Trocando em Miúdos | Musk e Zuckerberg: os Novos “Barões Ladrões” – Cerca de 100 anos depois que os primeiros monopolistas dos EUA, conhecidos como “Barões Ladrões” (Cornelius Vanderbilt, Jay Gould, John D. Rockefeller, Andrew Carnegie e outros) barbarizaram o país no início do século XX, estamos presenciando os abusos de poder de dois (entre muitos outros como Jeff Bezos da Amazon ou vários outros nomeados para o gabinete Trump 2.0) dos mais famosos novos Barões Ladrões do século 21, Elon Musk e Mark Zuckerberg, oligarcas diretores executivos (Chief Executive Officers) das corporações Meta e Tesla. Foi a chamada Idade Dourada (gilded age, em inglês), onde monopólios de ferrovias, petróleo, e aço, sem quase nenhum controle do governo, superexploraram recursos naturais, a classe trabalhadora urbana e rural, setores da pequena e média burguesia indústrial, e pequenos e médios agricultores.
Os novos Barões Ladrões resolveram botar suas mangas de fora para abertamente mandar e desmandar na economia, na política e na cultura dos Estados Unidos. Musk apoiou Trump desde o início, doando 250 milhões de dólares, enquanto Zuckerberg é marinheiro recente, já que declarou apoio ao partido democrata anteriormente. Este parece ser um oportunista que estará sempre ao lado de quem governa.
Se havia alguma dúvida para os incautos do papel nefasto que exercem na conjuntura política do país, agora só não vê quem não quer. Como disse recentemente o senador Bernie Sanders, do estado de Vermont, em uma mensagem nas redes sociais, “…o termo oligarca é muito raramente usado para descrever o que está ocorrendo nos Estados Unidos, ou na verdade o que está ocorrendo ao redor do mundo. Mas adivinhe só: a oligarquia é um fenômeno global e está sediada aqui mesmo nos Estados Unidos.” Bernie foi candidato a presidente pelo partido democrata e teve enorme apoio popular nas eleições primárias de 2016, apesar do boicote da liderança neoliberal do partido democrata liderada pelos Clinton, Barack Obama e Joe Biden.
Leia também: Observatório Internacional analisa gabinete de Trump no próximo governo
A corporação Meta, de Zuckerberg, é dona das redes sociais Facebook, Whatsapp e Instagram. Já a Tesla, de Musk, é fabricante de carros elétricos. Produziu 459.445 carros no último quadrimestre de 2024. Fabrica também células fotovoltaicas e sistemas de armazenamento de energia. Musk é dono da rede X (ex-Twiter) e da Space X, empresa aeroespacial privada e da Starlink, as duas últimas consideradas hoje praticamente como “empresas militares” já que sobrevivem com encomendas bilionárias do Pentágono e das Forças Armadas. A Meta ocupa a sétima e a Tesla a oitava posição no mercado mundial de capitais, com valores de 1.554 e 1.267 trilhões de dólares em janeiro de 2025. Aqui cabe uma pergunta que não quer calar. Como estas duas corporações acumularam tanta riqueza? O que produzem para conseguir altos lucros e tamanha concentração de riqueza?
Big Techs: oligopólios e a bolha financeira
Segundo Ben Norton, que dirige o canal do Youtube intitulado “Geopolitical Economy Report” (Relatório de Economia Geopolítica), a Tesla e outras corporações das chamadas Big Techs não obtém lucros baseados na produção de mercadorias e nos fundamentos econômico-financeiros de empresas produtivas. São de fato oligopólios financeiros que recebem investimentos especulativos de investidores de muitos países atraídos pelo domínio do dólar na economia global. O valor das ações destas empresas não corresponde ao peso que têm na economia real dos Estados Unidos. Ao contrário, a relação preço/ganho (price/earnings em inglês) de suas ações está supervalorizada. Ambas espelham a hegemonia do capital financeiro fictício no centro nervoso do imperialismo, na nação que se auto-intitula indispensável no “Ocidente civilizado e desenvolvido.”
Em outras palavras, a Tesla não passa de uma empresa financeira que ganha bilhões na ciranda financeira, depende de contratos bilionários com o complexo militar-industrial, e também produz carros elétricos com mercado decrescente até nos EUA, enquanto a Meta é outra empresa financeira que também desenha software; porém ambas têm como maior finalidade aumentar o valor das suas ações na bolsa de Nova Yorque.
Norton afirma que as Big Techs são o centro da maior bolha especulativa do mercado de capitais da história dos Estados Unidos, que segue de vento em popa em 2024-2025 até estourar e tornar real a profunda crise financeira prevista para os próximos anos. Enquanto nos anos 20 do século passado se falava de oligarcas milionários, no século 21 se trata de oligarcas bilionários. Qualquer semelhança com a realidade da economia dos Estados Unidos na década de 20 do século 20 não é mera coincidência!
Então, se o fascismo é a implantação da ditadura dos setores mais reacionários do capital financeiro nas situações em que o capitalismo está em apuros, como afirmou Dimitrov, se o governo Trump tem 13 bilionários direta ou indiretamente associados a ele colocando a seu serviço os oligopólios financeiros e Big Techs, se torna simples entender o que ocorre atualmente nos Estados Unidos.
Casamento de conveniência com Trump
Trump tem sua agenda contra a China porque sabe que o gigante asiático já ultrapassou os EUA em várias áreas, inclusive no setor da chamada alta tecnologia. Esses oligarcas que ele atrai favorecerão sua “guerra” econômica e cultural para tentar impedir o avanço das empresas chinesas da chamada economia da informação ou do conhecimento. O banimento das atividades da TikTok nos Estados Unidos na próxima semana exemplifica bem a competição das Big Techs pela hegemonia nas redes sociais no Ocidente.
Porém, setores da extrema-direita apoiadores de Trump, que acreditam na sua proposta de Fazer a América Grande de Novo (Make America Great Again ou MAGA em inglês) ou América Primeiro (America First em inglês) estão ficando insatisfeitos com as declarações atuais do oligarca Musk. O conflito surgiu depois que o bilionário defendeu nas últimas semanas a importação de trabalhadores qualificados da área de tecnologia da informação, como engenheiros, programadores, analistas de sistemas, etc. através do visto H-1B.
A Tesla já contratou grande número de trabalhadores, particularmente da Índia, graças a este programa de imigração, que permite a estrangeiros imigrar para os EUA para trabalhar em empregos qualificados onde não existe mão de obra nativa em quantidade e qualidade suficientes. Na prática estes trabalhadores são explorados como mão de obra barata e sem estabilidade porque o visto é temporário e não garante permanência nos Estados Unidos. Ficam a mercê dos empregadores para mudarem o status imigratório para residentes permanentes depois de residirem vários anos no país.
Contradições internas: Nacionalismo vs. Globalismo
Vivek Ramaswamy, bilionário parceiro de Musk no recém-criado Ministério de Eficiencia Governamental (Department of Government Efficiency ou DOGE), escreveu na plataforma X que “a cultura americana tem venerado a mediocridade sobre a excelência,” o que leva “a nação a não produzir os melhores engenheiros.” Traduzindo em bom português, os dois atacaram abertamente a plataforma da América Primeiro, slogan dos trumpistas de primeira hora como Steve Bannon.
Vivek e Musk atacaram abertamente a plataforma da América Primeiro, e admitiram a decadência dos Estados Unidos, que já não consegue mais formar mão de obra qualificada. O demagogo Bannon reagiu sem papas na língua porque quer manter escondidos os reais objetivos de Trump, ou seja, a expansão da plutocracia e do império. Ele não gostou do que Musk e Vivek Ramaswamy andaram falando e prometeu que vai fazer tudo que for possível para derrubar Musk e derrotar o seu desprezo pelos trabalhadores estadunidenses.
Logo, trata-se já de uma primeira crise entre as facções globalistas, que estão pouco a pouco se aproximando de Trump, e os chamados chovinistas ou nacionalistas de grande potência, que compõem as hostes trumpistas e prometem demagogicamente trazer de volta os empregos perdidos pelos trabalhadores. Aliás, esta contradição entre globalistas neoliberais e neofascistas emerge como a maior fonte de conflitos e poderá enfraquecer o partido republicano nos próximos anos, porque expressa interesses conflitantes de frações da classe dominante. Estas facções disputam acirradamente a agenda do governo Trump.
Por outro lado, Musk e Zuckerberger resolveram liberar as suas redes sociais para os grupos fascistas alegando defenderem uma suposta liberdade de expressão. A Meta e a X retiraram qualquer tipo de controle sobre as inúmeras mentiras, notícias falsas, e absurdos disseminados pelas redes sociais que controlam. Como mentirosos de primeira hora que são, usam a real censura que existiu nas suas redes durante o governo Biden contra os que defendem a Palestina e se opõem ao sionismo e a guerra na Ucrânia para disseminar sua agenda imperialista, xenófoba, anti-Brics, e supostamente libertária.
Esta ideologia, conhecida como libertarismo nos EUA, tem muitos seguidores nas hostes trumpistas. Musk, por exemplo, diz ser um libertário que acredita na ideologia do livre mercado e da não interferência do Estado na vida dos cidadãos. Usa este argumento para combater Estados nacionais que regulamentam as redes sociais e engana muita gente com este discurso.
Posse de Trump: novas e velhas crises em 2025
Trocando em miúdos o quadro descrito acima, concluo com os pontos centrais abaixo:
- O governo Trump 2.0 é um saco de poucos gatos de correntes de extrema-direita e demais oportunistas de várias tendências com contradições e disputas internas, embora hegemonizada pelos interesses dos Barões Ladrões. Os desdobramentos da luta interna entre globalistas e chovinistas terão reflexos importantes nas políticas externa e interna do governo Trump 2.0 Nenhuma análise mecânica sobre o governo Trump dará conta da diferença entre o que ele tem dito antes de tomar posse e o que será capaz de fazer nos primeiros anos do mandato.
- Trump com certeza terá que mediar e conciliar com os interesses do chamado Estado Profundo e de frações das oligarquias nas políticas interna e externa dos Estados Unidos. Por exemplo, como reagirá a indústria automobilística, a construção civil, a indústria de alimentos, a agroindústria, e o setor de serviços, em relação às tarifas sobre importações do México, Canadá e China que Trump pretende aprovar em breve? Como reagirão os diversos setores da sociedade se o governo Trump 2.0 de fato deportar grande número de imigrantes indocumentados?
- A julgar pelo que ocorreu no governo Trump 1.0, teremos mares revoltos nos próximos anos. A unidade contra a China, Irã, e pró-sionismo une esta frente estreita e heterogênea, mas antes de mais nada há que reconhecer que a economia dos Estados Unidos está decadente e só se sustenta em um grande bolha especulativa que poderá explodir em um futuro próximo.
- Analistas geopolíticos como Michael Hudson, Richard Wolff, Pepe Escobar, Ben Norton, entre outros, baseados em dados sobre a economia política dos EUA tem advertido que a economia do país está à beira de profunda crise, semelhante a depressão dos anos 30 do século passado. Esta crise poderá levar a sociedade estadunidense a exigir reformas estruturais. Dada a grande polarização atual e a crescente insatisfação com o status-quo, sugerem que se o governo Trump 2.0 não der conta do recado dado pelas urnas, é provável que ocorram fortes protestos, greves, e mobilizações a nível nacional. Neste cenário, o país poderá viver uma guerra civil e confrontos violentos entre partidários do neofascismo e os que a ele se opõem.
- Embora não se possa prever o que vem por aí, já há sinais claros de que a colossal desigualdade entre os menos de 1% e os mais de 90% da população é terreno fértil para convulsões sociais. Quando o CEO da United Health Care, a maior empresa de seguros de saúde do país, é assassinado por um jovem de classe média alta, milhões de pessoas simpatizam com o que denunciou e a acusam como inimiga da saúde do povo, é melhor pôr as barbas de molho!!!
Eduardo Siqueira é professor na Universidade de Massachusetts, Boston, EUA e pesquisador do Observatório Internacional da FMG.
Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial da FMG.