“A extrema direita avançando no Brasil é o processo acelerado de aniquilamento da população negra. Se nós não tivermos compreensão disso, nós teremos falhado na missão de pessoas como Abdias [do Nascimento], como a Lélia [González], de pessoas como Clóvis Moura, de pessoas que deram a vida para que a gente possa compreender essa realidade política e social e transformá-la”, alertou nesta quinta-feira (3), o professor Juarez Tadeu de Paula Xavier, da Faculdade de Arquitetura, Artes, Comunicação e Design (FAAC) da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
A fala ocorreu nesta quinta-feira (3), durante o ato de lançamento, na livraria Tapera Taperá, da nova edição de Rebeliões da Senzala: quilombos, insurreições, guerrilhas, uma parceria entre a Fundação Maurício Grabois e a Editora Anita Garibaldi, que celebra o centenário do intelectual marxista negro Clóvis Moura (1925-2003).

Lançamento de “Rebeliões da Senzala” de Clóvis Moura. Foto: Pietra Alcântara/FMG
Lançado originalmente em 1959, o livro teve sua pesquisa ampliada de forma significativa pelo autor para sua segunda edição de 1972 e chega neste ano de seu centenário à sétima edição como uma das principais obras entre as 26 publicações de sua autoria.

Capa da 7ª edição do livro Rebeliões da senzala
Leia também: Cartas revelam ação política e diálogos intelectuais de Clóvis Moura
Em sua fala, Xavier destacou a importância da obra de Moura para estimular a ação política hoje no país, para a compreensão do enfrentamento racial que precisa ser feito em nossa sociedade:
“Nós estamos como negros no período mais delicado do país desde a constituição de 1988. A emergência da extrema direita é extremamente perigosa para a população negra.”
O professor da Unesp também destacou o pensamento de Moura como uma chave para enfrentar um paradoxo científico: apesar do aumento das pesquisas sobre a temática racial no Brasil e a sua compreensão crescente em nossa sociedade, esse conhecimento não tem sido capaz de cessar o aniquilamento da população negra.
“É esse paradoxo que nós temos que nos debruçar. Uma pesquisa de fato importante pra população negra é entender esse fenômeno. E a partir desse fenômeno, intervir nas questões de política pública pra mudar essa realidade. Parece-me que aí é que está o grande segredo da gente estudar Clóvis Moura. Não é apenas do ponto de vista da qualidade do seu trabalho teórico conceitual. A validade de retomar o estudo dele é pela radicalidade que ele propõe para superar o entrave da solução racial. A radicalidade parte do princípio de que ser radical é pegar as coisas pela raiz. E a raiz da revolução brasileira é a revolução negra.”
Leia também: Clóvis Moura, 100 anos: o piauiense que deu voz à resistência negra
O presidente da Fundação Maurício Grabois, Walter Sorrentino, também fez referência em sua fala à importância de retomar a revolução brasileira pensada pela esquerda no final da década de 1950 e durante a década de 1960, projeto interrompido pela ditadura militar (1964-1985).
“O Brasil neste momento está precisando retomar, reviver atualizada a revolução brasileira. O que o Brasil precisa é da revolução brasileira nos termos do nosso tempo, não daquele tempo. Liderada pelos trabalhadores, pelas trabalhadoras, negros, jovens, mulheres ou homens, negros e brancos, unidos para mudanças estruturais em nosso país. Eu tenho certeza que Clóvis Moura estaria conosco neste momento para dizer: ‘Vamos discutir a revolução brasileira’. É importante ganhar governo, mas ganhar governo não muda as estruturas necessariamente, é preciso luta. A luta social, a luta do povo, pra gente mudar as estruturas.”
Leia também: Fundação Grabois celebra 100 anos de Clóvis Moura e seu legado antirracista

Seminário 100 anos de Clóvis Moura – Legado e Atualidade, entre os dias 20 e 22 de maio, em Salvador, promovido pela Fundação Maurício Grabois. Crédito: Divulgação
Sorrentino conheceu pessoalmente Clóvis Moura em sua militância no Partido Comunista do Brasil (PCdoB), e recorda que ele era, “antes de mais nada, um comunista” com “uma consciência muito aguda” e um “sorriso maroto” como aparece nos retratos.
“O Clóvis simplesmente encontrou uma porta fechada e abriu essa porta, mostrando que na representação de Brasil e na revolução brasileira, as lutas de classe se confundem intimamente com a questão racial, a discriminação racial. O problema do racismo no Brasil era parte indelével da formação econômica e social brasileira. Amparado pelo marxismo, pela primeira vez fundamentou, em grandes traços e numerosas obras, das quais uma das mais importantes é essa [Rebeliões da senzala] do ponto de vista público, porque nos mostrava que não havia escravos, havia escravizados, e que eles não eram pacíficos nesse sentido. Lutavam, resistiam. Então ele abriu essa porta.”
A socióloga e professora Najara Costa, vereadora pelo PCdoB em Taboão da Serra (SP), destacou a importância do pensamento de Clóvis Moura na disputa não apenas sobre o passado colonial, “mas também sobre o nosso presente”, ao abordar como a resistência da população escravizada contribuiu para desgastar o regime colonialista.
“Essa é uma luta que ainda vigora e que bom que temos Clóvis Moura pra tratar de aspectos tão importantes e fundamentais para a historiografia brasileira não só pra que a gente garanta essa disputa sobre o passado mas pra que a gente construa também um futuro mais digno sobre a nossa população que carece de muitos direitos que foram historicamente negados.”
Costa destacou que a tentativa de apagamento da historiografia da população negra é um traço do colonialismo presente na educação brasileira, “que não se vê como transformadora” e destacou “o quanto é transformador quando a gente se depara com obras como a de Clóvis Moura, que traz elementos importantes para que a gente pense, repense e garanta essa luta política no Brasil.”
“É extremamente revolucionário para que a gente garanta a nossa ação política, para que a gente garanta para as próximas gerações esse conforto sobre a nossa luta, a nossa história, as nossas reivindicações e os nossos anseios. O racismo é esse elemento sofisticado, essa tecnologia que no limite nos mata. Se hoje a gente tem uma leitura ainda muito perversa sobre essa romantização do que é a história do Brasil, sobre o que é esse apagamento, sobre essa leitura de que o Brasil é um país cordeal, de como ele é visto mundo afora. A gente sabe que o Brasil vive um genocídio declarado de pessoas negras.”
Soraya Moura, filha do intelectual comunista, não pôde participar presencialmente do evento, mas enviou sua manifestação por vídeo, onde agradeceu a “todos aqueles que pesquisam, divulgam, discutem e tornam as ideias e a obra do meu pai mais vivas do que nunca”.
“Eu acho que após mais de 50 anos da sua primeira edição, o Rebeliões da Senzala sendo relançado no seu centenário de nascimento demonstra o quanto as ideias dele são atuais, continuam vivas e que o nosso país cada vez mais de leituras e discussões e ideias que transformem”, destacou.
Livro
Título: Rebeliões da Senzala – Quilombos, Insurreições, Guerrilhas
Autor: Clóvis Moura
ISBN: 978-65-89805-52-6
Editora: Anita Garibaldi / Fundação Maurício Grabois
Ano de publicação: 2025
Edição: 7ª edição (edição comemorativa do centenário de Clóvis Moura)
Páginas: 460
Disponível em pré-venda online por R$ 85,00 (de R$ 96,00) – desconto de R$ 11,00.
Compre aqui com desconto na Livraria Anita
O lançamento do livro foi transmitido ao vivo pela TV Grabois. Confira como foi o debate: