Já ouviu falar em Swift?
O Swift, cuja sigla significa Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication, foi fundado em 3 de maio de 1973, com 239 bancos, como uma cooperativa societária por bancos norte-americanos e europeus, com sede em Bruxelas, na Bélgica. A organização era pouco conhecida do público em geral até o início da exclusão de instituições financeiras russas em março de 2022.
Do banco à geopolítica: o papel estratégico do Swift
Agora, ganhou fama como arma geopolítica dos Estados Unidos contra seus inimigos. Tornou-se um instrumento crucial para o sistema financeiro internacional, após o rápido aumento das transações financeiras que ocorreram com o fim dos acordos de Bretton Woods em 1971. Quando começou a operar em 1977, a rede já contava com 518 instituições. No entanto, há certa confusão a respeito do que é realmente a ferramenta.
O Swift é um sistema de mensagens – daí o “T” de Telecommunication em sua sigla – utilizado entre instituições financeiras, incluindo os bancos centrais; não movimenta dinheiro, pois não é um sistema de pagamentos. A rede envia mensagens de instruções de pagamento por meio de códigos Swift específicos, minimizando os custos de tradução e confirmação da identidade de seus clientes. Segundo o Swift, 90% das transações alcançam os bancos beneficiários em 60 minutos. Logo, ele fornece um serviço fundamental aos sistemas de pagamentos em todo mundo, sem, no entanto, se confundir com eles.
No próprio site da empresa está o alerta:
“Embora facilitemos a transferência de valor em todo o globo, na verdade não movemos dinheiro. A nossa função principal é ser um sistema de mensagens seguro que ajuda instituições financeiras a enviar instruções de pagamento. A transferência real de fundos ocorre através de bancos, fintechs e outras instituições.”i (tradução própria)
Atualmente a rede é o maior sistema de mensagens financeiras do mundo, compreendendo mais de 11.500 participantes em mais de 200 países e territórios. Assim, está claro que nenhuma instituição financeira pode sair voluntariamente do Swift, sem que isso acarrete enormes custos ou mesmo inviabilize suas transações. Isso acontece porque as alternativas conhecidas até agora são mais caras, menos eficientes e menos seguras.
Irã e Rússia: exclusão do Swift como punição econômica
A Rússia não foi o primeiro país a ter parte considerável dos seus bancos excluída do Swift. Em 2012, Washington coordenou uma ação multilateral para intensificar as sanções financeiras contra o Irã. A razão principal foi a preocupação da comunidade internacional com o programa nuclear iraniano e o objetivo era forçar que o Irã renunciasse ao seu programa. Como resultado, um número desconhecido de bancos iranianos, incluído o banco central do país, foram desconectados do Swift.
Porém, pelo tamanho da sua economia (11ª economia do mundo), o caso da Rússia é realmente extraordinário. Em março de 2022, as maiores instituições financeiras russas, com dezenas de subsidiárias no exterior, foram excluídas do Swift, fazendo com que suas atividades no sistema de pagamentos da Zona do Euro, o Trans-European Automated Real-time Gross Settlement Express Transfer System (TARGET) praticamente cessassemii. Em consequência, a obtenção de financiamento de bancos e empresas petrolíferas russas nos mercados ocidentais, que já era difícil, na prática se tornou impossível.
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Comunicado do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, de fevereiro de 2022, aponta que as instituições financeiras russas transacionavam diariamente no mercado de câmbio global cerca de US$ 46 bilhões, 80% das quais em dólares. Somente as duas maiores instituições financeiras, a Public Joint Stock Company Sberbank of Russia (Sberbank) e a VTB Bank Public Joint Stock Company (VTB Bank), compunham mais da metade do sistema bancário russo em ativosiii. Assim, as exportações de energia, a qual o país é muito dependente, não puderam mais ser liquidadas em dólares nem em euros.
Apesar da severidade das sanções, até o momento a Rússia tem enfrentado relativamente bem o ataque sobre sua economia. Em 2024, a taxa de inflação ficou em 9,5% e o crescimento do PIB em 4,3%, segundo a agência estatística estatal russa Rosstat. Nada mau para um país em guerra e sob sanções. Em grande parte, a resiliência russa parece refletir a forte aproximação com a China. É aí que entra em cena o Cross-Border Interbank Payment System (CIPS) da China.
Estratégia chinesa de internacionalizar sua moeda
O CIPS foi concebido em 2012 e criado em outubro de 2015 como um sistema de liquidação e compensação de pagamentos para transações que usam a moeda chinesa, o renminbi, contribuindo para o financiamento da Iniciativa Cinturão e Rota (BRI) e para a internacionalização do renminbi. “Onde há RMB, há serviço CIPS” é um dos objetivos da CIPS Co., Ltd, empresa que administra o sistema chinês sob supervisão direta do Banco do Povo da China (PBoC, em inglês), banco central chinês.
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Conforme o site oficial do CIPS são 1.707 participantes, dos quais 176 diretos e 1531 indiretos. Destes, 564 estão na China Continental. Apenas os participantes diretos se conectam diretamente ao sistema CIPS para compensar e liquidar transações, enquanto os indiretos precisam designar um participante direto para realizar essas operações.
A criação de um sistema como o CIPS não é trivial. Os pagamentos internacionais são muito complexos, já que incluem conversões de moeda, regimes tributários distintos etc. Mas ao contrário do que muitos têm mencionado, o CIPS não visa ser uma alternativa ao Swift, pois, como vimos, este não é um sistema de pagamentos. Além disso, o CIPS ainda depende muito do Swift para realizar a maioria das suas transações. É difícil saber o quanto, mas dois pesquisadores da divisão de pesquisa econômica e de mercados do ANZ Bank, Raymond Yeung e Khoon Goh estimaram que em torno de 80% dos pagamentos via CIPS utilizam mensagens Swiftiv.
China x EUA: sistemas de pagamento em disputa e o caso da Rússia
O CIPS, em verdade, concorre diretamente com o Clearing House Interbank Payments System (CHIPS), dos Estados Unidos, que é o maior sistema de pagamentos em dólar no mundo. Neste contexto, observa-se uma disparidade significativa entre os dois sistemas. Enquanto o CIPS registra aproximadamente 33.000 transações diárias, totalizando um valor de aproximadamente RMB 695,4 bilhões (US$ 97,4 bilhões), o CHIPS movimenta uma quantia substancialmente maior, atingindo a marca de US$1,8 trilhãov.
Desde abril de 2022, antes mesmo da guerra contra a Ucrânia, a Rússia já aceitava o renminbi em pagamento pelas exportações de petróleo e carvão para a China por meio do CIPS. Agora, sem acesso aos sistemas de pagamentos ocidentais, o sistema de pagamento chinês se tornou uma alternativa essencial para a economia russa.
📊 Quadro Comparativo – Swift, CIPS e CHIPS
Sistema
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⚙️ Função principal
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💱 Moeda
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📌 Controle
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📈 Alcance / Volume
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🛠️ Papel geopolítico
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Swift | Rede de mensagens financeiras (não movimenta dinheiro) | Multimoeda | Bélgica / UE (forte influência dos EUA) | +11.500 instituições em 200 países | Usado como arma de sanções |
CIPS |
Liquidação em renminbi (RMB); sistema chinês de pagamentos
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RMB | Banco do Povo da China | +1.700 participantes (176 diretos, 1.531 indiretos – 2025) | Reduz dependência do dólar. Fortalece o comércio China–Rússia |
CHIPS | Pagamentos internacionais em dólar | USD | EUA (The Clearing House) | Movimenta US$ 1,8 trilhão/dia | Base da hegemonia global do dólar; rival direto do CIPS |
O peso da economia chinesa e os limites do Swift
Claramente a China vem burlando as sanções ocidentais à Rússia. Dessa forma, pergunta-se: a China poderia ser também excluída do Swift? A resposta é não.
Apesar da forte influência do governo norte-americano sobre o Swift, ela é uma empresa sediada na Bélgica, sujeita à legislação da União Europeia (UE). Tanto no caso da Rússia como do Irã e da Bielorrússia – esta última também teve alguns dos seus bancos excluídos da rede após o início da guerra na Ucrânia – a decisão de exclusão foi aprovada pela UE. Por sua vez, a China é a segunda maior economia do mundo, maior exportadora e segundo maior importadora de mercadorias, e os quatro maiores bancos do mundo em ativos são chineses. As consequências negativas para a economia mundial seriam incalculáveis caso isso acontecesse.
Porém, a China não está livre de sanções econômicas de outras espécies. Daí que iniciativas como o CIPS e outros sistemas de pagamentos por meio de moedas digitais, como vem se discutindo, ampliam a capacidade de promover seu comércio e investimento pelo mundo, como a parceria com a Rússia tem demonstrado. E isso é obviamente benéfico não apenas para a China.
Marcelo Fernandes é doutor em Economia pela Universidade Federal Fluminense (UFF/RJ). Professor Associado IV do Departamento de Economia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), onde também atua no Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Inovação em Agropecuária (PPGCTIA). É professor do Programa de Pós-Graduação em Economia Política Internacional (PEPI) da UFRJ. Atualmente, está cedido ao Instituto Pereira Passos, na Coordenadoria de Projetos Especiais, e realiza estágio pós-doutoral na UFRJ com pesquisa sobre a internacionalização do renminbi. É membro do Grupo de Pesquisa Desenvolvimento Nacional e Socialismo (GP1) da Fundação Maurício Grabois.
Notas
i SWIFT. “Who we are”, 2025.
ii DROTT, Christian et al. “Lower TARGET2 payment flows due to EU sanctions against Russia”. Research Brief , 55th edition, February 2023.
iii U.S Department of Treasury. U.S. Treasury Announces Unprecedented & Expansive Sanctions Against Russia, Imposing Swift and Severe Economic Costs, Press Releases, February 24, 2022.
iv YEUNG, Raymond e KHOON Goh. 2022. “Petroyuan não trará uma mudança de regime em breve” ANZ Research, China Insight.
v CHIPIS. About CHIPS, 2025.