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    Internacional

    Soberania nacional desafia imperialismo no mundo em profunda transição

    Ana Penido, Elias Jabbour e Luis Fernandes participaram do debate "Mundo em Transição", no Rio de Janeiro (RJ). O embate entre projetos nacionais autônomos e o imperialismo como eixo das transformações geopolíticas do século XXI foram centro do debate

    POR: Leandro Melito

    8 min de leitura

    Questão nacional frente ao imperalismo foi o tema de destaque no Ciclo de Debates no Rio de Janeiroi (RJ). Foto: Bia Aragão / PCdoB RJ
    Questão nacional frente ao imperalismo foi o tema de destaque no Ciclo de Debates no Rio de Janeiroi (RJ). Foto: Bia Aragão / PCdoB RJ

    A principal contradição a ser enfrentada pela esquerda no mundo em transição é a dos Estados nacionais anti-imperialistas frente ao imperialismo em declínio dos Estados Unidos. Essa foi a principal convergência na segunda mesa do Ciclo de Debates para o 16º Congresso do PCdoB, realizado na Sociedade dos Engenheiros e Arquitetos do Estado do Rio de Janeiro na segunda-feira (4).

    A partir de um texto filosófico de Mao Tse Tung, Jorge Venâncio, que ajudou a elaborar a tese na Comissão Política Nacional do PCdoB, destacou que a contradição fundamental que define todo um período é entre socialismo e capitalismo, mas a contradição principal a ser enfrentada no momento atual é entre imperialismo e anti-imperialismo.

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    “O que a gente está vendo é uma explosão de anti-imperialismo para o mundo todo, é isso que está ocorrendo. É claro que a contradição principal vai dialogar com a fundamental também, não são duas coisas inteiramente isoladas, vai ter uma interrelação entre essas coisas todas. Mas o anti-imperialismo é uma frente que a gente vai ter que jogar muito fundo porque ela pode levar a gente muito longe”, defendeu.

    A intervenção ocorreu ao final das apresentações e conduziu a uma síntese para a discussão sobre o tema da mesa: “Mundo em Transição”.

    “O aspecto principal da contradição principal no mundo hoje é a luta entre imperialismo e projetos nacionais autônomos. Eu tenho total acordo com isso”, destacou Elias Jabbour, professor da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

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    Jabbour ressaltou que não existe hoje o renascimento de um bloco socialista capaz de enfrentar o capitalismo.”O que eu chamo para a reflexão quando eu falo em capitalismo e socialismo no mundo hoje, é que existe um modo de produção mundial que condiciona a existência de formações econômicas e sociais não capitalistas na sua base. Então a China é uma formação econômica e social de orientação socialista que opera sendo inclusive condicionada historicamente pela existência do capitalismo”, explicou Jabbour.

    A cientista social Ana Penido, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) sinalizou a tentativa de identificar a contradição principal como o ponto central do debate e destacou a questão nacional frente ao imperialismo, como sendo essa contradição. “Estou 100% em acordo e mais, as pessoas lutaram guerras ao redor do mundo por nações, usavam bandeiras nacionais nesses conflitos, então eu entendo que a questão nacional é sim determinante desde que ela esteja casada com a dimensão popular”.

    “A questão nacional ela se impõe”, apontou Penido, com a ressalva de que nos países europeus ela ter surgido com muita força associada com a xenofobia. “A questão nacional passou a ser vista em muitos locais como se ela tivesse automaticamente associada a práticas dessa natureza, mas a questão nacional em países de periferia é central. As grandes revoluções dos países do Sul Global foram feitas em torno de questões nacionais. Se depois elas se tornaram outra coisa, aí é outra questão.”

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    Luis Fernandes, atual diretor do Instituto de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e secretário-executivo do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) ressaltou que a contradição entre o socialismo e o capitalismo deixou de ser uma contradição principal no sistema internacional a partir da implosão do campo socialista no final do século XX, com o desmantelamento da União Soviética.

    “Ela está, do meu ponto de vista, embutida na contradiçao fundamental que é a contradição entre capital e trabalho. Mas ela enquanto contradição objetiva, material, não existe mais como era”, aponta. “A contradição principal, eu diria, é entre imperialismo e projetos nacionais anti-imperialistas, que não se apresenta com essa linguagem no mundo, mas na essência, no conteúdo são. Essa é a contradição principal e a segunda contradição é uma contradição de reserva, que são as tensões sobre as potências, sobretudo.”

    A experiência chinesa

    Elias Jabbour e Luis Fernandes durante a mesa de debate “Mundo em Transição” no Rio de Janeiro. Foto: Bia Aragão / PCdoB RJ

    Ao considerar que estamos longe de um bloco socialista que contraponha hegemonicamente o capitalismo no mundo, Elias Jabbour chamou a atenção para o fato de a China ser uma formação econômica e social de orientação socialista que “se utiliza dos marcos institucionais do capitalismo internacional” para realizar “operações estruturais no âmbito do próprio capitalismo” e realizar a lei do desenvolvimento desigual, por meio da realização de projetos nacionais autônomos.

    Além de operar uma integração produtiva total com a Rússia, Jabbour destacou que a China é um país socialista que opera a iniciativa cinturão e rota que está conectando o mundo inteiro através de portos, aeroportos, ferrovias, rodovias, etc. Além dessa integração produtiva e de infraestrutura, ele destaca que, do ponto de vista estratégico, a China é “um país socialista que entrega tendências ao desenvolvimento de países da periferia”, por ser uma grande exportadora de valores de uso.

    “Aqui a questão é darmos universalidade. A obrigação nossa é pegarmos o conceito e darmos universalidade para ele. É o socialismo que entrega isso para o mundo, ou seja, o socialismo consegue entregar para o mundo hoje não uma contrahegemonia ao capitalismo, mas tendências de desenvolvimento que podem se configurar em projetos autônomos na periferia.”

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    Luis Fernandes defendeu:

    “Temos que nos apoderar da experiência da China, porque ela é uma experiência socialista exitosa. Superou as contradições que minaram a experiência soviética e está dando ao mundo uma imagem exitosa. Nós temos que nos apoderar disso, isso é um patrimônio. É um país socialista que está gerando bem estar, desenvolvimento, está virando uma potência mundial sendo um país de orientação socialista.”

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    Essas características, ressalta Luis, não transformam a China na União Soviética do século XX:

    “Ela não está estruturando o sistema mundial alternativo ao capitalismo, embora ela seja uma experiência de orientação socialista. Ela está operando por dentro da arquitetura do sistema capitalista global existente e se aproveitando, num projeto de orientação socialista, do espaço conferido pela dinâmica do desenvolvimento desigual, porque a financeirização está levando à erosão do poder relativo das potências capitalistas centrais.”

    Soberania nacional e modelos de defesa

    A pesquisadora Ana Penido na mesa de debate “Mundo em Transição” no Rio de Janeiro. Fonte: Bia Aragão / PCdoB RJ

    Em relação ao campo da defesa, sua área de pesquisa, Ana Penido citou exemplos de como essa discussão pode ser levada para o cotidiano da população.

    “Ela vai ser manifestar na vigilância, na ampliação dos esquemas de vigilância, na militarização, na ampliação do porte de armas e na utilização da violência enquanto um método de resolução de conflitos. Isso se materializa na disputa por orçamento público.”

    Em termos da defesa brasileira enquanto uma política de Estado, Penido defende que o país precisa pensar em um modelo adaptado à sua realidade:

    “Um bom desenho de defesa é aquele que é adaptado para as riquezas e potenciais que o nosso país tem”, aponta. “Você precisa achar um desenho de força, um desenho estratégico que atenda às demandas do Brasil. Hoje o nosso parâmetro deveria ser muito mais próximo do que construiu o Irã, por exemplo em capacidade missilística, sob sanção desde os anos 1970. Porque, ali, não é tarifaço, é sanção econômica.”

    Assista a íntegra do debate: 

    A próxima etapa do Ciclo de Debates será em Salvador (BA), dia 11 de agosto, às 18h, com a mesa Mudanças estruturais para o Brasil do século XXI. Os debates são transmitidos ao vivo pela TV Grabois, no YouTube.