fazer o discurso de abertura. Seu foco de pesquisa são as políticas de Alívio a Pobreza, revitalização rural e recuperação do meio ambiente na China.
Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial da FMG.