A ecocivilização como modelo de desenvolvimento socioeconômico – Ao assumir, em 2019, a Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade de Pernambuco, recebi a visita da então cônsul da China, minha amiga Yan Yuqing. A partir de então, estabelecemos uma agenda de parceria para o desenvolvimento da cooperação ambiental.
Um dos primeiros desafios era exatamente travar o debate com aqueles que, baseados unicamente em informações veiculadas nos tradicionais meios de comunicação no Brasil, acusavam a China de vilã do aquecimento global. Qual não foi minha surpresa quando li com um trecho do discurso do presidente chinês Xi Jinping, apresentado em 2017 no Congresso do Partido Comunista da China, em que dizia:
“A construção da ecocivilização constitui um projeto milenar para o desenvolvimento perpétuo da nação chinesa. Devemos cultivar e praticar o conceito de que as águas limpas e os montes verdes são montanhas de ouro e prata, persistir na política nacional básica relativa à economia de recursos e à proteção ambiental.”
O termo “ecocivilização” foi cunhado na década de 1980 por acadêmicos e pensadores chineses, inspirados por preocupações ambientais crescentes e pela necessidade de um modelo de desenvolvimento sustentável. O conceito ganhou força no início dos anos 2000, quando o governo chinês começou a reconhecer os impactos negativos do rápido crescimento econômico sobre o meio ambiente, como poluição do ar, degradação do solo e escassez de água.
A partir daí, a ideia de ecocivilização socialista foi gradualmente incorporada como política de Estado na China ao longo das últimas décadas, tornando-se um pilar central da governança e do planejamento estratégico do país. Esse processo envolveu a integração de princípios ecológicos e de sustentabilidade às políticas econômicas, sociais e ambientais, alinhados à visão do milenar pensamento chinês sobre um modelo de desenvolvimento harmonioso entre o ser humano e a natureza.
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Em 2007, a ecocivilização foi formalmente incorporada à ideologia do Partido Comunista da China durante o 17º Congresso Nacional do Partido e foi definida como um dos pilares do desenvolvimento nacional, ao lado da prosperidade econômica, da democracia política, da cultura avançada e da harmonia social. Em 2018, a ecocivilização foi oficialmente incluída na Constituição da República Popular da China, consolidando-a como um princípio fundamental do Estado.
O país se tornou o maior investidor mundial em energia solar, eólica e hidrelétrica. Criou programas como o ‘Plano de Ação para o Céu Azul’, que visa reduzir a poluição do ar nas grandes cidades, além de ações de conservação ecológica, com projetos de reflorestamento, como a ‘Grande Muralha Verde’, e a criação de zonas de proteção ambiental. Esses investimentos refletem o compromisso da China em liderar a transição global para uma economia de baixo carbono e sustentável, alinhada a metas nacionais e internacionais de redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE) e proteção ambiental.
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Área de reflorestamento na província de Liaoning, na China, onde projetos de restauração ambiental são integrados a fontes de energia renovável, como turbinas eólicas.(04/05/2024) Foto: Xinhua/Li Gang
Somente em 2024, a China investiu 6,8 trilhões de yuans (US$ 940 bilhões) em energia limpa, valor próximo ao investimento global em combustíveis fósseis (US$ 1,12 trilhão), segundo análise da organização Carbon Brief, divulgada pela agência Reuters esta semana.
A ecocivilização foi traduzida em políticas concretas, incluindo redução de emissões de GEE. A China se comprometeu perante o Acordo de Paris a atingir o pico de emissões de carbono até 2030 e a neutralidade de carbono até 2060. No entanto, segundo Belinda Schape, analista de políticas da China no Centro de Pesquisa sobre Energia e Ar Limpo, com sede em Helsinque, os níveis totais de CO₂ já podem estar em declínio. A organização disse que a China é capaz de estabelecer uma meta eólica e solar de 4.500 GW para 2035, além de poder reduzir as emissões na produção de aço e cimento em 45% e 20%, respectivamente. Com isso, ela se habilita a cumprir suas metas climáticas para 2030 com relativa facilidade, além de estabelecer políticas que reduzirão as emissões de GEE em pelo menos 30% até 2035.
No mesmo sentido, a China tem utilizado a ecocivilização como um elemento de sua diplomacia ambiental, posicionando-se como líder global na luta contra as mudanças climáticas. O país participa ativamente de acordos internacionais, como o Acordo de Paris, e promove iniciativas como o Cinturão e Rota Verde (Green Belt and Road), que visa integrar princípios de sustentabilidade em projetos de infraestrutura global.
Atualmente o setor de energia limpa representa 10% do PIB (Produto Interno Bruto) chinês, conforme pesquisa do CREA (Centro de Pesquisa em Energia e Ar Limpo) de Helsinque. Representa também uma importante alavanca para o enfrentamento global às mudanças climáticas e um forte componente da necessária geração de empregos qualificados cuja finalidade é elevar o já confortável padrão de vida da população, pois conta com acesso a necessidades básicas como alimentação, moradia, educação e saúde, além de um certo nível de prosperidade econômica.
Esse artigo contará com uma segunda parte, onde trarei ideias de um debate que tive oportunidade de travar com o pesquisador e sinólogo brasileiro Elias Jabbour sobre a ecocivilização socialista da China.
Referências
Agência Reuters. Acessado em 22.02.2025
Forbes. Acessado em 22.02.2025
Jabbour, E &Bertotti, J. A. Ecocivilização Socialista na China. Acessado em 22.02.2025
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José Bertotti, é professor e pesquisador em inovação do Instituto de Pesquisa em Petróleo e Energia, da UFPE e sócio-fundador do Instituto Toró, Clima, Tecnologia e Cultura. Foi secretário de estado em Pernambuco nas pastas de Meio Ambiente e Sustentabilidade; e de Ciência e Tecnologia. É membro da direção estadual do Partido Comunista do Brasil em Pernambuco e um dos coordenadores do GP Transformação Ecológica e Diversificação Energética da Fundação Maurício Grabois.
Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial da FMG.