A história se repete como farsa
Uma delas surgiu do discurso de Pedro Pomar (no Congresso da Paz, no México, em 1949), que foi acompanhado letra a letra. Mal disse o que tinha a dizer no México e a mídia correu para propagar versões que se encaixavam como luvas no figurino da direita. “…Repudiou a pátria!”, berrou a manchete do jornal O Globo do dia 11 de setembro de 1949. “O ministro da Justiça, em declaração ao O Globo, anatemiza a conduta do deputado Pedro Pomar”, dizia a linha fina, o subtítulo do jornal. E emendava: “Primeiras demarches em torno da possível cassação do parlamentar vermelho.”
O jornal entrou de cabeça no submundo que imperava na Câmara dos Deputados, onde uma comissão de inquérito foi proposta e suscitou intensos debates. Na matéria que comentou o discurso de Pedro Pomar no México, O Globo disse que a atitude do parlamentar, “injuriando a nossa pátria, causou indignação no Congresso”. “Há um movimento no sentido de cassação do mandato do parlamentar comunista”, declarou. Poucos dias depois, em 15 de setembro de 1949, O Globo voltou ao assunto, sentenciando Pedro Pomar a um desagravo como pena imposta pela “indignação” que “perdura em todo o país”. “Desagravo que se impõe!”, dizia a manchete principal. A “afrontosa conduta do comunista Pedro Pomar, que insultou o Brasil, suas instituições e especialmente suas classes aramadas perante uma assembléia tipicamente bolchevista na capital mexicana” não poderia ficar impune.
Os ministros da Guerra, general Canrobert Pereira da Costa, e da Aeronáutica, tenente-brigadeiro Armando Trompowsky, foram convocados pelo jornal para opinar sobre o assunto. O primeiro disse que cabia “aos poderes competentes” a “tarefa” de processar Pedro Pomar. O segundo apoiou a campanha do O Globo pelo desagravo. “A circunstância que ocorreu de tais declarações terem sido feitas em terra estranha faz avultar a afronta nos feita e justifica o clamor de toda a nação pelo desagravo que se impõe”, disse ele.
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Pedro Pomar mostrava-se pouco surpreso com o tom do jornal. O próprio O Globo publicou no dia 20 de setembro que ele achava “interessante” a cassação do seu mandato, segundo declaração emitida quando desembarcou em Belém. “No meu discurso não me referi às Forças Armadas e sim às classes dominantes do país. Repeti no México o que digo na Câmara”, disse aos jornalistas. Sobre a cassação do mandato, foi taxativo: “É o que desejam. Seria até interessante que tal acontecesse.”
Não adiantou Pedro Pomar dizer que não havia cometido nenhuma infração. O jornal recrudesceu a campanha pela sua punição, publicando no dia 21 que o PCB havia divulgado uma versão falsa do discurso. “O verdadeiro texto do discurso do senhor Pedro Pomar”, anunciou O Globo. “Chegou ao Rio na manhã de hoje o deputado Pedro Pomar que tomou parte no Congresso da Paz, realizado no México, onde emitiu discursos ofensivos ao Brasil. Fomos informados que o embaixador do Brasil no México, senhor Camilo de Oliveira, mandou ao Itamaraty o verdadeiro discurso pronunciado pelo senhor Pedro Pomar e que o texto não corresponde, na realidade, ao que foi divulgado pelos comunistas no Rio”, disse o jornal, sem se dar ao trabalho de publicar os textos anunciados.
Era, na verdade, fogo de palha. O Globo tentou começar uma fogueira anticomunista na Câmara dos Deputados, mas calou-se diante da firmeza das respostas de Pedro Pomar.
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Trecho da biografia de Pedro Pomar, por Osvaldo Bertolino, no prelo.