O Estatuto Digital da Criança e do Adolescente – ECA Digital será sancionado nesta quarta-feira (17) pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O projeto de lei (PL 2628/2022) que dispõe sobre a proteção de menores de 18 anos em ambientes digitais, como as redes sociais, foi aprovado no final de agosto pelo Congresso Nacional.
Os parlamentares se movimentaram para votar o projeto do senador Alessandro Vieira (MDB) após o vídeo produzido pelo influenciador Felipe Bressanim, o Felca, denunciar a “adultização” de crianças nas redes sociais.
Renata Mielli, coordenadora do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) avalia que a denúncia de Felca teve um papel fundamental, mas ressalta que houve um amadurecimento na sociedade brasileira sobre essa discussão que possibilitou a aprovação da proposta. Ela aponta outros fatores para a mobilização social sobre o tema como o impacto da série Adolescência, do Netflix, que recebeu seis estatuetas na premiação do Emmy Awards no domingo (14), e da medida adotada pelo governo federal de restringir o uso de celulares nas escolas.
A coordenadora do CGI.br destaca:
“É um projeto muito importante porque nós temos um problema real envolvendo o uso abusivo de telas, estimulado pela dinâmica de negócios dessas plataformas, envolvendo crianças e adolescentes, que têm uma hipossuficiência enorme em relação a essas plataformas, não têm condição crítica de identificar conteúdos que são nocivos a elas.”
Entenda o ECA Digital
O Estatuto Digital da Criança e do Adolescente entra agora na etapa de regulamentação. A adoção de ferramentas de controle parental e verificação de idade dos usuários, assim como a remoção imediata de conteúdos relacionados a abuso ou exploração infantil, com notificação às autoridades, estão entre os principais pontos da nova legislação que tem por objetivo proteger crianças e adolescentes de conteúdos relacionados à pornografia, incentivo ao suicídio, bullying e jogos de azar.
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Para onde avança a modernidade tecnológica
Responsável pela produção dos principais indicadores sobre o uso da tecnologia de informação e comunicação da sociedade brasileira, o CGI.br acompanhou a tramitação do projeto de lei desde sua origem no Senado Federal e apresentou contribuições para o texto aprovado.
Ansiedade, perda de qualidade de sono, obesidade infantil vinculada ao sedentarismo por uso de tela, redução de desempenho escolar e questões relacionadas à sociabilidade estão entre as questões relacionadas ao uso inapropriado de telas por crianças e adolescentes no Brasil. “Tem uma série de impactos no comportamento em razão de, nessa fase da vida, o sistema cognitivo das crianças está em fase de amadurecimento. São impactos que a gente tem visto objetivamente para além daqueles extremos como o suicídio”, destaca Renata Mielli.
Entenda os principais pontos da lei

Infográfico explica os principais pontos do ECA DIgital. Crédito: Fundação Maurício Grabois
Controle parental
As plataformas de redes sociais devem garantir a vinculação das redes sociais de crianças e adolescentes de até 16 anos a um responsável. As empresas deverão disponibilizar configurações e ferramentas acessíveis para apoiar a supervisão parental, de forma que os responsáveis possam acompanhar o conteúdo acessado pelas crianças e adolescentes e limitar o tempo de uso desse público às plataformas.
As configurações-padrão das ferramentas de supervisão parental devem adotar o mais alto nível de proteção disponível, assegurando restrição de comunicação, limitação de recursos que induzem uso excessivo, acompanhamento do uso saudável, controle sobre sistemas de recomendação, restrição de geolocalização, promoção de educação digital, revisão de IA e recursos de suporte emocional.
Pais e responsáveis devem ter acesso a controles que permitam configurar e gerenciar a conta da criança, definir regras de privacidade, restringir compras e transações financeiras, além de identificar os perfis de adultos com quem seus filhos interagem. Na ausência de conta vinculada aos responsáveis legais, os provedores deverão impedir qualquer alteração que reduza o nível das configurações de supervisão parental.
Uso de imagem de crianças e adolescentes
Pais, responsáveis e pessoas que obtenham benefício financeiro com a produção ou distribuição de conteúdos digitais que envolvam crianças e adolescentes têm o dever de impedir sua exposição a situações que violem os direitos previstos no ECA. A lei reforça que a responsabilidade não recai apenas sobre as plataformas, mas também sobre quem publica ou monetiza esse tipo de conteúdo.
Publicações que exponham crianças e adolescentes de forma vexatória, que favoreçam sua sexualização, estimulem comportamentos nocivos ou violem sua privacidade podem gerar responsabilização civil e administrativa. Canais, influenciadores e marcas que utilizem a participação de menores em conteúdos digitais devem adotar salvaguardas legais, garantir a autorização expressa dos responsáveis e respeitar o princípio do melhor interesse da criança.
Um exemplo emblemático é o caso do influenciador Ytalo Santos, preso por exibir crianças e adolescentes em situações vexatórias e sexualizadas em seus conteúdos digitais. Suas práticas foram reveladas em vídeo do criador Felca, que denunciou a “adultização” de menores nas redes sociais.
Verificação de idade
As plataformas devem adotar medidas eficazes para impedir o acesso de crianças e adolescentes a conteúdos, produtos ou serviços impróprios, inadequados ou proibidos para essa faixa etária. Isso inclui a adoção de mecanismos confiáveis de verificação de idade a cada acesso, vedada a autodeclaração.
Provedores de lojas de aplicações e sistemas operacionais devem tomar medidas proporcionais, auditáveis e tecnicamente seguras para aferir a idade ou faixa etária dos usuários. Independentemente das medidas de sistemas operacionais e lojas de aplicações, os fornecedores devem implementar mecanismos próprios para impedir o acesso indevido de crianças e adolescentes a conteúdos inadequados.
Remoção de conteúdo
Conteúdos relacionados a abuso sexual, sequestro, aliciamento ou exploração, devem ser removidos pelas plataformas digitais, que ficam encarregadas de notificar imediatamente as autoridades competentes, tanto nacionais quanto internacionais em relação a esses crimes.
Denúncias
As plataformas devem disponibilizar mecanismos de notificações de violações aos direitos de crianças e adolescentes. Assim que comunicados por vítima, representantes, Ministério Público ou entidades de defesa de direitos, independentemente de ordem judicial, as empresas devem proceder à retirada deste conteúdo.
O usuário que publicou conteúdo considerado abusivo deve ser notificado com antecedência, recebendo a justificativa dessa decisão e deve ser informado se a análise que considerou aquele conteúdo abusivo foi feita por um sistema automatizado ou por uma pessoa. A plataforma também deve oferecer um mecanismo que permite a contestação sobre a remoção do conteúdo.
Mecanismo contra denúncias abusivas
Se uma denúncia for feita de forma abusiva, o autor poderá sofrer sanções, incluindo a suspensão temporária ou até a perda da conta em casos de denúncias falsas recorrentes. “Sabemos que existe um comportamento malicioso nas redes sociais coordenado e às vezes também impulsionado por contas automatizadas que podem gerar um processo de notificação enviesada para remover conteúdos de caráter político, para fins religiosos, ou seja, o uso malicioso da notificação para atingir objetivos específicos de determinado grupo na remoção de conteúdos”, aponta a coordenadora do CGI.br.
Transparência e prestação de Contas
Provedores de aplicações de internet com mais de 1 milhão de crianças ou adolescentes devem publicar relatórios semestrais contendo informações sobre canais de denúncia, quantidade de denúncias, moderação de conteúdo, medidas de identificação de contas infantis e ilícitos, aprimoramentos técnicos para proteção de dados e privacidade, aprimoramentos para aferir consentimento parental, e resultados de avaliações de impacto e gerenciamento de riscos.
Devem viabilizar o acesso gratuito a dados para pesquisas sobre os impactos de seus produtos e serviços nos direitos de crianças e adolescentes por instituições acadêmicas, científicas, tecnológicas, de inovação ou jornalísticas.
Representante legal
As empresas devem manter representante legal no país com poderes para receber citações, intimações, notificações e responder perante órgãos e autoridades.
Jogos Eletrônicos
São vedadas as caixas de recompensa em jogos direcionados a crianças e adolescentes. Jogos com interação entre usuários devem observar integralmente as salvaguardas de moderação de conteúdo, proteção contra contatos prejudiciais e atuação parental sobre mecanismos de comunicação. Devem, por padrão, limitar funcionalidades de interação, assegurando o consentimento dos pais ou responsáveis legais.
Publicidade e perfilamento
A publicidade direcionada a crianças e adolescentes já é proibida pelo Lei nº 8.069, de 13 de Julho de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Agora, passa a ser proibida também no ambiente digital. A nova legislação proíbe as plataformas de direcionar publicidade para crianças e adolescentes, assim como o perfilamento, que compreende qualquer forma de tratamentos de dados pessoais para avaliar aspectos que possam classificá-la de acordo com seu comportamento, situação econômica, saúde, preferências pessoais, interesses e desejos de consumo.
“Isso é importante porque a dinâmica e o modelo de negócios dessas plataformas está baseado na coleta de dados para perfilamento comportamental e direcionamento de publicidade”, destaca Renata Mielli:
“Um dos problemas que nós temos é exatamente esse tipo de dinâmica de envio de conteúdo a partir de dados comportamentais, que podem gerar propensão à discriminação, discurso de ódio e uma série de outras coisas.”
Mieli considera a proibição do perfilamento como um dos aspectos mais importantes da lei, pois extrapola o ambiente da publicidade e destaca que a privacidade em relação aos dados de crianças e adolescentes é uma característica que perpassa todo o texto. De acordo com a Lei, a coleta e o uso dos dados pessoais devem ocorrer apenas para garantir a prestação do serviço, seja para os serviços de tecnologia, seja para os produtos voltados à proteção da criança, como as aplicações de controle parental, ficando vedado o seu tratamento para qualquer outro propósito.