Pelo que concerne à limitação da jornada de trabalho, tanto na Inglaterra como em todos os outros países, nunca foi ela regulamentada senão por intervenção legislativa. E sem a constante pressão dos operários agindo por fora, nunca essa intervenção se daria. (Karl Marx, Salário, preço e lucro. P 375 Obras escolhidas, Ed. Alfa Ômega)
O surgimento do proletariado ocorre ao mesmo tempo em que a burguesia se constitui como classe dominante. E logo que nasce, começa a sua luta contra o novo modelo de exploração baseado no trabalho assalariado, como assinala o Manifesto Comunista. Contudo, a luta do proletariado nascente ainda é marcada pela dispersão, pela destruição dos meios de produção, incêndio de fábricas, motins e rebeliões. Por vezes, quando agia como uma massa compacta, isto não era ainda resultado da sua própria união, mas da união da burguesia que, para atingir seus próprios fins políticos, é levada a pôr em movimento todo o proletariado, o que ainda podia fazer, provisoriamente. Durante esta fase, os proletários não combatem ainda seus próprios inimigos, mas os inimigos dos seus inimigos, isto é, o resto da monarquia absoluta...¹
A ascensão definitiva da burguesia como classe dominante e o desenvolvimento da indústria fizeram desenvolver o proletariado em qualidade e quantidade. A concentração territorial das fábricas, as péssimas condições de trabalho e de salários, provocaram a eclosão de uma infinidade de protestos nas empresas, que rapidamente evoluiam para lutas locais, regionais e nacionais. Marx vê neste processo de transformação da luta local em luta geral como a luta política de toda a classe operária contra a burguesia.
Durante o século XIX a luta pela redução da jornada de trabalho unificou o proletariado da Europa e depois dos Estados Unidos, neste último com mais força, inclusive. A redução da jornada se tornou uma reivindicação de caráter político, porque unificava todos os trabalhadores e também foi o móvel através do qual surgiram e se organizaram os Sindicatos. Para os marxistas, a redução da jornada de trabalho, além de ter o aspecto político, unidade de toda a classe, e aspecto organizativo, por possibilitar o surgimento dos Sindicatos de categorias, em substituição às associações por ofício que existiam, ela também tem um aspecto teórico e ideológico.
No livro O Capital, e também em outras obras, Marx parte da abordagem da jornada de trabalho para explicar as engrenagens do sistema capitalista, cuja fonte primária da acumulação de riqueza é a exploração do trabalho pelo capital. O salário pago ao trabalhador remunera apenas uma parte da jornada, chamada de jornada necessária ou tempo socialmente necessário, na qual o trabalhador produz o equivalente ao seu salário. A outra parte seria a jornada excedente, ou sobre trabalho, aquela em que, por força do contrato, o trabalhador aluga uma parte do seu dia, como afirma Marx no livro Salário, preço e lucro: “O que o operário vende não é diretamente o seu trabalho, mas a sua força de trabalho, cedendo temporariamente ao capitalista o direito de dispor dela”². O que é produzido nesta parte não remunerada da jornada é apropriado pelo patrão, sem que o trabalhador nada receba por isto. O resultado deste trabalho não pago seria a mais-valia absoluta. Quanto maior for a jornada, maior será o nível de exploração a que o trabalhador é submetido.
Embora Marx considere que a mais-valia relativa, produzida por mudanças na organização da produção, por incorporação de novas tecnologias etc seja a mais importante para o capitalista, para ele também a redução da jornada é necessária, não apenas para reduzir a apropriação do patrão, mas também para que o trabalhador possa aumentar seu tempo livre, para recompor suas forças e se dedicar a quaisquer atividades que lhes sejam importantes.
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Historicamente, a luta pela redução da jornada de trabalho tem caráter essencial na organização dos trabalhadores. Nos tempos atuais, ainda que tenhamos um contexto de complexidade incomparável no mundo do trabalho, com elevado grau de precarização, resultado das seguidas reformas regressivas, e que tenhamos uma correlação de forças extremamente desigual para os trabalhadores e democratas, com relativo enfraquecimento dos sindicatos, ainda assim a luta pela redução da jornada se impõe com a mesma intensidade dos golpes desferidos pelo sistema contra o trabalho.
Um sintoma claro, do ponto de vista de quem trabalha, que a questão está chegando ao limite é o atual debate sobre o fim da escala 6×1. O tema, até então restrito aos ambientes sindical e acadêmico, veio à tona com força e passou a ser discutido nos diversos programas noticiosos das emissoras de rádio, tevê, mídias sociais e até uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional) foi apresentada no Congresso Nacional. Embora o debate até então sobre a escala 6X1 tenha sido tratado pela mídia com superficialidade olímpica, e não é de se estranhar que seja assim, o assunto desperta vivo interesse de todos e ressente de uma abordagem em escala de massas, mais estruturada e de conteúdo, por parte do sindicalismo.
Todos os sinais indicam que este tema tem potencial para ocupar o centro do debate político no país. Debatê-lo à exaustão com os trabalhadores, principais interessados no desfecho desta luta e também com a sociedade, é estratégico, já que esta batalha é travada em vários espaços, principalmente nos espaços das mídias sociais e nos instrumentos de comunicação e, até porque, a história demonstra que conquistas desta natureza só foram possíveis até aqui com forte mobilização geral dos trabalhadores e seus aliados. Assim sendo, o debate sobre a redução da jornada de trabalho será palco para abrir um novo processo de discussão sobre desemprego tecnológico, sobre a necessidade de reversão da legislação anti-trabalhador, sobre a necessidade de impor limites efetivos à terceirização, recuperação do salário mínimo, equidade de gênero e raça no mercado de trabalho e plena liberdade sindical.
- Manifesto Comunista, Obras escolhidas, K. Marx e F. Engels, Ed Alfa-Omega, P 28
- Salário, preço e lucro, Parte VII, Força de trabalho.
Everaldo Augusto é professor e gestor público na Bahia. Foi vereador pelo PCdoB em Salvador (BA), presidiu o Sindicato dos Bancários da Bahia e integrou as direções nacionais da CUT e da CTB.
Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial da FMG.