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    Socialismo

    Entenda como a Rússia Soviética derrotou intervenção estrangeira e recuperou a Ucrânia

    Após 1917, potências imperialistas não hesitaram em violar acordos e apoiar exércitos contrarrevolucionários para tentar destruir a primeira revolução proletária vitoriosa. Descubra como a Revolução Russa resistiu à intervenção estrangeira e consolidou o poder soviético

    POR: Raul Carrion

    Lenin discursa em Moscou, em 5 de maio de 1920, na Praça Sverdlov, para mobilizar o Exército Vermelho na luta contra a Polônia, que, apoiada por potências ocidentais, invadiu a Ucrânia e a Bielorrússia em sua ofensiva contra a Rússia Soviética.
    Lenin discursa em Moscou, em 5 de maio de 1920, na Praça Sverdlov, para mobilizar o Exército Vermelho na luta contra a Polônia, que, apoiada por potências ocidentais, invadiu a Ucrânia e a Bielorrússia em sua ofensiva contra a Rússia Soviética. Grigory Petrovich Goldstein/Domínio Público

    Estavam os aliados em guerra com a Rússia? Não, por certo; mas eles matavam os russos soviéticos. Acampavam como invasores no solo russo. Armavam os inimigos dos sovietes. Bloqueavam os portos e afundavam os seus barcos de guerra. Eles desejavam sinceramente e projetavam a sua queda. Mas, guerra? Isso não! Interferência? Seria vergonhoso! Para eles era indiferente, repetiam, o modo por que os russos conduzissem os seus próprios negócios. Eram imparciais – e acabou-se!” (Winston Churchill, A Crise Mundial: as consequências, 1922)

    Tão logo os bolcheviques conquistaram o poder, a Rússia Soviética passou a sofrer o ataque dos dois bandos imperialistas em pugna, que se aliaram a distintos grupos contrarrevolucionários, com o objetivo de “matar no nascedouro” a primeira revolução proletária vitoriosa.

    Entente e Impérios Centrais dividem a Rússia

    Diante da negativa da Entente a discutir a proposta de um acordo de paz entre todos os beligerantes, a Rússia iniciou tratativas de paz com a Alemanha, estabelecendo um armistício em 5 de dezembro. Frente às exigências escorchantes da Alemanha para assinar a paz e devido à falta de unidade entre os bolcheviques para firmá-la nessas condições, os negociadores russos prolongaram o máximo possível as tratativas, na expectativa da eclosão da revolução na Alemanha, o que não aconteceu.

    Em 9 de fevereiro, de forma ardilosa, a Alemanha assinou a paz com a Rada ucraniana (parlamento) – que havia sido destituída –, prometendo-lhe a independência da Ucrânia em troca da entrega de grandes quantidades de trigo. Em protesto, os plenipotenciários russos suspenderam as negociações. De imediato, a Alemanha iniciou a sua ofensiva contra a Rússia, avançando praticamente sem resistência devido à desmobilização dos exércitos russos.

    Sem alternativas, o Poder Soviético se viu obrigado a assinar, em 3 de março, a paz de Brest-Litovsk, em condições ainda mais duras que as iniciais. Teve de aceitar uma Polônia (que fazia parte do antigo Império Russo) com fronteiras que iam muito além dos seus limites étnicos, abrir mão da Livônia, Curlândia Lituânia, Letônia, Estônia e parte da Bielorrússia; ceder à Turquia uma importante região no Cáucaso, que incluía Batoum, Kars e Ardahan. Além disso, obrigou-se reconhecer uma Ucrânia independente, desmobilizar o exército e a armada, e pagar à Alemanha seis bilhões de marcos-ouro. O tratado de Brest-Litovsk significou para a Rússia a perda de milhões de quilômetros quadrados e de mais de quarenta milhões de habitantes.

    Desrespeitando o tratado de Brest-Litovsk, poucos dias depois a Alemanha invadiu a Ucrânia e o sul da Rússia, e ocupou Kiev, Nicolaev, Kharkov, Odessa e a Crimeia. Após destituir o governo de Kiev, colocou como governante o seu títere o atamã Skoropadski.

    Guerra aos inimigos internos e externos da Revolução

    Apesar de continuar em guerra com os Impérios Centrais, a Entente iniciou uma intervenção militar na Rússia, com o objetivo de apoiar a restauração de czarismo e afogar em sangue o poder soviético. Nessa intervenção participaram tropas da Grã-Bretanha (Inglaterra, Canadá, Austrália, Índia), França, EUA, Japão, Tchecoslováquia, Polônia, Finlândia, Romênia, Itália, Grécia, Sérvia, entre outros países.

    Os Impérios Centrais – Alemanha, Austro-Hungria e Turquia – também intervieram na Rússia Soviética, enviando tropas e apoiando os exércitos contrarrevolucionários, até o momento de sua capitulação.

    Assim, já em março de 1918, a Grã-Bretanha, França e EUA desembarcaram tropas em Murmansk, no norte da Rússia, junto ao Mar Branco. Após liquidarem o governo soviético existente, instalaram um governo fantoche.

    E abril, 12.500 soldados, comandados pelo general alemão Von Der Goltsz, invadiram a Finlândia – cuja independência havia sido reconhecida pela Rússia, em dezembro de 1917 – e esmagaram os sovietes, impondo um governo contrarrevolucionário

    Ainda em abril, cerca de 50 mil japoneses ocuparam Vladivostok, no Pacífico. Ato contínuo, desembarcaram tropas inglesas e, em fins de junho, tropas estadunidenses. Dessa forma, o principal porto russo no Pacífico foi tomado, dando início à ocupação estrangeira da Sibéria.

    Em maio, o Corpo Tchecoslovaco, com 40 mil homens – formado em território russo durante o período czarista e que se dirigia a Vladivostok para ser embarcado para a Frente Ocidental –, foi sublevado pelos ingleses, contra o Poder Soviético, e passou a ocupar vastas áreas da Sibéria e dos Urais, onde passou a atuar em aliança com contrarrevolucionários russos.

    Em julho, os tchecoslovacos atacaram Ekaterinburgo – onde estava detida a família imperial –, com o objetivo de libertá-la para unir em torno dela todas as forças contrarrevolucionárias da Rússia. Após tenaz resistência, Ekaterinburgo foi tomada em 25 de julho, mas nove dias antes a família imperial foi executada (por ordem do Soviete da região dos Urais), para frustrar os planos da contrarrevolução.

    Entre junho e julho de 1918, violando abertamente o tratado de Brest-Litovski, o exército alemão ocupou a Estônia, Letônia e Lituânia, ao norte, e a Bielorrússia e a Ucrânia, ao sul. Em seguida, invadiu a Crimeia, forçando o Poder Soviético a afundar a Frota do Mar Negro, para impedir que caísse em suas mãos. O exército alemão atacou, então, o Don e entregou grande quantidade de armas – canhões, metralhadoras, obuses, fuzis, 12 milhões de cartuchos e aeroplanos – às tropas contrarrevolucionárias do Don, comandadas pelo General Krasnov.

    No início de agosto, navios de guerra ingleses e franceses, com apoio terrestre, desembarcam tropas em Arkangelsk, junto ao Mar Branco, no norte da Rússia. Essas tropas incluíam 4 ou 5 batalhões ingleses, 1 batalhão francês, 4 ou 5 batalhões estadunidenses, além de tropas italianas e polonesas. O governo soviético foi derrubado e no seu lugar foi instalado um governo títere. 

    Em 4 de agosto, tropas anglo-canadenses ocuparam Bacu – importante centro petrolífero da Rússia Soviética –, onde permaneceram até 15 de setembro, quando foram desalojadas pelos turcos. Estes, ali ficaram até o fim de outubro, quando a Turquia capitulou à Entente.

    Na Transcaucásia, tropas alemãs e turcas ocuparam a Geórgia e a Armênia.

    Nesse momento de grandes dificuldades, os “socialistas revolucionários” realizaram um atentado contra Lenin, que foi ferido por duas balas envenenadas. Lenin sobreviveu, mas a partir daí a sua saúde ficou abalada, levando à sua morte precoce em 1924.

    Em outubro de 1918, os contrarrevolucionários da região do Báltico, liderados pelo general Nicolai Yudenich, acertaram com a Alemanha a criação do “Exército Russo de Voluntários do Norte”. Pelos entendimentos, “os fundos necessários à manutenção do exército serão fornecidos pelo governo alemão a título de empréstimo ao governo russo. O governo alemão fornecerá o armamento, as munições, os equipamentos de defesa, o abastecimento e os recursos técnicos”.

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    No Sul, o general Anton Denikin comandava o chamado “Exército Voluntário”, armado e abastecido pela França e pela Entente.

    A oeste, estavam posicionados de forma ameaçadora os exércitos poloneses, reorganizados e armados pela França.

    Ao Leste, em outubro de 1918, o almirante czarista Alexandre Kolchak desembarcou em Omsk, na Sibéria e, após derrubar o governo local, proclamou-se “Regente Supremo da Rússia”, para “varrer o bolchevismo da Rússia, exterminá-lo e destruí-lo”. Para conquistar o apoio das potências estrangeiras, reconheceu a dívida externa russa de 12 bilhões de rublos-ouro e se comprometeu a pagá-la. Com o total apoio da Entente e ajuda de especialistas militares ingleses, formou um poderoso exército que, junto com outras tropas contrarrevolucionárias, ocupou a Sibéria e os Urais.

    Em fins de 1918 o Poder Soviético controlava apenas a quarta parte do antigo Império Russo e havia perdido importantes áreas industriais, regiões produtoras de alimentos e fontes de matérias-primas essenciais. Moscou e Petrogrado sofriam a fome e o permanente assédio de forças contrarrevolucionárias, apoiadas por tropas da Entente e dos Impérios Centrais.

    Segundo Denikim, “o bloqueio estratégico à Rússia soviética estava feito […]. Cerca de meio milhão de inimigos […] cercava a Rússia soviética por todos os lados, os cinco mares e os dois oceanos eram controlados pelas frotas da Entente e as tropas de desembarque aliadas estavam instaladas nos portos do Mar Branco e do Mar Negro.”

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    Recuperação da Ucrânia e fim da guerra civil

    É nesse contexto que em 9 de novembro de 1918 os marinheiros alemães de Kiel se amotinaram, mataram os seus oficiais e hastearam bandeiras vermelhas. Logo, surgiram conselhos de soldados e operários e multiplicaram-se os sovietes em Berlim, Hamburgo e na Baviera. Em 9 de novembro, foi proclamada a República em Berlim e Guilherme II fugiu para a Holanda. Assumiu o poder um governo social-democrata que, em 11 de novembro, solicitou à Entente um armistício e depôs as armas.

    Dois dias depois, a Rússia denunciou o Tratado de Brest-Litovski e iniciou uma ofensiva para libertar os territórios ocupados. Atacadas pelo Exército Vermelho, as tropas alemãs e contrarrevolucionárias foram expulsas da Ucrânia, Bielorrússia, Estônia, Lituânia e Letônia, onde voltaram a formar-se governos soviéticos.

    Mas, o fim da guerra – apesar de eliminar a pressão alemã e permitir a libertação de importantes regiões – não significou o fim da luta, pois a Entente ficou de mãos livres para reforçar a sua intervenção na Rússia. No seu diário, o general Wilson do Estado-Maior britânico anotou, na antevéspera da assinatura do armistício com a Alemanha: “Para nós, o perigo real não são os alemães, mas o bolchevismo”.

    Em meados de novembro, forças navais anglo-francesas entraram no Mar Negro e desembarcaram tropas francesas e gregas em Odessa, ocupando Sebastopol, Baku (abandonada pelos turcos após o armistício), Tbilisi e Batumi. Em pouco tempo, a Entente totalizava 130 mil soldados no sul da Rússia e impôs um “protetorado” à Ucrânia.

    Novas tropas da Entente também foram enviadas para o norte da Rússia. No começo de 1919, as forças britânicas em Arkangelsk e Murmansk já totalizavam 18.400 homens, às quais se somavam 5.100 estadunidenses, 1.800 franceses, 1.200 italianos, 1.000 sérvios e em torno de 20 mil contrarrevolucionários russos.

    Da mesma forma, a Entente reforçou as suas tropas em Vladivostok e em toda a Sibéria. No outono de 1918, já havia mais de 7 mil soldados ingleses no norte da Sibéria e outros 7 mil oficiais ingleses e franceses ajudando Kolchak a treinar e equipar o seu exército de mais de 100 mil homens. Somavam-se a eles 8 mil estadunidenses, 1500 italianos e 70 mil japoneses.

    Em 24 de dezembro de 1918, o exército de Kolchak tomou Perm, aproximando-se perigosamente de Moscou.

    Em 18 de janeiro de 1919, foi aberta a Conferência de Paz de Versalhes, que teve entre os seus assuntos prioritários – ainda que tratado de forma reservada – a intervenção estrangeira na Rússia e a eliminação do Poder Soviético.

    Leia também: Tratado de Versalhes semeou surgimento do nazifascismo e 2ª Guerra Mundial

    Herbert Hoover, futuro presidente dos EUA declarou – “O Bolchevismo é pior do que a guerra!” O general Hoffmann – ex-comandante do exército alemão na fronteira oriental – propôs à Entente o uso das tropas alemãs para atacar a Rússia, para liquidar o bolchevismo na sua origem. O Marechal Foch, comandante-em-chefe da Entente, propôs em uma reunião fechada da Conferência: “As tropas polonesas poderiam enfrentar os russos, uma vez que fossem fortalecidas como suprimento de material e maquinaria moderna de guerra. Seria preciso um grande número de homens, que se poderiam obter com a mobilização dos finlandeses, poloneses, tchecos, romenos e gregos, assim como elementos russos pró-aliados […]. Se se fizer isso, 1919 ainda verá o fim do bolchevismo!

    Coincidência ou não, em fevereiro de 1919, os exércitos polacos – sob a direção de oficiais franceses – invadiram a Bielorrússia e tomaram Brest. Em seguida, atacaram a Ucrânia e ocuparam Kiev. Em 4 de março, os exércitos de Kolchak, no Leste, iniciaram uma ofensiva contra Moscou e em meados de março tomaram Ufá, no sul dos Urais. Simultaneamente, as tropas de Yudenich atacaram na região do Báltico, chegando até Jamburgo, há apenas 40 km de Petrogrado.

    Tratava-se de um plano articulado da contrarrevolução e da Entente, que criava um risco mortal para a Rússia Soviética. Tensionando todas as suas forças e lutando em três frentes, o Exército Vermelho derrotou a ofensiva de Kolchak e o expulsou de Ufa e Perm. Da mesma forma, venceu Yudenich no Norte, forçando-o a recuar. Por fim, o Exército Vermelho contra-atacou os poloneses na Bielorrússia e na Ucrânia, levando-os de roldão até as portas de Varsóvia, mas, ao estender demasiadamente as suas linhas, sem a devida preparação, ficou vulnerável a um novo ataque da Polonia, sob o comando direto do general francês Weygand, sendo forçado a recuar.

    Em outubro de 1920 foi estabelecido um armistício entre a Rússia e a Polônia e em março de 1921 o Estado Soviético teve de assinar a paz de Riga, através da qual a Polônia avançou 250 km a leste de sua fronteira étnica e deslocou a sua fronteira com o Estado soviético 150 km para o Leste, apossando-se da Galícia, da Ucrânia Ocidental, da Bielo-Rússia ocidental e de Vilna, no total, uma população de 11 milhões de habitantes, dos quais quase dez milhões de bielo-russos, russos ou ucranianos. Essas perdas territoriais só foram revertidas durante a 2ª Guerra Mundial.

    Derrota final da intervenção estrangeira

    Enquanto isso, no Sul, teve início, em fins de junho, a ofensiva do “Exército Voluntário” de Denikin, que tomou Tsaritsyn (futura Stalingrado) utilizando tanques da Entente, e chegou em outubro a Tula, há apenas 200 km de Moscou. Mas daí não passou e foi forçado a recuar sob o ataque do Exército Vermelho.

    Em meados de outubro, Yudenich lançou a sua segunda ofensiva contra Petrogrado, conseguindo chegar até Tsarkoie Selo, há apenas 20 km de Petrogrado, mas foi novamente rechaçado.

    Após o armistício com a Polônia, o Exército Vermelho deu seguimento à sua ofensiva contra as tropas de Kolchat, Denikin e Yudenich, recuperando os territórios que elas haviam tomado e desmantelando-as. Em fevereiro de 1920, Kolchat foi preso e fuzilado na Sibéria e Yudenich fugiu para a Estônia e de lá para a França Em março, Denikin passou o comando do “Exército Voluntário” para Barão Wrangel e fugiu para a França. Em novembro de 1920, os 150 mil homens do “Exército Voluntário” de Wrangel foram varridos da Crimeia, onde haviam se refugiado, e os seus sobreviventes – entre eles Wrangel – foram evacuados pela marinha francesa para a Turquia.

    A derrota dos exércitos contrarrevolucionários, os motins que se multiplicavam entre as tropas intervencionistas e a crescente rejeição nos países da Entente à intervenção na Rússia revolucionária, forçaram a evacuação das tropas restantes da Entente e em 1921 pode-se considerar finalizada a guerra civil na Rússia soviética e derrotada a criminosa intervenção imperialista, que causou mais de 5 milhões de mortes, seja em combate, seja pela fome, seja pelo assassinato da população civil.

    A intervenção militar das principais potências imperialistas na Rússia mostrou que elas não aceitavam, em hipótese alguma, a continuidade da experiência soviética e que tudo fariam para derrotá-la, inclusive pisoteando as liberdades democráticas e colocando em segundo plano as contradições interimperialistas. É o que veremos no próximo artigo.

    Raul Carrion é historiador e militante do PCdoB há 55 anos. Atualmente, é membro da Comissão Política do PCdoB-RS, da Secretaria Nacional de Relações Internacionais e da Escola Nacional João Amazonas. Foi presidente da FMG-RS entre 2013 e 2023. 

    Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial da FMG.

     

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