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    Internacional

    Tratado de Versalhes semeou surgimento do nazifascismo e 2ª Guerra Mundial

    No primeiro de uma série de artigos sobre os 80 anos do fim da 2ª Guerra Mundial, entenda como o acordo, assinado em 1919, beneficiou exclusivamente os países vencedores, ao preço de aprofundar divisões e gerar novas tensões no cenário internacional.

    O ano de 2025 marca os 80 anos do fim da 2ª Guerra Mundial e da derrota do nazifascismo, vencido principalmente pela União Soviética. Nos próximos meses, através dessa coluna, buscarei esclarecer os principais acontecimentos que propiciaram o surgimento do nazifascismo e que levaram à 2ª Guerra Mundial, assim como o seu desenlace.

    Essas questões têm grande importância nos dias de hoje, quando o imperialismo e os seus “escribas” buscam reescrever a história, apresentar o nazifascismo como uma mera “disfunção” do capitalismo, Hitler e Mussolini como “loucos” e os Estados Unidos – e não a URSS – como os grandes vencedores na 2ª Guerra Mundial.

    Este primeiro artigo examinará o Tratado de Versalhes quando, ao final da Grande Guerra, a França, a Grã-Bretanha e os Estados Unidos impuseram os termos da capitulação à Alemanha e a suas aliadas, e os demais países ou foram excluídos – como a URSS – ou foram tratados como meros figurantes.

    VERSALHES: PAZ DE SALTEADORES!

    Em 7 de novembro de 1917, a Revolução Russa foi vitoriosa e os “sovietes” assumiram o poder nos principais centros políticos e econômicos do país. De imediato, Moscou denunciou os tratados secretos e conclamou os povos de todo o mundo a lutar pela Paz e pelo fim da guerra imperialista.

    Ao negociar a Paz com a Alemanha, a Rússia foi obrigada a aceitar os termos leoninos do Tratado de Brest-Litovsk, firmado em março de 1918. Através dele, a Rússia renunciou à Livônia, Curlândia, Estônia, Lituânia e Ucrânia e aceitou uma Polônia que ocupava inúmeros territórios russos. Também cedeu à Turquia uma importante região no Cáucaso, que incluía Batoum, Kars e Ardahan. O tratado de Brest-Litovsk significou para a Rússia a perda de milhões de quilômetros quadrados e de mais de quarenta milhões de habitantes. Tão logo a Alemanha assinou um armistício com a Entente, a Rússia denunciou esse Tratado.

    Em março de 1918, a Entente iniciou uma intervenção armada contra a Rússia, com a participação de 14 países, que durou até outubro de 1922. Aproveitando-se dessa situação e desrespeitando o Tratado de Brest-Livotsk, a Alemanha derrubou, em maio de 1918, o governo soviético da Finlândia e ocupou a Estônia, Letônia, Lituânia, Bielorrússia, Ucrânia, Crimeia, Armênia e Georgia.

    A crescente oposição à guerra e apoio à proposta russa de Paz levou a que, entre setembro e novembro de 1918, eclodissem insurreições na Bulgária, no Império Austro- Húngaro e na Alemanha. O Kaiser Guilherme II foi forçado a abdicar e foi instaurada a República de Weimar na Alemanha, a qual firmou um armistício com a Entente, em 11 de novembro de 1918.

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    Em 18 de janeiro de 1919, foi aberta em Versalhes a Conferência dos “vencedores”, para ditar as condições da Paz no pós-guerra. Estavam representados 27 países que, de alguma forma, haviam participado da aliança contra a Alemanha, a Áustria-Hungria, a Turquia e a Bulgária. A Alemanha e as suas aliadas foram excluídas da Conferência, assim como a Rússia, que havia lutado na guerra ao lado da Entente. A Conferência não reconheceu o Poder Soviético e declarou o almirante Kolchak – chefe militar da contrarrevolução – o “Supremo Governador da Rússia”.

    Na prática, três países decidiram sobre o destino da futura Paz: Inglaterra, França e Estados Unidos. Após quase quatro meses de discussões, foram impostas condições tão duras à Alemanha que Lloyd George, representante da Grã-Bretanha, alertou que “precisamos de um governo alemão que assine. […] Se nossas condições forem muito severas, ele vai cair e, então, atenção ao bolchevismo!” E complementou: “Se formos prudentes, ofereceremos à Alemanha uma paz justa, que será […] preferível à alternativa do bolchevismo.” Mas prevaleceu a posição francesa que buscava esmagar a Alemanha, com quem disputava hegemonia no continente europeu. Quando a Alemanha reivindicou melhores condições, foi ameaçada de ocupação militar. Pressionada, a Assembleia Nacional da República de Weimar aprovou – por 237 votos a 138 – a assinatura do Tratado.

    O Tratado acabou sendo assinado em 28 de junho de 1919, em Versalhes. Além de grandes indenizações, a Alemanha teve de renunciar a todas as suas colônias – Tanganica, Camarões, Togo, Sudoeste Africano alemão, Carolinas, Marianas e a concessão de Kiao-Tcheou, na China –, entregues aos vencedores, ceder a Alsácia-Lorena à França, Eupen-Malmedy à Bélgica e o Schleswig Norte à Dinamarca. Também teve de reconhecer a independência da Polônia e lhe entregar a Prússia Ocidental, Poznam e parte da Alta Silésia, além de abrir mão de Memel, tomado pela Lituânia em 1923.

    Durante 15 anos, o Sarre passaria a ser administrado pela Sociedade das Nações, que cedeu a exploração do seu carvão à França. Dantzig foi transformada em “cidade livre”, administrada pela Sociedade das Nações. A margem direita do rio Reno foi dividida em três zonas de ocupação, a serem evacuadas em 5, 10 e 15 anos. A Alemanha perdeu o controle de seus rios navegáveis e foi obrigada a entregar todo seu material de guerra e quase toda sua esquadra, ficando proibida de ter encouraçados e submarinos. O seu exército foi limitado a 100 mil homens e proibido de ter Estado Maior, carros de combate, aviões militares, artilharia pesada e antiaérea. As suas fortificações ao leste foram desmanteladas.

    Negociações para o Tratado de Versalhes, 1919. Foto: Helen Johns/Domínio Público

    Negociações para o Tratado de Versalhes, 1919. Foto: Helen Johns/Domínio Público

    Em 10 de setembro de 1919, foi firmado o Tratado de Paz com a Áustria, em Saint Germain-en-Laye. O Império Áustro-Húngaro foi desmembrado, devendo a Áustria reconhecer a independência da Hungria. Pelo Tratado, a Áustria entregou a Boêmia e a Morávia à Tchecoslováquia e perdeu a Dalmácia e a Bósnia-Herzegovina que – junto com a Sérvia, Montenegro e outros territórios perdidos pela Hungria – formaram a Iugoslávia. Entregou o Sul do Tirol, Triestre, Istria, e uma parte da Dalmácia, Caríntia e Carniola, à Itália. Cedeu a Bucovina à Romênia. Por fim, forneceu os territórios da Galícia ocidental para formar o sul da Polônia do pós-guerra. Pelo mesmo tratado, a Áustria – reduzida a apenas 84 mil km2 e isolada do mar – foi proibida de se unir à Alemanha e teve o seu exército reduzido para 30 mil homens.

    Em 27 de novembro de 1919, foi firmado o Tratado de Paz com a Bulgária, em Neuilly, obrigando-a a entregar o sul da Drobudja à Romênia, a Macedônia ocidental à Iugoslávia e os seus territórios Trácios à Grécia, perdendo a sua costa no Mediterrâneo. O seu exército foi limitado a 20 mil homens.

    Em 4 de junho de 1920 – após tropas francesas, romenas e tchecas sufocarem o poder soviético na Hungria, –, foi firmado o Tratado de Trianon, que reduziu a Hungria a um terço do território que possuía em 1914 e a isolou do mar. Por esse tratado, a Hungria teve que ceder a Eslováquia e a Rutênia à Tchecoslováquia e entregar a Croácia, a Eslovênia e parte do Banato à Iugoslávia. Da mesma forma, perdeu a Transilvânia e outra parte do Banato para a Romênia e foi proibida de unir-se à Áustria. O seu exército foi reduzido a 35 mil homens.

    Em 10 de agosto de 1920, foi assinado com a Turquia o Tratado de Paz de Sèvres, nunca ratificado pelo Parlamento turco. A Turquia teve de ceder a Trácia Oriental, Esmirna e as Ilhas Egeias (exceto Rodes) à Grécia; Síria e Cilícia à França; Iraque, Palestina, Chipre e Egito à Inglaterra, que também recebeu o protetorado da Arábia. Rodes e o Dodecaneso foram entregues à Itália. Também lhe foram impostas a independência da Armênia e a autonomia do Curdistão. Os seus estreitos ficaram sob controle internacional e o seu exército foi limitado a 50 mil homens.

    Por meio desses tratados, a França consolidou a sua hegemonia no continente europeu e a Grã-Bretanha assegurou-se o papel dominante no Oriente Próximo e nas comunicações marítimas. Nos Estados Unidos – representado na Conferência por seu presidente Wilson – os tratados não foram aprovados pelo Congresso e Wilson foi derrotado em sua tentativa de reeleição.

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    Ao mesmo tempo em que buscava esmagar as potências centrais, o sistema de Versalhes teve uma orientação claramente antissoviética. A Conferência se tornou o “Estado-Maior” da intervenção armada da Entente contra a Rússia Soviética. Em uma das reuniões secretas da Conferência, o Primeiro Ministro Francês George Clemenceau afirmou: “o perigo bolchevique é muito grande e está muito próximo de nós […]. O bolchevismo está se alastrando. Ele invadiu as províncias bálticas e a Polônia […].Se o bolchevismo, depois de espalhar-se na Alemanha, conseguir atravessar a Áustria e a Hungria e atingir a Itália, a Europa teria de enfrentar um imenso perigo. Por tudo isso, alguma coisa precisa ser feita contra o bolchevismo!”

    Merece destaque, também, a aprovação em VerGuerrassalhes da realização de medidas protetivas aos trabalhadores – como a redução da jornada (tendo como meta as oito horas), o descanso semanal, salários “decentes”, proibição do trabalho infantil, salário igual para homens e mulheres, sistema de seguros, liberdade sindical, etc. –, com o objetivo declarado de contrapor-se à conquista desses direitos pelos trabalhadores russos, através da revolução. Mas, esses “direitos” não precisariam ser estendidos às colônias, onde os trabalhadores seguiriam sendo tratados como semiescravos…

    Não tendo conseguido derrubar o Poder Soviético através de sua intervenção militar, as potências ocidentais passaram a armar o tabuleiro para suas futuras jogadas. O primeiro passo foi formar um “cordão sanitário contra o comunismo”, através da recriação da Polônia, dos Estados Bálticos e da anexação da Bessarábia à Romênia. Em todos esses países, foram instalados governos reacionários e antissoviéticos. Em 1921, foi formada uma aliança entre a Polônia e a Romênia, contra a Rússia. Em 1922, foi constituída a “Entente do Báltico” – com a participação da Polônia, Estônia, Letônia e Finlândia –, também voltada contra a URSS. Como confessou Churchill, “a Rússia Soviética foi isolada da Europa ocidental mediante um cordão de estados violentamente anticomunistas, arrancados em parte do território russo”. 

    Não satisfeitas, as potências ocidentais convocaram a Conferência de Gênova, em abril de 1922, para a qual convidaram a Rússia e a Alemanha. O seu objetivo era lançar uma contra a outra – a Alemanha seria convidada a participar de uma expedição militar contra a Rússia, e esta seria encorajada a exigir reparações da Alemanha. Ao invés disso, porém, os representantes dos dois países reuniram-se previamente e de forma secreta em Rapallo, combinaram não agir uma contra a outra, restabeleceram relações diplomáticas e assinaram o Tratado de Rapallo que – através de uma cláusula secreta – permitia a instalação na URSS de fábricas alemãs, para a produção de armas proibidas no Tratado de Versalhes. Na prática, o Tratado de Rapallo impediu uma nova intervenção militar da Entente contra a Rússia.

    *Raul Carrion é historiador e militante do PCdoB há 55 anos. Atualmente, é membro da Comissão Política do PCdoB-RS, da Secretaria Nacional de Relações Internacionais e da Escola Nacional João Amazonas. Foi presidente da FMG-RS entre 2013 e 2023. 

    Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial da FMG.

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