Macarena Gelman: 'Nossa luta não termina aqui'
O GLOBO: Qual é sua expectativa em relação a esta nova lei aprovada no Uruguai?
MACARENA GELMAN: Espero que sirva para remover obstáculos que dificultavam o avanço de casos envolvendo delitos da ditadura.
O GLOBO: Juristas uruguaios afirmam que os militares ainda poderão recorrer à Suprema Corte…
MACARENA: Como em qualquer caso, de qualquer cidadão, o recurso na Suprema Corte é uma possibilidade.
O GLOBO: Mas esta lei poderá ter um impacto na prática, ou é apenas uma medida simbólica?
MACARENA: Isso dependerá da Justiça. Nossa expectativa é de que os obstáculos que hoje existem desapareçam. Também é importante lembrar que a Suprema Corte já declarou inconstitucional a Lei de Caducidade (a anistia aos militares uruguaios). A mesma coisa foi feita pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (da Organização de Estados Americanos).
O GLOBO: Restava pouco tempo para atuar, já que a partir do próximo dia 1º de novembro os crimes da ditadura iriam prescrever…
MACARENA: Essa era uma interpretação, uma opção que a Justiça poderia ter adotado. Mas existem outras interpretações que também poderiam ser válidas. O assunto é complexo.
O GLOBO: O reconhecimento de que os militares cometeram delitos de lesa-Humanidade era uma dívida pendente para muitos uruguaios?
MACARENA: Sim. Mas nossa luta não termina aqui, não está tudo resolvido.
O GLOBO: Esta nova lei poderia levar à abertura de novos processos?
MACARENA: Sim, claro, poderia levar algumas pessoas a procurarem os tribunais.
O GLOBO: Quantos militares estão atualmente presos no Uruguai por crimes da ditadura?
MACARENA: Em torno de 14 militares. Até agora a Justiça não podia avançar livremente.
O GLOBO: Em seu caso específico, quantos responsáveis foram detidos?
MACARENA: Oito pessoas, entre militares e policiais, estão presas, mas porque foram processadas em outros casos. O promotor encarregado de meu caso já deu o sinal verde, mas o juiz (Juan Pedro Salazar) ainda não anunciou sua decisão.
O GLOBO: Ou seja, outros militares e policiais envolvidos apenas no seu caso continuam livres?
MACARENA: Não sabemos, mas é uma possibilidade. A Lei de Caducidade pôs obstáculos no meu caso até 2008, quando finalmente a Justiça o reabriu. Depois disso, lamentavelmente, não avançamos com muita rapidez.
O GLOBO: A não aprovação desta nova lei teria prejudicado seu caso?
MACARENA: Poderia ter prejudicado, se os acusados tivessem defendido a prescrição dos delitos cometidos. Teria dependido da interpretação do juiz.
O GLOBO: Os restos de sua mãe ainda não foram encontrados…
MACARENA: Foram realizadas várias escavações, mas ainda não foram encontrados. Na última sexta-feira, encontraram um esqueleto inteiro no Batalhão 14, mas, de acordo com os médicos legistas, trata-se de um homem. Estão realizando várias buscas, e tenho esperanças (os restos do pai de Macarena foram achados em 1989 e estão enterrados na Argentina).
O GLOBO: Esta semana a Justiça argentina condenou 12 ex-militares da Esma à prisão perpétua…
MACARENA: Argentina é um exemplo para a região. O Uruguai poderá ter seu próprio caminho, mas acho fundamental aprender com a experiência argentina. Hoje moro um pouco em Montevidéu e outro pouco em Buenos Aires, onde trabalho na Secretaria de Direitos Humanos.
O GLOBO: Qual é sua opinião sobre o caminho escolhido pelo Brasil?
MACARENA: Estive semana passada num seminário em Brasília, na Câmara. Vejo intenções de avançar, mas os ritmos são diferentes. É fundamental o papel da sociedade e não somente dos governos e da Justiça. Mas vejo que as pessoas estão começando a falar no assunto, a mover-se e a ter vontade de começar a fazer algumas coisas. Também estive, aqui em Montevidéu, num encontro com a secretária de Direitos Humanos brasileira, Maria do Rosário. Participamos de uma reunião na qual todos os países do Mercosul decidiram criar uma comissão para investigar os crimes cometidos no âmbito da Operação Condor. Se as ditaduras se uniram para perseguir e matar, nós devemos nos unir para investigar, julgar e condenar.
O GLOBO: Sua vida mudou completamente depois de saber quem realmente você era?
MACARENA: Totalmente. Gostaria de fazer outras coisas, de retomar minha carreira de bioquímica, mas não tenho tempo nem cabeça. Quando não estou esperando notícias sobre os restos de minha mãe estou com novidades no processo, participando de encontros ou outras atividades na área de direitos humanos.
O GLOBO: Seu caso faz parte do processo na Argentina contra o ex-presidente Jorge Rafael Videla pela implementação de um plano sistemático de roubo de bebês.
MACARENA: Meu caso é Operação Condor pura. Até hoje não sei porque minha mãe foi levada para o Uruguai.
Fonte: Jornal O Globo