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    EUA

    Fascismo contemporâneo cultua ignorância para se perpetuar

    Figuras como Donald Trump, as redes sociais e as grandes corporações impulsionam o controle das massas e o ataque ao pensamento crítico. Com referências a Umberto Eco, Isaac Asimov e Aldous Huxley, o artigo analisa como o avanço do irracionalismo ameaça a democracia e a civilização.

    POR: Durval de Noronha Goyos Junior

    Imagem de John Iglar/Pixabay

    O facismo eterno e o culto da ignorânciaDonald Trump tomou posse como presidente dos Estados Unidos da América (EUA), há 15 dias, em 20 de janeiro. A triste figura é mais um produto do fascismo eterno, segundo o termo do professor e escritor Umberto Eco, aplicável a um totalitarismo opaco e multiforme, tradicionalista, nacionalista e imperialista. A doutrina é ainda elitista, desumana e inclemente. O termo diz respeito a regimes opressores diversos, com as principais características básicas comuns entre eles. Contudo, a formatação atual difere daquelas dos séculos 19 e 20, pelo desmedido poderio militar atômico, econômico e financeiro do mencionado Estado hegemônico. No presente, existe uma subordinação muito maior dos aliados no processo de opressão e exploração, que os tornam, na realidade, meros clientes dos EUA, agrupados formalmente em diversos organismos, como a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Nato).

    Uma característica comum a todos estes regimes fascistas é o culto à ignorância. Segundo o professor estadunidense, Isac Asimov, escrevendo em 1980, a tradição do Anti-intelectualismo é uma tendência constante na vida política e cultural, alimentada pela falácia de que a minha ignorância vale tanto quanto ao seu conhecimento. Este sentimento ganhou força na medida do avanço do financismo e do rentismo nas relações econômicas, passando a integrar a doutrina neoliberal, eufemismo para a exploração e opressão institucional dos povos. Num certo sentido, o Anti-intelectualismo se agregou ao consumerismo obcecado, atitude patológica induzida por agentes econômicos e políticos e apresentada pelos publicitários como estilo de vida, existente desde o início do século 20. 

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    A República Popular da China (China), sempre atenta às incursões de desestabilização movidas pelos Estados imperialistas, logo reagiu à poluição espiritual que acompanhou a modernização (concebida por Zhou Enlai em 1964), liberalização e abertura (implementada por Deng Xiaoping a partir de 1977) da sua economia. Esta primeira oposição tomou lugar até o início da década de 1980. As influências espúrias introduzidas do exterior tiveram um caráter individualista e anti-humanista. Os seus vetores foram introduzidos pelos Estados imperialistas com o objetivo de causar a desestabilização do regime chinês, de maneira semelhante ao ocorrido durante as chamadas Guerras do Ópio. 

    As referidas interferências promoveram a alienação de setores da população chinesa, foram julgadas obscenas pelas autoridades nacionais, e se fizeram sentir com a implantação das reformas econômicas e institucionais domésticas, que culminaram com a acessão do país à Organização Mundial do Comércio (OMC) em dezembro de 2001. Os governos chineses acertadamente julgaram os meios atentatórios à implementação do centralismo democrático sedimentado na constituição do país. 

    Os resultados de muitas de tais intercessões estrangeiras espúrias permaneceram mesmo após as modernizações, mas o controle legal, judiciário e tecnológico das diversas mídias sociais foi implementado pelo governo nacional da China, com resultados altamente positivos para o povo chinês. Sem tal controle, o extraordinário progresso econômico, social, político, tecnológico e militar do país nas últimas 4 décadas não teria sido possível. Tampouco teriam sido factíveis as várias iniciativas da China em favor da cooperação multinacional e do Direito internacional.

    Alhures, a exaltação e mesmo a deificação da ignorância, contudo, aumentaram de maneira alarmante no passar dos anos. Elas ganharam força e se expandiram por conta dos meios informáticos, através da chamada mídia social, por agentes degenerados, desvairados, ensandecidos ou meramente aventureiros. Por outro lado, observou-se que a vilificação do conhecimento e negação ou falsificação da verdade também cresceram e se propagaram de maneira exponencial. A palavra intelectual passou a ser um insulto. Umberto Eco denominou tal fenômeno de “a invasão dos imbecis”.

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    O culto do irracionalismo, muitas vezes mascarado por uma especiosa fé religiosa, tem prosperado com a frustração da cidadania, alimentada pelos sofismas divulgados pelo mesmo meio supra referido. Hoje, um influenciador da Internet, na melhor das hipóteses um indivíduo medíocre, é mais admirado do que um professor, um escritor, um músico ou um artista. A mediocridade, a imbecilidade, a cretinice, a fraude, os embustes, as mentiras, as falsidades e a ignorância tornaram-se motivos de admiração pelas massas ignaras. O mérito de um indivíduo é estabelecido pelo número de seus sofríveis, vulgares e triviais seguidores na mídia social.

    Nem sempre foi assim. No passado, a ignorância teve uma péssima reputação. Os seus sinônimos, como analfabetismo, inconsciência, imperícia, incompetência etc., tiveram consistentemente uma conotação negativa. Por sua vez, os seus antônimos refletiam qualidades então admiradas, como o saber, a cultura, a ciência, a capacidade, a competência e a cortesia. Confúcio, aquele sábio extraordinário, ensinou que “o verdadeiro saber está em conhecer a própria ignorância”. Sócrates, por sua vez, valorizou a busca do conhecimento perante o Oráculo de Delfos, na Grécia: “eu sei que nada sei”.

    Apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro em manifestação na orla de Copacabana, 21/04/2024. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

    Hoje, o culto da ignorância visa controlar os largos contingentes de imbecis, de maneira a se obter o domínio das instituições políticas, com o propósito de manter vivo o fascismo eterno. Para tanto, é fundamental o controle das mídias sociais e que a educação do povo seja eliminada, em favor do adestramento para tarefas meramente básicas, sem a formação crítica e do livre pensamento. Os atuais aliados naturais do totalitarismo são as grandes empresas prestadoras de serviços na Internet, que se somam aos aliados tradicionais do fascismo, como os bancos, os latifúndios e as grandes empresas monopolísticas. Uns ganham poder político e, outros, poderio econômico e financeiro.

    Com controle do poder, o fascismo eterno compra, degrada e perverte instituições que já foram instrumentos do saber, como as da educação, da saúde e da imprensa, que se tornaram prostituídas. Amalucados, cretinos, imbecis e aparvalhados ganharam espaço nos noticiários. Jornalistas, escritores e advogados passaram a se vender por um prato de lentilhas ou um cacho de bananas, caindo voluntariamente na vala comum da insciência. A cultura e o saber ficaram indefesos em nosso amargo presente. 

    A deterioração civilizatória é tal que suplantou a ficção literária. De fato, O Admirável Mundo Novo, obra prima do escritor humanista inglês, Aldous Huxley, publicada inicialmente em 1932, trata do controle social e político através do condicionamento e da manipulação psicológica das massas, levados a efeito através de meios tecnológicos, ocorridos no ano 2540. A velocidade de tal processo de controle tem sido tal que a dramática situação presente se antecipou aos horrores ficcionais em nada menos do que 5 séculos.

    O efeito devastador do descalabro observado na Internet é defendido tanto pelas grandes empresas de tecnologia, como por diversos setores capitalistas nas áreas bancária e financeira, da mesma forma que por agentes políticos domésticos e externos. Estes interesses corruptos, viciados e perniciosos utilizam-se dos argumentos de constituir a liberdade da Internet uma manifestação necessária da democracia e de que os seus agentes estão acima da lei doméstica. O pobre ignorante é apenas um desditoso peão no tabuleiro do jogo da opressão. Ele é somente uma vítima do sistema. As inimigas da civilização são a ganância e a ignorância.

     Tristes tempos estes que fazem o fascismo vitorioso!

    Durval de Noronha Goyos Junior é jurista, professor, escritor e historiador. Membro da Academia de Letras de Portugal e ex-presidente da União Brasileira de Escritores (UBE) é conselheiro da Fundação Maurício Grabois.

    Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial da FMG.

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