Em junho, Nova York viveu um verdadeiro abalo político. O processo de prévias do Partido Democrata para a prefeitura terminou com uma vitória inesperada: Zohran Mamdani, deputado estadual da ala mais progressista, derrotou o ex-governador Andrew Cuomo e tornou-se o candidato oficial do partido para a eleição de 4 de novembro.
Aos 33 anos, Mamdani carrega uma trajetória singular: nascido em Uganda, muçulmano e morador do Queens, tornou-se símbolo de uma esquerda enraizada na diversidade e nas lutas populares da maior cidade dos Estados Unidos. Sua campanha recebeu apoio de figuras centrais da esquerda democrática norte-americana, como Bernie Sanders e Alexandria Ocasio-Cortez.
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Sua agenda é ousada: tarifa zero no transporte público, congelamento dos aluguéis, ampliação das creches públicas e criação de restaurantes populares. Todas essas medidas seriam financiadas por impostos sobre grandes fortunas. Se para a esquerda brasileira essas bandeiras são corriqueiras, para o establishment democrata soam quase revolucionárias.
Do Occupy Wall Street ao momento Sanders
O fenômeno Mamdani não surgiu do nada. Ele é fruto de um processo iniciado com a crise financeira de 2008 e a explosão do movimento Occupy Wall Street, em 2011. Sob o lema “Nós somos os 99%”, milhares de jovens ocuparam o Zuccotti Park, denunciando a desigualdade e os abusos do capital financeiro.
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Esse caldo de insatisfação abriu caminho para Bernie Sanders. Senador por Vermont e autodeclarado socialista democrático, Sanders disputou as primárias democratas de 2016, mobilizando milhões de jovens em torno de um programa redistributivo. Embora derrotado por Hillary Clinton, sua campanha recolocou a crítica ao capital no vocabulário político dos EUA e impulsionou uma reorganização progressista dentro do Partido Democrata.
A geração de Alexandria Ocasio-Cortez
Um dos primeiros frutos dessa reorganização foi a eleição de Alexandria Ocasio-Cortez em 2018. Mulher jovem, latina e do Bronx, AOC venceu pelo 14º distrito de Nova York e tornou-se uma das vozes mais fortes em defesa do Green New Deal e de um sistema de saúde universal.
É desse mesmo caldo progressista, gestado no Queens e no Bronx, que surge agora a candidatura de Mamdani.

Cartazes de campanha de Zohran Mamdani para prefeito de Nova York, colados em muro da cidade, 26/05/2025. Foto: Eden (edenpictures), CC BY 2.0 / Flickr.
A hora e a vez de Mamdani
O cenário eleitoral de novembro ainda está em disputa. O atual prefeito, Eric Adams, deve tentar a reeleição como candidato independente, após deixar o Partido Democrata. Andrew Cuomo também deve concorrer de forma independente, enquanto os republicanos lançaram Curtis Sliwa.
Nova York costuma eleger democratas, mas a grande questão é: estará a cidade preparada para um programa social-democrata radical como o de Mamdani? O ex-presidente Donald Trump já atacou o candidato, chamando-o de “lunático comunista”. Como sempre, Trump dispensa rigor conceitual: Mamdani não é comunista, mas para a direita estadunidense qualquer proposta redistributiva soa como ameaça existencial.
Se vencer, Mamdani poderá transformar Nova York em um laboratório de políticas públicas progressistas, com repercussões dentro do Partido Democrata em escala nacional. Além dele, os socialistas democráticos também apresentam Omar Fateh como candidato à prefeitura de Minneapolis. Experiências bem-sucedidas em governos locais podem ampliar a presença legislativa da esquerda em 2026 e até abrir caminho para uma candidatura presidencial de Alexandria Ocasio-Cortez em 2028.
O fenômeno Mamdani mostra que a esquerda social-democrata nos Estados Unidos, mesmo em condições adversas, tem conseguido plantar raízes, organizar base social e disputar hegemonia no coração do capitalismo global.
Theófilo Rodrigues é professor do Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da UCAM e coordenador do Grupo de Pesquisa da FMG sobre a Sociedade Brasileira.
Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial da FMG.