Vocês devem estar vendo por aí em muitas campanhas, muitas propagandas que o governo federal está dizendo que é preciso colocar os mais pobres no orçamento. E isso parece bastante justo, garantir direitos, recuperar programas sociais, valorizar o serviço público. Mas como a gente pode fazer isso sem mexer com essa galera que realmente tem a grana, que concentra a renda e, especialmente, com o que a gente costuma chamar de setor financeiro: os banqueiros, os super-ricos e todos aqueles com grandes fortunas acumuladas, que vivem dos rendimentos desse dinheiro: renda financeira, rentismo e especulação.
Nas últimas semanas, ganhou destaque um tema bastante controverso sobre a arrecadação de impostos cobrados dos mais ricos, ou seja, a progressividade no sistema tributário.
A ponta desse fio tem nome: Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou relativas a Títulos ou Valores Mobiliários – IOF. É um tipo de taxa que incide sobre todo tipo de operação financeira, desde operações de câmbio, quando você troca lá o seu real pelo dólar ou quando você usa o seu cartão de crédito em outro país, quando você quer enviar algum recurso para outro país e transformar, portanto, o real em dólar. Isso é muito utilizado no setor financeiro para aplicações financeiras que rendem juros, ou para aplicações especulativas que acontecem fora do país. Mas o IOF também incide sobre operações dentro do Brasil.
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É o caso, por exemplo, daquele rotativo do cartão de crédito ou daquele juros do cheque especial, que às vezes a gente usa, fica uns dias, demora para conseguir pagar e tem lá o IOF sendo cobrado. Ou mesmo quando uma empresa, seja ela micro ou grande empresa, toma um empréstimo, tem lá também esse que incide sobre essa operação financeira.
E o que aconteceu para que esse tema nos últimos dias se tornasse tão polêmico? No final de maio, o governo editou o Decreto Nº 12.466 que mexia nos percentuais do IOF. Vale registrar que é o governo federal quem tem prerrogativa de ajustar as alíquotas sobre esse tipo de imposto – que costuma ser considerado um imposto mais regulatório do que arrecadatório.
Vou explicar: quando você amplia alíquotas desse imposto sobre operações de câmbio, de remessa de recursos pro exterior do país, você acaba reduzindo a quantidade de real que se transforma em dólar, por exemplo, real que é vendido e dólar que é comprado. Isso faz com que o câmbio acabe sendo regulado para uma valorização do real. Quando há menos dólares sendo comprados, a tendência é que a moeda nacional se valorize. Por isso, ele é chamado de um imposto arrecadatório. Mas o que foi que o governo fez, portanto, com esse decreto? Ele ampliou a alíquota em um conjunto de operações sobre as quais o IOF incide.
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É muito importante dar destaque para um tipo de operação sobre a qual o decreto aumentava as alíquotas, que era justamente nas operações de fundos de investimento que fazem aplicações financeiras no exterior, ou seja, em dólar. Isso é uma grande fonte de rendimento para o setor financeiro, corretoras, fundos de investimento, investidores institucionais ou bancos de investimento que aplicam seus recursos em fundos de investimento estrangeiro ou em ativos estrangeiros e ganham muito dinheiro, porque às vezes, a depender da cotação do câmbio, pode ser muito interessante para eles fazer aplicações em dólar e ganhar muito dinheiro com isso.
Nada mais justo do que ter uma taxação maior para quem tem muito dinheiro e ganha em cima dos rendimentos da sua própria riqueza. O problema é que, quando o governo editou o decreto, que aumentava a alíquota em uma série de operações, não só nessa, mas também em várias outras, sobre empréstimos, sobre cartões de crédito no exterior, sobre outros tipos de operação de câmbio, também sobre fundos de previdência de gente muito rica que tem mais de R$ 600 mil aplicados na previdência.
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Tudo isso sofreu aumento na alíquota do IOF. Só que esse primeiro tópico que diz respeito aos fundos de investimento gerou um alvoroço danado, porque o mercado financeiro não aceita ser taxado. Por mais que se façam discurso de que o governo precisa economizar, precisa ter restrição fiscal, precisa ter superavit primário. Ou seja, precisa gastar menos do que arrecada. Mas quando há um apontamento de arrecadação justamente nesse setor que cobra essa tal desse equilíbrio fiscal, eles criam um alvoroço e não aceitam ser taxados.
Dada a pressão do setor financeiro (principalmente), da imprensa, após uma descoordenação interna, no dia seguinte, publicou outro decreto, o Nº 12.467, de 23 de maio, voltando atrás na cobrança para operações de câmbio específicas relacionadas a transferências internacionais e fundos de investimento no mercado externo, que era um tema de justiça tributária.
Depois de desidratado o texto, o Congresso, que tem uma quantidade considerável de deputados de extrema direita, de direita, que buscam representar os interesses do Centrão, também começou a pressionar o governo para recuar nessas propostas até que foi feito um acordo e o governo enviou outra proposta em forma de medida provisória (MP Nº 1.303) como uma alternativa para o decreto que havia sofrido toda essa pressão e a ameaça de setores do Congresso, dizendo que derrubariam. Ameaça que veio a ser efetivada no dia 26/06, ainda que possa ser inconstitucional.
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Afinal de contas, é prerrogativa constitucional do Executivo definir as alíquotas de um tipo de imposto como o IOF. Pois bem, o governo enviou essa outra medida provisória que conta com uma série de outras propostas, de outras alterações que não incidem necessariamente sobre o IOF, como uma forma de compensar e buscar outros caminhos para arrecadar recursos.
A nova proposta tem algumas ideias interessantes. Por exemplo, ampliar os impostos sobre as bets, que são essas casas de aposta digitais, que a gente sabe muito bem o tamanho do problema que elas criaram. Isso é um tema para outro vídeo, mas é justo que se aumente os impostos sobre essas apostadoras online.
Também houve a criação de imposto de renda sobre alguns ativos, algumas aplicações financeiras que eram incentivadas, ou seja, que tinham isenção sobre o imposto de renda, como, por exemplo, a letra de crédito imobiliária, a letra de crédito sobre o agronegócio, o certificado de recebimento do agronegócio, enfim, são papéis voltados pro financiamento de determinados setores, mas que também pagam juros para quem faz a aplicação desses recursos e muitas vezes são grandes fundos de investimento capitalistas que tem muito dinheiro aplicado e vivem do rentismo, ou seja, de ganhar em cima de juros desse tipo de ativo financeiro.
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Esses papéis não não pagavam o imposto de renda. Mas agora eles passam com essa medida provisória, passam a pagar 5% de imposto de renda, o que é justo e é legítimo. Haja vista que todo mundo paga imposto de renda, não é porque é que quem aplica nesse tipo de ativo financeiro também não deveria pagar o imposto de renda. E também tiveram outras medidas importantes, como o aumento da alíquota dos impostos sobre lucros e juros sobre capital próprio, que muitas vezes também diz respeito a essa participação de acionistas, de proprietários de empresas que ganham também muitas vezes ali como uma espécie de rentismo e especulação, principalmente com os dividendos, as ações e os lucros que originam desse mecanismo de financiamento.
Pois bem, mais uma vez, infelizmente, a proposta que o governo envia acaba trazendo consigo muitas controvérsias. E uma delas, por exemplo, é a inclusão do programa Pé de Meia, que é um programa que visa ofertar bolsas para estudantes do ensino médio conseguirem concluir seu ensino médio e também realizarem a prova do Exame Nacional do ensino médio (Enem), que é uma política fundamental que o governo implementou, mas essa proposta visa incluir este programa no piso constitucional da educação.
O que isso significa? Que mais um gasto será alocado nesse piso da educação, o que fará com que outras áreas educacionais percam capacidade de investimento. E a gente viu, por exemplo, as universidades, a demanda por mais recursos que elas têm apresentado. Então, não é interessante hoje incluir mais custos no piso constitucional da educação. Esse é um tema bastante complexo. E mesmo esse texto enviado pelo governo ainda apresenta forte resistência no Congresso, porque de fato o mercado financeiro e os setores que são seus representantes ali no Congresso Nacional, principalmente a extrema direita, eles não querem impostos sobre os mais ricos.
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Eles apresentam a necessidade de um ajuste fiscal que só visa o corte sobre os direitos sociais, sobre os investimentos públicos que buscam desenvolver o país de uma forma mais geral e mais justa. E isso tudo está baseado num tipo de ideologia política e econômica de uma restrição fiscal como uma forma de garantir uma suposta confiança do mercado.
Mas vejam que essa restrição fiscal, ela vem sempre pelo lado dos cortes nos investimentos, nos direitos sociais, nunca é por parte desse setor financeiro e dos seus representantes e muito em grande parte da imprensa, nunca é via um sistema tributário mais democrático. Nós vamos falar um pouco mais sobre isso depois.
Mas aqui vale ressaltar também um tema importante que o ministro Fernando Hadad colocou nos últimos dias, que é primeiro reduzir custos, reduzindo os super salários do serviço público. E a gente sabe que isso tá muito concentrado no setor dos militares, do judiciário. E evidentemente é um tema que precisa de revisão, que precisa de melhor distribuição de renda no setor público, porque você tem professores, enfermeiros, servidores públicos que recebem muito pouco, enquanto uma parte de uma elite do serviço público recebe muito. Isso seria uma forma de reduzir custos.
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E uma outra forma de ampliar a arrecadação seria, por exemplo, reduzindo a desoneração, as isenções fiscais ou subsídios fiscais que muitas empresas recebem muitas vezes acima do necessário, porque o subsídio fiscal ele existe para você poder estimular algum setor produtivo que seja estratégico pro país em alguma medida, mas tem muitos setores que recebem muito mais subsídios, desonerações fiscais que só servem para ampliar a margem de lucro e não para contratar mais pessoas, aumentar salários.
Esse deveria ser o objetivo de qualquer subsídio fiscal. Então, uma limpa aí nessa quantidade de isenções e subsídios fiscais que muitas empresas recebem hoje é mais do que necessário, mas a gente sabe como isso enfrenta uma enorme resistência e dificuldade no Congresso, que tem muitos setores ali que ainda defendem os interesses do mercado financeiro, que tem uma capacidade, uma força de lobby gigantesca. E para esse setor, a agenda de corte de gastos é exatamente o congelamento do salário mínimo, cortes investimento de educação e saúde, inclusive com o fim dos pisos constitucionais, que são instrumentos fundamentais, e ainda empurrar uma reforma administrativa que vá reduzindo a capacidade do Estado.
Tudo isso para manter uma pretensa estabilidade econômica e garantir os seus ganhos com suas apostas no mercado financeiro, com o rentismo e com a especulação. E eles colocam uma máscara por trás disso dizendo que é uma espécie de estabilidade para atrair investimentos, quando na verdade a gente sabe que o setor público é um setor fundamental que entra com os investimentos para daí sim atrair um dinamismo pra economia.
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Dito tudo isso, a questão no Brasil hoje é que existem problemas que são mais profundos e estruturais que criam amarras sobre a própria atuação do governo. Eu acho que isso é importante ressaltar aqui, porque para impulsionar o desenvolvimento do país, como eu falei, é fundamental que o governo tenha recursos para investir, mas ele mesmo criou um arcabouço fiscal que limita a cada ano a ampliação dos seus investimentos.
Então, ou você precisa fazer cortes no orçamento para se manter dentro desse limite de gastos que o arcabolso fiscal criou, ou precisa ampliar as arrecadações e que, muitas vezes, mesmo ampliando a arrecadação, acaba não sendo suficiente e esse recurso acaba indo pro pagamento dos juros da dívida que estão estratosféricos dadas as últimas decisões do COPOM do Banco Central, recentemente ampliando para 15%.
O primeiro passo pro governo sair das cordas é denunciar essa ideologia de restrição fiscal, que sempre acaba
recaindo sobre os mais pobres com cortes em investimentos e direitos sociais. Mas nós sabemos que há também uma disputa política intensa e uma pressão muito grande em torno dessas ideias. Mas há outras agendas que estão na ordem do dia e que se tornam mais palpáveis ao curto prazo, que podem ser instrumentos de uma disputa política e econômica do governo para que ele ganhe apoio social no Brasil, da população em geral.
A reforma tributária que busca isentar o imposto de renda para os mais pobres, até também uma parcela da classe média e ao mesmo tempo cobrar dos super ricos, ou seja, construir de fato um sistema tributário que seja progressivo com quem ganha menos paga de fato menos e quem ganha mais de fato pague mais, o contrário do sistema regressivo que a gente tem hoje. Essa é uma pauta muito importante para que o governo apresente pra sociedade a sua disposição de defender a população e que se algum deputado queira votar contra esse projeto, ele vai estar comprando o seu próprio desgaste.
Nessa última semana, o Artur Lira não apresentou o relatório do imposto de renda por dizer que não havia clima no Congresso. E será que não havia clima mesmo? ou será que ele tá sofrendo uma grande pressão do lobby que ele ali muitas vezes representou no Congresso do setor financeiro para que o projeto de reforma tributária seja dissecado e os super ricos não paguem o que tá sendo proposto que eles paguem.
Mas quando ele se põe nessa posição, ele acaba criando uma contradição com a vontade popular. E se o governo, como eu vejo que tem feito nos últimos dias, aumentar a sua dose de enfrentamento nessa bandeira, eu acredito que nós podemos ter um caminho mais interessante para fazer uma disputa ideológica da sociedade e as pessoas percebam que efetivamente quem tá contra os seus próprios interesses é o setor financeiro, são as elites econômicas e uma parte do Congresso que tá se alinhando a esses grupos.
Assista ao vídeo de estreia do Almoço Grátis, com Iago Montalvão:
Iago Montalvão é doutorando em Economia na Unicamp, coordena o Grupo de Trabalho Novo Ciclo de Desenvolvimento Social da Fundação Maurício Grabois. Além da atuação na área econômica e na pesquisa, tem trajetória no movimento estudantil — foi presidente da União Nacional dos Estudantes (2019–2021)
*Análise publicada originalmente no programa Almoço Grátis, em 03/07/2025. O texto é uma adaptação feita pela Redação com suporte de IA, a partir do conteúdo do vídeo.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial da FMG.