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Nilson Araújo: Os trabalhadores foram os mais sacrificados no pacote de Haddad

29 de novembro de 2024
O economista Nilson Araújo de Souza lista os problemas do pacote econômico apresentado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

O economista Nilson Araújo de Souza lista os problemas do pacote econômico apresentado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

A Faria Lima não se deu por satisfeita. Queria e quer mais. Quer escalpelar o trabalhador e a trabalhadora para atender seu objetivo maior: locupletar-se cada vez mais. Por meio de seus ventríloquos na mídia, pressiona o governo Lula a tirar o povo do orçamento, desvinculando do salário mínimo as aposentadorias e pensões, o Benefício de Prestação Continuada (o BPC) e o abono salarial, eliminando os pisos constitucionais da educação e da saúde, e por aí vai.

A proposta final do ministério da Fazenda, por decisão do presidente Lula, não acatou aquelas loucuras, mas seguiu abordando o chamado sacrifício principalmente pelo lado dos mais pobres, essa grande massa de trabalhadores e trabalhadoras deserdados. Os trabalhadores e as trabalhadoras, incluída a imensa maioria do povo pobre, foram os mais sacrificados no pacote do ministério da Fazenda tanto no salário mínimo quanto nas aposentadorias e pensões, no BPC e no abono salarial. Antes de pensar em limitar gastos sociais, o que deveria ser feito seria acabar com o próprio arcabouço.

Não tanto porque tenha havido cortes, mas porque limitou o seu crescimento real, enquadrando-os nos limites draconianos do arcabouço. O salário mínimo, que era reajustado nos períodos Lula I e II pelo IPCA do ano anterior mais o crescimento do PIB de dois anos antes, medida que havia retornado em Lula III, passaria a ser enquadrado no arcabouço. Seguiria sendo reajustado pelo IPCA mais o incremento do PIB, mas essa taxa seria limitada a 2,5% ao ano. Isto é, se o PIB neste ano crescer acima de 3%, como acredita o ministro Fernando Haddad, os trabalhadores teriam um aumento real de, no máximo, 2,5% daqui a dois anos, o que levaria algumas décadas para atingir o mínimo necessário conforme o DIEESE. Cálculos de Pedro Rossi dão conta de que, se as regras do pacote estivessem vigendo desde 2003, o salário mínimo estaria 25% abaixo de seu nível atual. Reforçando esses dados, cálculos feitos pelo G1 indicam que o montante do valor surrupiado por meio dessas medidas antissociais seria de R$ 110 bilhões nos próximos seis anos, de um montante total de R$ 328 bilhões.  

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Ocorre que as aposentadorias e pensões e o BPC (que atende a idosos com 65 anos ou mais e pessoas com deficiência de baixa renda) têm seu reajuste anual condicionado ao salário mínimo. Portanto, passariam a crescer menos do que antes. Em relação ao abono salarial, que atende aos trabalhadores com carteira assinada que ganham até dois salários mínimos (hoje R$ 2.812), seria fixado em um valor equivalente a dois salários mínimos de 2023, ou seja, R$ 2.640, e a partir daí experimentaria reajuste apenas pela inflação até atingir, em 2035, 1,5 salário mínimo. Todas as medidas são contrárias aos interesses dos trabalhadores e do povo mais pobre. E também jogam contra os interesses da indústria, que veria seu mercado interno encolher.

Nem o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (o famoso Fundeb), o fundo da educação, escapou. Na alquimia que o ministério montou, poderá haver uma “economia” de R$ 42 bilhões nos próximos seis anos. O mesmo ocorreu com o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), o fundo da ciência, da tecnologia e da inovação. Ao ser enquadrado na famigerada DRU (Desvinculação de Receitas da União), que a Fazenda pretende renovar, perderá parte das verbas de que dispõe. E ficou claro desde que foi criado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso que o objetivo da desvinculação era liberar recursos para pagar juros da dívida. O ministério estima que, de 2025 a 2030, a DRU receberia um aporte de R$ 25,6 bilhões.

A decisão de enrijecer os controles e fiscalizar o BPC e o Bolsa Família para evitar ou cancelar possíveis irregularidades é uma medida, em princípio, correta, mas isso deve ser feito sempre, como medida de defesa do erário público. E não como medida de política econômica. Mas essa rigidez só vale para os pobres? Por que então não se estabeleceu uma medida para fiscalizar seriamente e anular benefícios fiscais a grandes empresas que nunca cumpriram ou que deixaram de cumprir a finalidade dos benefícios fiscais (para o conjunto dos benefícios, o próprio ministério da Fazenda divulgou que montam em R$ 546 bilhões; antes, havia falado em R$ 600 bilhões). Se conseguisse tirar 10% desse total, já reuniria R$ 54,6 bilhões por ano. Sobre isso, o ministro apenas disse que, se houver déficit primário, será vedada a criação, majoração ou prorrogação de benefícios tributários. Silêncio total sobre a parcela que, com uma fiscalização rígida, poderia ser obtida na redução dessas despesas. Ora, o que tem de ser examinado é se o benefício fiscal está ou não produzindo resultados, tais como geração de emprego, ciência, tecnologia e inovação. Com essa política, não se vai longe no desenvolvimento de CT&I e do país. Não somos contra benefícios tributários, mas tem que ser os adequados ao desenvolvimento nacional.

Consta também do projeto do ministério da Fazenda uma verdadeira conspirata contra a eficiência do Estado brasileiro, ao retirar 1 bilhão de reais das verbas estabelecidas para a realização de concursos, além da retirada de verbas também para promoções. Até parece que o Estado brasileiro não foi sucateado pelos governos anteriores e, portanto, carece de reconstrução para ajudar na reconstrução do Brasil.

O ministério da Fazenda promete no pacote que encaminhará, por lei complementar, a lista de exceções ao teto remuneratório nacional, valendo para todos os poderes e todas as esferas. Trata-se de coibir os supersalários (aqueles que ganham acima do teto do servidor público, que é de R$ 44.008,50) e conseguiu cortar R$ 1 bilhão das regalias dos militares (como reformar-se muito cedo e repassar a pensão para a filha solteira). Tudo muito bom, tira um bilhão daqui, outro dali e de grão em grão a galinha enche o papo. Mas por que, em lugar desse varejo, não se atua no atacado? Correlação de forças ou subserviência? Correlação de forças é algo objetivo, mas pode ser alterada pela ação dos dirigentes e das massas populares. E por tomarem decisão firme quando estão no governo.

E, como atuar no atacado? Já dissemos isso em outro artigo: captando uma parcela dos benefícios fiscais que já não são mais necessários (divulgou o ministério da Fazenda a lista dos beneficiários e o montante dos recursos que anualmente deixam de ser recebidos pelo governo: R$ 548 bilhões) e alterando no CMN a meta de inflação (a fim de que o BC não esteja pressionado a atingir meta muito baixa) e seguir batalhando para a queda da Selic. Com isso, não se teria que mexer com tanta gente, da favela à caserna.

O governo também pediu a colaboração do Congresso Nacional no caso das emendas parlamentares, com a possibilidade de bloqueio dessas emendas, com uma trava de 15% do total das emendas e a destinação de um determinado percentual para o SUS. O impacto esperado pelo ministério seria de R$ 34,3 bilhões em seis anos, a partir de 2025, uma média anual de R$ 6 bilhões. A conferir. Mas acreditamos que o governo deveria aproveitar a decisão do STF para recuperar pelo menos parte do seu controle orçamentário.

A proposta de Haddad implicaria numa economia de cerca de R$ 70 bilhões nos próximos dois anos e de R$ 328 bilhões até 2030, montante que poderia ser suprido pelo corte das despesas financeira e tributária.

Por último, mas não menos importante, o presidente Lula, como assinalamos antes, conteve parte da ânsia do ministro da Fazenda para atender à Faria Lima. Mas vimos que, ainda que um pouco mais suave, mantiveram-se no pacote elementos essenciais do “plano”, a saber: o “sacrifício” maior recaiu sobre os mais pobres, uma espécie de Robin Hood às avessas. Mas, agora, vamos tratar de uma proposta apresentada especificamente pelo presidente Lula: tributar adequadamente os que ganham mais de R$ 50 mil por mês para, assim, isentar as faixas de renda de até R$ 5 mil. Uma taxa de 10% para quem ganha mais de R$ 600 mil por ano. Será considerado o conjunto das rendas. É a primeira medida para compensar a ampliação da isenção do imposto de renda. Esse, sim, um verdadeiro Robin Hood.

Mas o ministro da Fazenda jogou um balde de água fria. Depois de anunciar as duas medidas casadas com pompa e circunstância em seu pronunciamento na TV, esclareceu no dia seguinte, durante a entrevista coletiva, que estas medidas estariam incluídas na reforma do IR, que ficaria para 2025 e funcionaria a partir de 2026. Jogou para as calendas? Não temos a menor garantia de que serão aprovadas ao não serem encaminhadas junto com o pacote. A Anafisco, por sua vez, propõe a tributação de lucros e dividendos em cerca de 5%, o que arrecadaria R$ 51 bilhões por ano.

Nilson Araújo de Souza é pesquisador do GP 1: Desenvolvimento nacional e Socialismo – Economista, Mestre em Economia pela UFRGS, Doutor em Economia pela Universidad Nacional Autónoma de Mexico (UNAM), com pós-Doutorado em Economia pela USP; professor aposentado pela UFMS, professor visitante voluntário do Programa de Pós-Graduação em Integração Contemporânea da América Latina da UNILA; membro do Comitê Central e da Comissão Política Nacional do PCdoB, Diretor da Fundação Maurício Grabois e do Instituto Claudio Campos, presidente do Sindicato dos Escritores no Estado de São Paulo; autor de vários livros, antigos e ensaios sobre economia brasileira, latino-americana e mundial, destacando-se “Economia brasileira contemporânea – de Getúlio a Lula” e “Economia internacional contemporânea – da depressão de 1929 ao colapso financeiro de 2008”, além de haver organizado vários livros com diversos autores.

Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial dFMG.