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    Direitos Humanos

    Trump e Gaza: o apoio do empreendedor ao projeto colonial e genocida de um século

    Presidente dos EUA endossa o plano de expulsão dos palestinos e a "gentrificação" de Gaza. Saiba como o sionismo político e as potências internacionais têm impulsionado a colonização da Palestina, desde 1948 até os dias atuais.

    POR: Moara Assis Crivelente

    Em coletiva com Benjamin Netanyahu, Donald Trump revela planos dos EUA para assumir o controle de Gaza e "reconstruir" o território.
    Em coletiva com Benjamin Netanyahu, Donald Trump revela planos dos EUA para assumir o controle de Gaza e "reconstruir" o território. Divulgação - Casa Branca via X

    O plano de expulsão dos palestinos para o “desenvolvimento” de Israel compõe uma estratégia de um século. Por mais estrondosos que sejam os francos pronunciamentos de Donald Trump, com a sua visão de uma “riviera no Oriente Médio” numa Gaza “limpa” dos palestinos, este seria um dos eventos que ele mais vem catalisar do que elaborar. 

    Se o plano se materializar através dos crimes de guerra e crimes contra a humanidade em andamento, será, mais uma vez, a forma de acelerar a colonização genocida da Palestina.

    O sionismo político sempre almejou e, de fato, tem se concretizado por meio da ‘transferência’ da população palestina. Como já demonstrou o historiador palestino Nur Masalha, esse é o termo que os ideólogos, patronos e funcionários das instituições colonizadoras pré-Estado de Israel – como a Agência Judaica e o Fundo Nacional Judaico – usaram para teorizar e justificar a expulsão da população nativa. 

    A medida era alegadamente necessária para que um Estado judaico fosse estabelecido e prosperasse, levando desenvolvimento e progresso à região. Trata-se de um instrumental ideológico e institucional claramente colonial e coerente com o período, naquela primeira metade do século 20. Portanto, contou com o respaldo das potências europeias, especialmente do Reino Unido. 

    Em 1940, Joseph Weitz, um diretor do Fundo Nacional Judaico responsável pela aquisição de terras para a colonização, disse, em tom messiânico: ”Apenas através dessa transferência dos árabes que vivem na Terra de Israel virá a redenção”. 

    1948: ano da expulsão em massa e do estabelecimento de Israel

    A receita para isso é uma combinação de medidas, como a negação de empregos e de meios de subsistência à população palestina, gradualmente separada da terra e desarmada, além da coerção direta, a começar pela atuação das milícias. Essa coerção assumiu depois a forma das reiteradas ofensivas militares, culminando no atual episódio do genocídio a que assistimos desde outubro de 2023.

    Assim, a estratégia vigorou, levando ao estabelecimento do Estado de Israel em 1948, em meio à expulsão sistemática de mais de 750 mil palestinos e ao massacre de mais de 15 mil pessoas, em territórios que hoje também são considerados modernos centros urbanos à beira-mar, com belas praias, prédios, cafés e discotecas, como a região de Jaffa e Tel Aviv.

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    A partir de 1967, os empreendimentos também se expandiram pelos territórios palestinos ocupados militarmente por Israel, em Gaza e na Cisjordânia, com a implantação de colônias que se transformaram em pujantes cidades, abastecidas com a água que falta aos palestinos, além de estradas, universidades e institutos tecnológicos, onde são criadas avançadas start-ups israelenses em diversos setores. 

    A “gentrificação” aconteceu também em Jerusalém, onde os palestinos foram acantonados na área mais marginal da parte ocupada da cidade, carente de todo o tipo de infraestrutura e meios essenciais. Além disso, enfrentam frequentes deportações de residentes, separação de famílias e destruição das casas daqueles ditos suspeitos de qualquer coisa, entre outras medidas de punição coletiva. Enquanto isso, a parte ocidental conta com modernos meios de transporte, shoppings e lojas de luxo, universidades, amplas avenidas e canteiros que parecem oásis. 

    Palestinos inspecionam os danos após um ataque aéreo israelense na área de El-Remal, na Cidade de Gaza, em 9 de outubro de 2023. Israel continuou a enfrentar combatentes do Hamas no dia 10 de outubro e mobilizou dezenas de milhares de tropas e blindados ao redor da Faixa de Gaza, após prometer uma resposta massiva ao ataque surpresa dos militantes palestinos.

    Palestinos caminham entre os escombros em Gaza, após um ataque aéreo israelense. Foto de Naaman Omar WAFA/APAimages (CC BY-SA 3.0) via Wikimedia Commons

    Vida insustentável no território bloqueado

    Gaza, em contrapartida, foi “evacuada” de colonos e soldados em 2005, mas mantida em constante estrangulamento pelo bloqueio completo, que torna a subsistência um ato improvável, segundo os inúmeros alertas da ONU para a insustentabilidade da vida no território. 

    A ‘limpeza étnica’ da Palestina, como documentaram o historiador israelense Ilan Pappé e várias entidades palestinas, assume diversas formas. Pode-se dizer que praticamente todas convergem na sua caracterização como crimes contra a humanidade, incluindo o genocídio, como têm averiguado as Cortes internacionais.

    Outubro de 2023: o avanço do plano de expulsão e a crise humanitária

    Aceleramos para o fatídico outubro de 2023, data que a mídia e parte dos analistas parecem querer fazer crer ser o momento em que tudo começou. Investigação jornalística conduzida pelos meios independentes israelenses Local Call e +972 Magazine produz mais uma das vastas evidências de que a expulsão dos palestinos continua sendo parte da estratégia. Documentos datados de 13 de outubro mostram que o departamento de inteligência do Ministério do Interior de Israel, responsável por preparar recomendações políticas, avaliava opções para o futuro dos palestinos de Gaza. Entre elas, defendia a “transferência” de toda a população, mais de 2 milhões de pessoas, para o Sinai egípcio — um plano para o qual Israel deveria angariar o apoio da ‘comunidade internacional’.

    Leia também: Por que a Guerra não é entre Israel e Hamas como faz parecer a mídia?

    Logo após a elaboração dos documentos, o exército israelense ordenou a evacuação de cerca de um milhão de palestinos do norte do território, que, ao longo dos meses, foi reduzido a pó. Uma eficaz operação de demolição para abrir espaço para um novo empreendimento. 

    Segundo a +972 Magazine, em reportagem da época, a ideia era expulsar os palestinos para o Sinai e, então, criar “uma zona estéril de vários quilômetros […] dentro do Egito e [impedir] o retorno da população às atividades/residências próximas da fronteira com Israel”. Tática muito similar às promovidas por Weitz e outros sionistas.

    Gentrificação e cumplicidade internacional

    As reações à proposta de Donald Trump, como o devaneio de um megalomaníaco no timão da, ainda, maior potência imperialista, têm sido, em geral, de assombro pela leviandade com que ele apresenta um plano de deslocação forçada à moda colonial para “desenvolver” o território e a economia regional. Mas não pode haver surpresa diante da visão genocida sobre uma “solução” para Gaza, ou para a Palestina  — para não perder de vista o quadro completo. 

    Esta é e sempre foi a estratégia do sionismo para “desenvolver” a Palestina, representada como uma região atrasada e de potencial a ser dilapidado e transformado, numa espécie de metamorfose, no seu suposto oposto: moderno, na terra de Israel. 

    Trata-se, portanto, de uma visão claramente colonial, travestida de empreendimento imobiliário, agora com um novo corretor. É preciso expor quem serão seus investidores — ativos ou passivos — cúmplices do genocídio ou negligentes diante do fato consumado, igualmente responsáveis sob qualquer ângulo ético, mas também juridicamente, à luz do direito internacional.

     

    Moara Assis Crivelente é Diretora executiva do CEBRAPAZ – Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz, doutora em Política Internacional e Resolução dos Conflitos e pesquisadora no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, Portugal.

    Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial da FMG.

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