O Brasil atravessa um momento decisivo. Está em curso uma mudança qualitativa na situação política nacional, marcada pela agressão aberta da maior potência do mundo contra nosso país — uma ofensiva inédita em suas formas e em sua virulência. Essa conjuntura exige coesão da base social que sustenta o governo e, ao mesmo tempo, sua ampliação em direção a novos setores.
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Não se deve subestimar a ameaça: Trump tende a escalar sua ofensiva e não esconde propósitos de investir contra o regime político de nosso país. Ainda que a correlação geral de forças não tenha se alterado de forma decisiva, a luta pela soberania e democracia cria condições para transformações significativas no quadro político.
O bolsonarismo segue dispondo de uma base social resiliente. Pesquisas e mobilizações demonstram sua capacidade de resistência. Mas, ao mesmo tempo, a extrema direita carrega o peso de ser vista como traidora da pátria. Com os julgamentos em curso no STF, ela tende a ser empurrada para a defensiva, abrindo espaço para que a disputa política volte a se dar em terreno mais próprio da política do diálogo democrático, onde o presidente Lula vem demonstrando habilidade no diálogo com partidos e forças econômicas.
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Não há, entretanto, perspectiva de “união nacional”. O país enfrenta a ativa quinta-coluna da traição bolsonarista. De outra parte, setores burguesia financista bloqueiam mudanças fundamentais na política econômica, em áreas como juros e regime fiscal, que reduzem a margem de manobra interna para enfrentar a agressão e proteger a economia popular.
Ainda assim, abre-se a possibilidade de maior confluência social contra a ingerência estrangeira. Uma frente ampla de geometria variável pode se formar em torno da defesa da soberania do país, combinando interesses econômicos e sociais, do desenvolvimento e, em especial, de proteção social para a maioria do povo. Essa condução política, com visão de Estado, tem o potencial de erodir setores de parcelas do empresariado, da direita ainda democrática e da centro direita ainda vacilantes.
Nesse cenário, o fortalecimento das relações externas é estratégico. A ampliação dos laços com o Sul Global — em especial com a China e os países do BRICS — e a diversificação das parcerias comerciais ampliam o espaço da resistência ao tarifaço e afirmam a autonomia do Brasil. A atitude do governo e da política externa do país foi clara nessa direção, captando a solidariedade ativa de numerosos parceiros do país, notadamente no BRICS, e de se alinharem pela autossuficiência frente aos EUA, movimento nitidamente de caráter contra hegemônico.
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O presidente Lula já demonstrou senso histórico ao adotar medidas ousadas e necessárias. A proposta de regulação das big techs e a promoção, no Brasil, da COP 30 no país, nas quais o país joga um papel de vanguarda, são importantíssimas. Afirmou sem tergiversações a importância de negociar contratos fora do campo do dólar e fez a ativa defesa do Pix brasileiro.
Mas outros temas estarão em presença e são incontornáveis, desde a exploração e o controle sobre minérios raros à autonomia dos datacenters e satélites na Amazônia, da política e indústria de defesa nacional à redução do hiato tecnológico às atualizações exigidas da política de defesa, das trocas comerciais que dispensem o dólar à proteção das reservas internacionais.
Para a esquerda, abre-se uma chance histórica: forjar uma consciência popular enraizada na defesa da nação e, com isso, consolidar a luta democrática. Essa é a via para unificar forças progressistas, fortalecer a sua organização política e sinalizar ao povo brasileiro que há um projeto de nação alternativo à submissão ao imperialismo e ao autoritarismo. Juntos, governo e sociedade civil, as forças políticas e sociais do campo democrático e progressista, vão constituir uma força poderosa.
Essas serão lutas prolongadas, mas possibilidades históricas que se abrem. Se persistirmos com firmeza, equilíbrio e sagacidade, poderemos mudar a correlação de forças e abrir uma nova página na vida nacional, superando a narcose da polarização estéril atual. A defesa da nação e da democracia, articulada à justiça social, precisa se tornar o eixo de uma ampla frente em defesa do Brasil e de um futuro emancipatório para o povo.
Walter Sorrentino é presidente da Fundação Maurício Grabois e vice-presidente nacional do PCdoB.