Trezentos bilionários brasileiros concentram R$ 2,01 trilhões, o equivalente a 17,1% do PIB nacional: é o que mostra a edição 2025 da lista anual de bilionários da Forbes Brasil, que acaba de ser publicada. O dado, impressionante por si só, torna-se ainda mais eloquente quando visto em perspectiva histórica.
Ascensão dos bilionários como fenômeno estrutural
A Forbes, revista que nasceu para promover o sucesso do capitalismo empresarial americano em meio à expansão financeira, lançou sua primeira lista mundial de bilionários em 1987. À época, muitos a consideraram uma excentricidade supérflua, quase uma frivolidade editorial. Poucos perceberam que ali se inaugurava um novo fenômeno estrutural: a ascensão dos bilionários como tipo social e expressão do rentismo em ascensão.
Naquele ano, havia apenas três brasileiros no ranking global: Sebastião Camargo, Antônio Ermírio de Moraes e Roberto Marinho. Em 2015, o número saltou para 160. Agora, em 2025, chegamos a 300. Um crescimento vertiginoso que não pode ser lido como sinal de prosperidade, mas como sintoma de transformações mais profundas da economia mundial – e da particular regressão da economia brasileira nas últimas quatro décadas.
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Riqueza aparente e vínculos frágeis com a economia nacional
À primeira vista, a lista da Forbes parece retratar um Brasil de sucesso. Eduardo Saverin, cofundador do Facebook, figura no topo com R$ 227 bilhões (nunca um brasileiro foi tão rico!). Saverin passa a imagem de um Brasil inserido no futuro, o bilionário do setor de tecnologia. Mas sua fortuna está ligada à renda gerada pela propriedade de ações de uma das big techs, na qual ele não atua desde 2005. É uma exceção, ao lado de outro caso igualmente atípico, o de Daniel de Freitas, fundador da Character.AI, vendida ao Google em 2024. Nenhum deles representa a economia nacional: ambos estão ligados a trajetórias externas, sem relação com o desenvolvimento do Brasil.
Para incautos, a lista também parece mostrar o sucesso da indústria brasileira: 36 bilionários estão ligados ao setor. Mas 32 pertencem a um único conglomerado, a WEG. Outros são ligados à Votorantim e à CSN, sobreviventes do processo de regressão industrial que o Brasil sofreu desde os anos 1980. O que a lista sugere como força produtiva é, na prática, resíduo do processo de industrialização que se encerrou há décadas.
Lida com atenção, a lista da Forbes, longe de ser uma celebração do dinamismo brasileiro, é um retrato da sua regressão.
Rentistas moldam a nova elite bilionária
A distribuição setorial dos bilionários brasileiros é eloquente: predominam as finanças, o varejo e o agronegócio. São 35 bilionários ligados às finanças (11,6% do total), 24 ao varejo (8%) e 18 ao agronegócio (6%). Três áreas que, em conjunto, remetem a uma estrutura econômica que lembra mais a República Velha do que um dos mais bem-sucedidos casos de industrialização do século XX.
O que se vê é a predominância de setores marcados pelo rentismo e voltados ao comércio de importados e à exportação de commodities, em detrimento da produção industrial mais complexa. Muito diferente do período entre 1930 e 1980, quando o Estado e a indústria lideravam a construção de um projeto nacional de desenvolvimento.
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Foi a crise da dívida, nos anos 1980, que consolidou essa inflexão histórica. Dela emergiu uma nova oligarquia do dinheiro, que se fortaleceu com o neoliberalismo desde a década de 1990. Embora a financeirização fosse uma tendência global, no Brasil ela assumiu contornos mais radicais com baixo crescimento econômico, regressão do sistema industrial, juros extorsivos, concentração bancária, privatização e mercantilização dos bens públicos. De país do futuro, o Brasil virou o dos juros e da regressão social.
O comportamento rentista se espraiou para todos os setores, convertendo empresas públicas e privadas em máquinas de geração de dividendos. E a propriedade se concentrou em fundos financeiros movidos por ganhos de curto prazo e sucessivas fusões e aquisições. O contraste com o meio século anterior é brutal: quando o investimento produtivo era a norma, a acumulação se baseava na expansão industrial e tecnológica. Hoje, como diria Schumpeter, a economia brasileira está presa a um fluxo circular de renda extraída de ativos já existentes, sem inovação e novos investimentos.
A “nova” riqueza é financeira, abstrata, despersonalizada. O bilionário contemporâneo não é mais o industrial ou o construtor, mas o cotista de fundos que diversifica ativos no Brasil e no exterior. Sua fortuna pode estar em hospitais, escolas ou cervejarias, mas sua lógica é sempre a mesma: valorização financeira de curto prazo. Jorge Paulo Lemann talvez seja o exemplo mais acabado. Nunca foi propriamente um empresário industrial, mas, desde os anos 1970, um homem das finanças, que construiu monopólios via aquisições e internacionalizou sua fortuna com a 3G Capital.
O exame da lista dos bilionários também fornece boas indicações sobre a estruturação atual da economia brasileira.
Existe um núcleo formado pelos controladores de ativos e instituições financeiras, verdadeiros condutores da economia nacional, que dominam fluxos de crédito, a dívida pública e parte da mídia.
Ao redor da oligarquia do dinheiro, há outro tipo de bilionário, ligado a empreendimentos de diversos setores que abriram o capital de suas empresas e as submeteram à lógica rentista: por terem lucros maiores que os investimentos, alocam parte relevante de seus recursos em fundos financeiros em busca de juros altos e oportunidades de aquisições. Estão conectados à “economia real”, mas operam de modo rentista.
No agronegócio, os polpudos incentivos estatais – tradicionais desde o regime militar – foram acompanhados, a partir dos anos 2000, pelo boom de commodities que transformou radicalmente o setor. A partir de 2010, a crescente presença de fundos financeiros, a especulação com terras e o papel do Estado na formação de grandes conglomerados levaram a enorme concentração e centralização do capital, criando super-ricos em todas as etapas da cadeia – insumos, produção, distribuição, processamento e comercialização.
Esses magnatas do campo comandam conglomerados verticalizados e podem ser divididos, grosso modo, em três tipos sociais:
(i) o “gaúcho” migrante do Sul para o Centro-Oeste nas décadas de 1970-80;
(ii) empresários de outros setores – finanças, varejo, saúde, educação, comunicação – que diversificaram seus ativos; e
(iii) famílias tradicionais, antigas proprietárias de terras. Na agroindústria, prevalecem grupos oligopolistas no processamento de proteína animal; no mercado de insumos, os fertilizantes; na distribuição, empresas capitalizadas por fundos.
Na indústria, os bilionários estão ligados à produção de bens de consumo correntes (alimentos, bebidas, cosméticos e calçados) e montagem, menos relevantes para a geração de riqueza e o desenvolvimento do país. Com a abertura comercial, rarearam os empresários de bens de capital, básicos, intermediários e duráveis. Parte expressiva dos novos bilionários industriais emergiu das privatizações dos anos FHC (aço, infraestrutura elétrica, telefonia, rodovias, ferrovias e portos). Outros ascenderam via IPOs ou venda de controle para fundos e multinacionais, transformando-se em rentistas, executivos ou gestores.

Crédito: Reprodução da Capa da Revista Forbes Brasil
Consumo e direitos sociais: a nova fronteira do capital financeiro
Mais recentemente, surgiu uma nova cepa de bilionários ligados ao varejo – supermercados, eletromóveis, drogarias, perfumarias, vestuário. Donos de grandes redes associadas a bancos e fundos, cresceram apoiados no alto coeficiente de importações e na venda a crédito aos mais pobres. O setor se concentrou de forma acelerada; vários grupos buscaram saltar de patamar com entrada direta nas finanças e sucessivas fusões e aquisições. Não raro, essa expansão se deu fora do eixo Rio-São Paulo, em regiões dinamizadas pelo agronegócio (basta pensar na Havan e no Grupo Mateus).
A mercantilização de bens públicos também ampliou esse mapa: grandes grupos de educação, sistemas de ensino, editoras, serviços educacionais; hospitais, laboratórios e planos de saúde; e empresas privadas de segurança (vigilância patrimonial para bancos, shoppings, escolas, condomínios) passaram a dividir controle com fundos nacionais e internacionais, convertendo direitos sociais em ativos altamente rentáveis.
Essa nova configuração econômica, comandada pela lógica rentista e centrada no setor primário e em suas exportações, alterou radicalmente as articulações setoriais da economia brasileira.
A regressão industrial, o avanço do agronegócio e o comércio varejista se acomodaram num arranjo funcional, da perspectiva de seus interesses imediatos. O aumento dos preços e da demanda internacional por commodities assegurou a geração substancial de divisas, que, por sua vez, viabilizou a enxurrada de importações que abastece o varejo brasileiro. No lugar de uma indústria nacional forte, capaz de produzir bens de consumo e de capital, o setor industrial, em conjunto com o comércio, também se alimenta de produtos importados, sustentados pelas exportações agropecuárias.
O paralelo com a República Velha é inevitável: o consumo interno voltou a depender da exportação de produtos primários. A expansão do mercado de massas se dá em cima da importação de manufaturados, que acentua a regressão do sistema industrial nacional.
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O Brasil de 2025, radiografado pela Forbes, não é o país da inovação nem da geração de riqueza, mas sim de um país capturado por uma elite rentista que concentra renda e riqueza e bloqueia qualquer horizonte de desenvolvimento. Estamos regredindo para uma economia de baixa complexidade, dependente de commodities e de importações, submetida a bilionários cosmopolitas que vivem de dividendos e aquisições. O retrato da Forbes não é o de um futuro luminoso, mas de um passado oligárquico ressuscitado, deformado e agravado pela precarização urbana e pela destruição de empregos na era da Inteligência Artificial.
Confira o ranking dos 10 maiores bilionários do Brasil em 2025, segundo a Forbes:
- Eduardo Saverin
Patrimônio: R$ 227 bilhões
Empresa: Facebook
Setor: Tecnologia - Vicky Sarfati Safra e família
Patrimônio: R$ 120,5 bilhões
Empresa: Banco Safra
Setor: Finanças - Jorge Paulo Lemann
Patrimônio: R$ 88 bilhões
Empresa: AB InBev / 3G Capital
Setor: Bebidas / Investimentos - André Santos Esteves
Patrimônio: R$ 51 bilhões
Empresa: BTG Pactual
Setor: Finanças - Fernando Roberto Moreira Salles
Patrimônio: R$ 40,2 bilhões
Empresa: Itaú Unibanco / CBMM
Setor: Finanças / Mineração - Carlos Alberto da Veiga Sicupira
Patrimônio: R$ 39,1 bilhões
Empresa: AB InBev / 3G Capital
Setor: Bebidas / Investimentos - Pedro Moreira Salles
Patrimônio: R$ 38 bilhões
Empresa: Itaú Unibanco / CBMM
Setor: Finanças / Mineração - Miguel Gellert Krigsner
Patrimônio: R$ 34,2 bilhões
Empresa: O Boticário
Setor: Cosméticos - Alexandre Behring da Costa
Patrimônio: R$ 31 bilhões
Empresa: 3G Capital
Setor: Investimentos - Jorge Neval Moll Filho
Patrimônio: R$ 30,4 bilhões
Empresa: Rede D’Or
Setor: Saúde
Fonte: Forbes — Lista dos 10 maiores bilionários do Brasil em 2025
Marilia Tunes é doutora em Desenvolvimento Econômico pelo Instituto de Economia da Unicamp, mestre em Política Científica e Tecnológica pela mesma instituição e graduada em Ciências Econômicas e em Relações Internacionais pela FACAMP, onde atualmente coordena o curso de Relações Internacionais e atua como docente. Suas áreas de pesquisa incluem desenvolvimento socioeconômico, economia brasileira, desigualdade social e padrões de consumo.
Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial da FMG.