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    Cultura

    Cacá Diegues, dois meses de saudade: memórias, legado e o 20º filme a caminho

    Vandré Fernandes resgata histórias e bastidores do Cinema Novo, da produção de Cinco Vezes Favela e da relação do cineasta com a UNE. Seu 20º longa, Deus é Brasileiro 2, estreia ainda em 2025.

    POR: Vandré Fernandes

    4 min de leitura

    Em 2016, eu estava produzindo o filme Histórias da Praia do Flamengo, 132, que conta a história da sede da UNE (União Nacional dos Estudantes) no Rio de Janeiro. O prédio de três andares foi palco de muitos acontecimentos políticos e culturais. Particularmente nos anos 1960, circularam por ali grandes personalidades da cultura brasileira, que participaram do Centro Popular de Cultura da UNE, o CPC. Entre eles, estava o jovem cineasta Cacá Diegues, que fez parte do filme Cinco Vezes Favela, produzido pelo CPC.

    Agendada a entrevista com Cacá para o nosso filme, nos dirigimos à Cinelândia, onde ficava a produtora dele. Foi uma grande expectativa estar diante daquele gigante do cinema brasileiro, para falar daquele tempo do CPC da UNE, da sua infância, do seu cinema, de suas lembranças.

    Ficamos alguns minutos esperando que ele terminasse uma reunião sobre seu próximo filme, O Grande Circo Místico.

    Passei os olhos pelo ambiente. Nas paredes, vários cartazes de filmes que marcaram a história do cinema brasileiro por várias gerações. Logo de cara, o cartaz de Bye Bye Brazil, que, para mim, é um dos melhores filmes brasileiros de todos os tempos. Realizado em 1979, conta a história de uma trupe de circenses que levava entretenimento para os rincões do Brasil. Porém, com a massificação da televisão, os costumes brasileiros começavam a ser mudados de norte a sul.

    Leia também: A Batalha da Maria Antônia, ontem e hoje (com um pouquinho de spoiler)

    Também estava pendurado o cartaz de Chuvas de Verão, de 1978. Um filme-poesia repleto de referências cinematográficas, estrelado por Jofre Soares e Miriam Pires. Para onde se olhasse, estavam ali cartazes de filmes como Quando o Carnaval Chegar, Ganga Zumba, Joanna Francesa, Chica da Silva, Deus é Brasileiro… e muitos outros longas e curtas.

    Entramos para outra sala, que estava cheia de latas de filmes, prêmios e com uma grande mesa de centro que, segundo sua secretária, era o lugar onde Cacá gostava de dar entrevistas.

    Eis que entra aquele brasileiro, nascido em Alagoas e radicado no Rio de Janeiro. Com toda a genialidade, não mantinha o semblante de um mestre — parecia um parceiro, um amigo, um pai. Tinha tanta naturalidade que parecia que nos conhecia há anos.

    Falou que, quando menino, o suicídio de Getúlio Vargas o impactou em sua percepção sobre a política: “Aí eu disse ao meu pai: esse negócio de política é sério e perigoso”.

    Lembrou de quando militava no movimento estudantil no final dos anos 1960 e da aproximação com a UNE. Do período em que esteve à frente do Diretório Acadêmico de Direito da PUC, da amizade com Aldo Arantes, presidente da UNE, que, quase três décadas depois, se tornaria deputado constituinte.

    E, principalmente, de como foi fazer o Cinco Vezes Favela, da relação com os demais jovens cineastas, artistas e dirigentes do Centro Popular de Cultura.

    O longa-metragem Cinco Vezes Favela foi composto por cinco curtas. Idealizado pelo CPC da UNE, em 1962, tinha uma forte influência dos filmes de Nelson Pereira dos Santos, como Rio 40 Graus e Rio, Zona Norte.

    A princípio, seriam quatro curtas: Um Favelado, de Marcos Farias; Zé da Cachorra, de Miguel Borges; Pedreira de São Diogo, de Leon Hirszman; e Escola de Samba Alegria de Viver, de Cacá Diegues.

    O quinto a entrar foi o curta Couro de Gato, de Joaquim Pedro de Andrade. Esse filme já existia e havia sido premiado internacionalmente, mas os organizadores convidaram Joaquim Pedro a integrar o longa, e o jovem diretor topou.

    Cinco Vezes Favela é um dos expoentes do Cinema Novo.

    Cacá lembrou da dificuldade de produzir os curtas e falou que seu filme foi duramente criticado por Carlos Estevam Martins, dirigente do CPC. Estevam dizia que o filme de Cacá era pequeno-burguês. Disse Cacá: “Com Estevam, eu briguei demais!”

    Estar com ele e ouvir sua voz, suas histórias, foi algo inesquecível para a nossa equipe de filmagem.

    Cacá Diegues ainda realizou Deus é Brasileiro 2, continuação do filme de 2003, que deve estrear no segundo semestre de 2025. É uma pena que esse grande diretor não esteja aqui para ver seu 20º filme nas telonas.

    Vandré Fernandes, cineasta. Dirigiu longas de documentários “Camponeses do Araguaia – A Guerrilha vista por dentro”; vencedor da Mostra de Cinema e Direitos Humanos da América do Sul; Osvaldão; Histórias da Praia do Flamengo, 132; e do curta de ficção “O Bom Velhinho”.

    Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial da FMG.

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