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Observatório Internacional: o gabinete de Trump no próximo governo

19 de dezembro de 2024

Eduardo Siqueira avalia os nomes cotados para o ministério do novo governo de Donald Trump nos Estados Unidos.

Trocando em Miúdos o Gabinete Trump: Um Saco de Poucos Gatos

Nada melhor para diagnosticar o que o governo Trump 2.0 pretende fazer nos próximos quatro anos do que avaliar a agenda dos que serão os prováveis ministros, dependendo ainda de aprovação pelo Senado no início de 2025. Como a lista de todos os candidatos a cargos no gabinete é muito grande para uma análise exaustiva da composição de todos os ministérios, alguns postos chaves servem como indicação da tendência geral das políticas e ações concretas do novo governo a partir do ano que vem. Vale lembrar que, como o Partido Republicano tem maioria no Congresso pelo menos até as eleições de meio de mandato em 2026, tudo indica que o presidente Trump terá suficiente força política para levar adiante suas principais decisões nos primeiros anos do mandato.

Quanto à política externa, os candidatos Pete Hegseth para Ministro da Defesa; senador Marco Rubio para Ministro de Relações Exteriores; Tulsi Gabbard para Diretora de Inteligência Nacional; John Ratcliffe, para Diretor da Agência Central de Inteligência (CIA), e Michael Waltz, para Conselheiro de Segurança Nacional, são os quadros mais importantes. Todos consideram a China como inimigo principal dos interesses do império estadunidense (conhecidos como falcões chinófobos) e o Irã como ameaça a ser combatida. Defendem o sionismo e o genocídio dos palestinos pelo governo de Netanyahu e afirmam que seguirão ao pé da letra as decisões de política externa do presidente. Alguns são russófobos de primeira hora (Rubio e Waltz), mas serão enquadrados pelas iniciativas de Trump para negociar algum tipo de acordo de paz com a Rússia.

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O senador Rubio, da Flórida, apoiou todos os golpes organizados pelo chamado Estado Profundo dos EUA contra governos progressistas na América do Sul e Central, desde a Bolívia até Honduras. Hegseth foi apresentador do canal da grande mídia de direita Fox News, é acusado de assédio sexual no passado e talvez não seja confirmado quando for sabatinado no Senado no ano que vem. Aliás, Matt Gaetz, deputado federal pelo Partido Republicano, retirou recentemente sua nomeação ao cargo de Procurador Geral pelo mesmo motivo.

Estas escolhas do Presidente Trump revelam que antes de mais nada os indicados não terão voo próprio nem têm divergências maiores com as políticas imperialistas dos Estados Unidos nas últimas décadas. Em resumo, todos são parte ou apoiadores da rede de neoconservadores que hegemoniza a política externa do EUA há cerca de 40 anos, cuja origem remonta à famigerada organização “Projeto para o Novo Século” (Project for the New American Century), fundada por Robert Kagan e William Kristol.

O perfil político de quase todos sugere que o poder do chamado MICIMAT (Military Industrial Complex, Intelligence, Media, Academy and Think Thanks) não será questionado. Uma possível exceção é Gabbard, que é tenente coronel da reserva da Guarda Nacional, veterana da guerra do Iraque, ex-deputada federal do Partido Democrata pelo Havaí, de onde saiu por ser contra as “guerras eternas” patrocinadas pelos EUA na Ásia Ocidental, contra a ideologia identitarista do Partido Democrata e a favor da diminuição dos gastos militares.

Quanto às políticas internas, os nomes de Scott Bessent para Ministro da Fazenda, Elon Musk e Vivek Ramaswami para o Ministério da Eficiência do Governo, Kristi Noemi para Ministra da Segurança, Kash Patel para Diretor da Polícia Federal (FBI), Howard Lutnick para Ministro do Comércio, e Robert Kennedy Jr. para o Ministério da Saúde e Serviços Humanos (sigla DHHS em inglês) são alguns dos principais nomeados. Como o gabinete é composto por dezenas de pastas e lideranças, decidi escolher algumas para esta primeira análise do governo Trump 2.0. Adiante continuaremos a trocar em miúdos o resto do time.

Três deles são bilionários (Musk, Rawaswami e Bessent), entre outros que ocuparão cargos no gabinete e no segundo escalão, sugerindo que outra vez o governo Trump estará fortemente influenciado pelos interesses da oligarquia financeira estadunidense. Do ponto de vista dos interesses das frações de classe que representam, trata-se de alianças entre líderes do capital financeiro, da indústria de seguros, do capital imobiliário (sigla FIRE em inglês), das chamadas big techs, da indústria bélica, da indústria do petróleo e gás e de setores industriais associados a esses interesses.

Seria simplificar uma análise mais acurada desses setores, do ponto de vista político, considerar que todos os líderes de cada setor estão no mesmo barco, isto é, que todos os líderes de setores oligárquicos mencionados acima apoiarão o governo Trump nos próximos anos. Muito pelo contrário, há divisões significativas entre eles e provavelmente haverá disputa acirrada pela hegemonia na condução das políticas internas, conforme ocorreu no governo Trump 1.0. O governo Trump 2.0 terá que negociar com algumas dessas frações e várias outras, como o setor automobilístico, para governar com mais estabilidade, o que não ocorreu no seu primeiro mandato. Por exemplo, o CEO da Apple já marcou uma visita à mansão de Trump na Flórida e provavelmente doará recursos para os bailes comemorativos da posse de Trump em Washington, embora não o tenha apoiado durante a campanha. Como Trump se diz o rei da negociação, sem dúvida muita água ainda vai correr debaixo da ponte até que as alianças se consolidem. Musk e Rawaswami são bilionários que defendem diminuir muito o tamanho do governo para reduzir o gasto público e eliminar normas e regulamentos em nome da eficiência da burocracia governamental; na prática a gestão destes neoliberais neofascistas significará a eliminação de alguns ministérios (como talvez o da Educação), a redução de milhares de funcionários públicos, a privatização da Seguridade Social, da gestão de políticas públicas, e terceirização de empresas ainda públicas como os Serviços Correios dos Estados Unidos.

As políticas que implementarão seguem em letra e verso o malfadado Projeto 2025, elaborado pela Fundação Heritage, cuja tradição anti-governo e pró oligopólios é antiga. Embora não seja objetivo desta coluna aprofundar o rol de propostas elaborado por esta organização não governamental, é fundamental que todos leiam o Projeto no site http://www.project2025.org. O presidente Trump se recusou até agora a confirmar que seu projeto de governo seguirá o tal Projeto, mas, para bom entendedor, meia palavra basta. Musk com certeza apertará o cinto do servidor público nas áreas sociais.

Scott Bessent é bilionário da Carolina do Sul, representante do capital financeiro. Apoiou os democratas no passado, foi Executivo de Fundo de George Soros, mas se tornou fã de Trump recentemente. Defende continuar a redução de impostos para o 1% da população, aprovada no governo Trump 1.0, e a imposição de tarifas para produtos importados da China. Provavelmente haverá oposição a estas tarifas por diversos setores industriais que dependem muito de produtos importados do México, Canadá, e China. Trump certamente terá que negociar o ritmo e intensidade das tarifas com empresários desses setores, como o automobilístico, o siderúrgico e companhias do Vale do Silício que importam chips e minerais raros. Neste terreno é de esperar chuvas e trovoadas na classe dominante porque grandes lucros estão em jogo e o impacto na economia será sentido pelos consumidores em todo o país, sem falar do efeito do provável aumento da inflação no bolso dos eleitores.

Robert F. Kennedy Jr. desistiu de sua campanha a presidente como Independente para apoiar Trump, quando negociou um futuro cargo no gabinete. Sua pretensão foi confirmada com a nomeação para a pasta da Saúde e Serviços Humanos, cujo orçamento em 2023 foi acima de 1 trilhão de dólares. Este ministério inclui programas de serviços de saúde para idosos acima de 65 anos (Medicare), pobres, crianças e indivíduos com HIV (Medicaid), a Administração de Drogas e Alimentos (FDA em inglês), o Centro de Controle e Prevenção de Doenças, e os Institutos Nacionais de Saúde. Em resumo, uma pasta essencial para a grande maioria do povo. Kennedy tem gerado muita polêmica por seu apoio ao negacionismo sobre vacinas e a teorias conspiratórias sobre a COVID-19. Se por um lado faz denúncias bem conhecidas sobre os sobrepreços cobrados para remédios e abusos cometidos pelos oligopólios farmacêuticos (Big Pharma), por outro mistura estas denúncias com notícias falsas e acusações sem provas contra cientistas e profissionais de saúde pública que defendem políticas corretas para prevenir e controlar epidemias causadas por vírus.

Pelas escolhas que Kennedy fez até agora para o seu segundo escalão, teremos retrocessos nas pesquisas biomédicas e mais poder para médicos e pesquisadores charlatães que propuseram a disseminação do Coronavirus sem as medidas adequadas para o combate à epidemia. Assim como no governo Bolsonaro, o Ministério da Saúde sob Kennedy vai trazer muitos danos ao “sistema” de saúde dos EUA, que anda mal das pernas há muito tempo. O recente assassinato do CEO da companhia de seguros United Health Care por um jovem da alta classe média teve enorme repercussão e revelou mais uma vez que o sistema privatizado e dominado por oligopólios e lucro acima de tudo é detestado pela maioria do povo estadunidense.

A experiência prévia com Trump deixou claro que não se pode escrever o que Trump promete, porque muda de opinião com bastante frequência e é imprevisível, embora muitos analistas da grande mídia afirmem que ele aprendeu a governar, que desta vez vai ser mais cuidadoso e deve conseguir avançar no seu programa de tornar a América Grande de Novo (MAGA). O quadro geral que se avizinha no governo Trump 2.0 acendeu a luz vermelha para todos os setores populares nos Estados Unidos e já se nota que com certeza haverá muita resistência e luta política contra as medidas anunciadas em detrimento da democracia, da classe trabalhadora e dos imigrantes, conforme ocorreu no governo Trump 1.0. A decadência do imperialismo dos EUA suscitará acirramento da luta de classes, cujos desdobramentos exigirão acompanhamento detalhado nos próximos meses e anos para avaliar as vitórias e derrotas dos setores progressistas em seu objetivo de paralisar o neofascismo e reverter a derrota obtida na eleição de 2024.

Eduardo Siqueiraprofessor na Universidade de Massachusetts, Boston, EUA. É pesquisador do Observatório Internacional da FMG.

Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial dFMG.