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    Sustentabilidade

    Transição energética e ética: o dilema do petróleo na Margem Equatorial

    Debate sobre a exploração de petróleo na Amazônia não pode se limitar à dicotomia entre desenvolvimento e ambientalismo. Confira análise

    POR: José Bertotti

    Janeiro se apresentou como um mês bastante agitado, e não foi somente porque, nesse mês, se comemora o início de novos ciclos anuais para dois calendários: 1º de janeiro para o calendário gregoriano e 29 de janeiro para o calendário chinês.

    Refiro-me ao dia 20 de janeiro, quando Donald Trump tomou posse ao lado da plutocracia estadunidense, representada pelos donos das maiores empresas de tecnologia do planeta. Nesse dia, ele anunciou com pompa e circunstância que os EUA retomarão de forma explícita sua obstinação de se tornarem os donos do mundo. 

    Qual não é a surpresa do mesmo planeta quando, dias depois, uma empresa de tecnologia Chinesa derrete 1 trilhão de dólares dessa mesma plutocracia com sua versão de Inteligência Artificial totalmente gratuita e de código aberto.

    Trago esse exemplo porque no Brasil existe um ditado que diz:  “nem tudo que reluz é ouro” e acrescento que bravatas podem causar perplexidade, mas precisamos prestar atenção aos fatos e como eles se materializam para que possamos tomar as melhores decisões sobre nosso futuro e para o futuro do planeta.

    No mesmo dia 20 de janeiro, o mesmo Donald Trump estimula o “dril, baby, drill”. Que quer dizer: perfure petróleo e ganhe dinheiro. E mais, anuncia cortes nos investimentos em energia limpa e retira os EUA do Acordo de Paris, ignorando os efeitos da emergência climática que assola o planeta.

    De fato, a segurança energética é fundamental para qualquer nação, mas a que custo? Cada país construiu sua trajetória de desenvolvimento e, sob a égide do capitalismo nesses últimos 300 anos, chegamos a níveis alarmantes de concentração de renda, sem falar na instabilidade geopolítica que coloca vários países em estado permanente de guerra.

    Leia também: Emergência climática impacta modelo de desenvolvimento no futuro do planeta

    Para fincar os pés na realidade brasileira, que não está imune aos fatos acima citados, quero tratar do dilema da exploração de petróleo na margem equatorial do rio Amazonas que é posto como um conflito entre desenvolvimentismo e ambientalismo. Por outro lado, na minha opinião, não pode ser resolvido somente por meio de soluções econômicas e de engenharia. 

    Recentemente, escrevi em conjunto com a pesquisadora Nathalie de La Cadena um artigo que adota o sistema ético de Max Scheler, baseado na hierarquia de valores, para orientar a tomada de decisão neste dilema. Ao aplicar essa metodologia, propomos uma estratégia de transição energética equilibrada que integre o desenvolvimento econômico com a sustentabilidade ambiental. Nela, propomos que as receitas de petróleo e gás financiem projetos de energia renovável sob regulamentação governamental rigorosa, com um prazo definido para eliminar gradualmente a dependência de combustíveis fósseis até 2050 conforme compromisso assumido pelo Brasil perante a comunidade internacional.

    A exploração de combustíveis fósseis em áreas ecologicamente sensíveis levanta preocupações éticas significativas. Embora o crescimento econômico e a segurança energética sejam essenciais, eles devem ser ponderados em relação à preservação ambiental e à sustentabilidade de longo prazo. As análises tradicionais de custo-benefício não conseguem abordar os conflitos de valor mais profundos inerentes a esse dilema. O sistema ético de Scheler fornece uma abordagem estruturada para resolver tais conflitos priorizando valores de forma hierárquica. Nosso artigo explora como sua teoria de valores pode informar uma estratégia pragmática, mas eticamente sólida, para a transição energética.

    Max Scheler categoriza valores em uma hierarquia de quatro níveis:

    1. Valor da pessoa – O valor mais alto, enfatizando a dignidade humana de todos os envolvidos direta e indiretamente, da geração atual e das futuras.
    2. Valores espirituais – Bem comum, Justiça social, Responsabilidade individual e coletiva, atual e futura.
    3. Valores vitais – Desenvolvimento econômico e segurança energética nacional.
    4. Valores sensoriais – Ganhos financeiros de curto prazo e benefícios econômicos imediatos.

    Ao aplicar esta estrutura, argumentamos que priorizar o valor-pessoa e os valores espirituais ao invés de incentivos econômicos leva a uma abordagem mais equilibrada e responsável da política energética. Com base na hierarquia de Scheler, propomos um modelo de transição que combina o desenvolvimento econômico e a sustentabilidade ambiental através de quatro eixos:

    1. Financiamento da transição: as receitas de petróleo e gás devem ser alocadas para investimentos em infraestrutura de energia renovável, garantindo uma mudança gradual para fontes de energia limpa.
    2. Prazos definidos: uma eliminação gradual estruturada de combustíveis fósseis, alinhada a compromissos internacionais para atingir emissões líquidas zero até 2050.
    3. Regulamentação e supervisão governamental: implementação de regulamentações ambientais rigorosas, avaliações contínuas de impacto e transparência pública.
    4. Inclusão da comunidade: envolvimento de comunidades indígenas e locais na tomada de decisão para garantir práticas de desenvolvimento justas e equitativas.

    Dessa forma a transição energética deve conciliar o crescimento econômico com a responsabilidade ambiental. A aplicação do sistema ético de Scheler permite uma abordagem dinâmica e baseada em ações que priorizam a dignidade humana, a sustentabilidade e a prosperidade a longo prazo. Por meio da exploração regulamentada de reservas de petróleo existentes com um plano de transição claro, é possível financiar e acelerar a mudança para energia renovável, mantendo os compromissos éticos. Uma política energética bem estruturada e eticamente orientada pode garantir um desenvolvimento que respeite o meio ambiente ou  garanta as gerações futuras.

    Para ler o artigo completo publicado pela Universidade Federal de Juiz de Fora, clique aqui

    José Bertotti, é  professor e pesquisador em inovação do Instituto de Pesquisa em Petróleo e Energia, da UFPE e sócio-fundador do Instituto Toró, Clima, Tecnologia e Cultura. Foi secretário de estado em Pernambuco nas pastas de Meio Ambiente e Sustentabilidade; e de Ciência e Tecnologia. É membro da direção estadual do Partido Comunista do Brasil em Pernambuco e diretor de Temas Ecológicos e Ambientais da Fundação Maurício Grabois.

    Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial dFMG.

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