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    Economia

    Emergência climática impacta modelo de desenvolvimento no futuro do planeta

    Em artigo de estreia, José Bertotti analisa como o modelo econômico capitalista contribuiu para a crise climática global, com o ano de 2024 sendo o mais quente da história, e explora soluções baseadas em desenvolvimento sustentável e inclusão social.

    Recentemente os jornais noticiaram a constatação feita pelo Serviço Copernicus para as Alterações Climáticas (C3S) que 2024 foi o ano mais quente da história no planeta e o primeiro em que a temperatura média global ultrapassou a marca de 1,5 grau Celsius (°C) acima dos níveis pré-industrialização (1850 e 1900). O gráfico abaixo indica a tendência de elevação da temperatura média da terra.

     

    Evolução do aumento da temperatura média global do ar (°C) acima dos níveis pré-industriais (1850–1900), com médias móveis de cinco anos desde 1850. Crédito: C3S/ECMWF.

    Evolução do aumento da temperatura média global do ar (°C) acima dos níveis pré-industriais (1850–1900), com médias móveis de cinco anos desde 1850. Crédito: C3S/ECMWF.

     

    A ciência identifica os gases de efeito estufa como os principais causadores do aquecimento global. Esses gases têm como principais fontes a queima de combustíveis fósseis para produção de energia e transporte e a destruição de ambientes naturais essenciais à manutenção da vida.  

    Os efeitos associados ao aquecimento global se multiplicam. Somente no Rio Grande Sul, em 2024, as enchentes causaram um prejuízo à economia de R$ 87 bilhões, segundo estudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento em parceria com a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL). Soma-se a isso a injeção de R$ 82,9 bilhões de novos recursos feita pelo Governo Federal para o conjunto de ações Brasil Unido Pelo Rio Grande. Além disso, o desastre afetou diretamente mais de 2 milhões de pessoas, causando 183 mortes. Trago o exemplo dramático do RS para materializar dados coletados pela Organização Meteorológica Mundial (OMM) entre 1970 e 2021, onde foram registrados 11.778 desastres climáticos e hídricos, que resultaram em 2 milhões de mortes e US$ 4,3 trilhões em perdas econômicas. No entanto, o dado mais significativo desse levantamento é que mais de 90% das mortes ocorreram em países em desenvolvimento, nos quais o Brasil ainda se encontra.

    Quero chamar a atenção para o modelo econômico capitalista que prevaleceu nesses 250 anos, nos quais identificamos a aceleração do aquecimento global. O marco inicial é a primeira Revolução Industrial (1760) e as Revoluções subsequentes (já estamos na quarta RI) que permitiram a produção em massa de bens e serviços, o que modificou totalmente a relação do homem com a natureza. Saímos da escassez, em que extrair e processar matérias primas era demorado e custoso, para um estado de extração e transformação das matérias primas facilitado pela tecnologia, mas incompatível com a capacidade de reposição pela natureza. A extração de matérias primas dirigida pela ambição de poucos e voracidade de remuneração do capital resulta no aumento da produção e fomenta o consumo artificial, insaciável, irresponsável e perverso, o que tem colocado a vida em risco. Artificial, pois é muito para além das necessidades humanas, supérfluo em grande medida, no que o fast fashion é um grande exemplo. Insaciável, pois a demanda só aumenta mesmo que já haja bens o suficiente para satisfazer as necessidades humanas, por exemplo, já temos capacidade para produzir alimento o suficiente para saciar a fome de todos, mas a má distribuição causa uma epidemia de obesidade em alguns países. Irresponsável, pois a acumulação desmedida de capital e a concentração de renda não são freadas, mas valorizadas numa distorção dos valores humanistas, no que os super ricos e donos das big techs são um grande exemplo. Perverso, porque fomenta guerras e conflitos cujo objetivo é satisfazer a indústria armamentista numa escalada de destruição descontrolada, no que algumas guerras civis são um exemplo. Com isso, bens essenciais à vida da maioria dos seres vivos, como a água potável, são cada vez mais caros e escassos.

    Decorrente do aumento da produção e do consumo, a voracidade por energia aumenta a cada dia. No entanto, se levarmos em conta as desigualdades em termos de uso de energia, veremos que ela reflete a concentração de renda nos países centrais do sistema capitalista, conhecidos como os maiores emissores de gases de efeito estufa.

    (1)Fonte: Index Mundi. https://www.indexmundi.com/g/r.aspx?t=0&v=81000&l=pt . (2)Fonte: World Bank Group. https://data.worldbank.org/indicator/NY.GDP.PCAP.CD . (3)Fonte: World Bank Group. https://data.worldbank.org/indicator/NY.GDP.MKTP.CD

     

    O sistema capitalista não só é agressivo ao meio ambiente, ele é essencialmente excludente e concentrador de renda. A questão da pobreza é um problema que acentua a crise climática porque esse sistema acaba empurrando populações mais carentes para o uso irregular da terra, em modelos que também são emissores de gases de efeito estufa.

    A luta por um novo modelo de desenvolvimento acaba sendo necessária e uma questão de sobrevivência. As evidências demonstram que esse modelo de produção centrado unicamente no lucro acumulado na mão de poucas pessoas em detrimento da vida é o causador da emergência climática e não consegue responder aos grandes problemas da humanidade, como a devastação do meio ambiente, a exclusão social, a pobreza, a miséria e a fome.

    Leia também:Aquecimento global: 2024 foi o ano mais quente já registrado na história

    O capitalismo demonstrou que a concentração de renda por parte de uma minoria está acima da vida da maioria das pessoas. A emergência climática é um alerta para a humanidade de que o capitalismo não consegue entregar um modelo de desenvolvimento diferente do que ele fez nesses últimos 250 anos.

    Nesse sentido, é fundamental o entendimento de um partido como o PCdoB colocar a emergência climática como uma das questões mais importantes a serem consideradas no novo projeto nacional de desenvolvimento para o Brasil, olhando para o desenvolvimento sustentável com base em três pilares: a preservação e recuperação do meio ambiente; a inclusão econômica e social e atividades econômicas dirigidas baseadas em soluções sustentáveis. 

    José Bertotti, é  professor e pesquisador em inovação do Instituto de Pesquisa em Petróleo e Energia, da UFPE e sócio-fundador do Instituto Toró, Clima, Tecnologia e Cultura. Foi secretário de estado em Pernambuco nas pastas de Meio Ambiente e Sustentabilidade; e de Ciência e Tecnologia. É membro da direção estadual do Partido Comunista do Brasil em Pernambuco e diretor de Temas Ecológicos e Ambientais da Fundação Maurício Grabois.

    Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial dFMG.