Algodão veste, movimenta e alimenta – O algodão é um exemplo das transformações da agricultura brasileira, com base na industrialização de insumos e produtos. Há 25 anos, o Brasil era um dos maiores importadores de algodão. Hoje, se tornou o maior exportador. Nas últimas décadas ocorreu uma revolução tecnológica na produção e geografia do algodão, antes ancorado no semiárido nordestino, São Paulo e Paraná. A cotonicultura mudou seu perfil e o das regiões produtoras. Passou da produção familiar individual para a empresarial e de cooperativas.

Na safra 2024/2025, o Brasil se consolidou como líder global nas exportações de algodão, com 2,678 milhões de toneladas, superando os Estados Unidos (2,460 milhões) e a Austrália (1,176 milhões). Fonte: Associação Nacional dos Exportadores de Algodão (Anea), com informações do relatório do USDA – United States Department of Agriculture (novembro/2024).
Os cerrados do Mato Grosso e Bahia respondem por 89% da produção. Até o Maranhão desponta como exportador. Em 2024, a área cultivada aumentou 37,8% e a safra foi de 3,9 milhões de toneladas de pluma. Novo recorde. O algodão abastece mais de 30 mil empresas e gera 1,5 milhão de empregos. Poucos cultivos têm tanta atividade industrial na sua montante e jusante.
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O principal destino das exportações do algodão brasileiro é a Ásia, maior parque têxtil do planeta. De agosto de 2024 a julho de 2025, o País embarcou 2,83 milhões de toneladas de pluma, 6% a mais em relação a 2023/24. A exportação é superior à dos 14 países exportadores da África juntos. Gerou uma receita de US$ 4,8 bilhões. Essa liderança nas exportações não compromete o abastecimento interno, o das indústrias têxteis brasileiras. O consumo doméstico é quase 750 mil toneladas. A produção nacional atende ambos os mercados, interno e externo, com segurança.
Entre os principais destinos, estava a China, mais de 30% do exportado para 31 países. Neste ano houve uma redução da ordem de 60% das importações da China devido à excepcional colheita no país. Hoje, o principal importador é o Vietnã (19%). Seguem Paquistão (17%), China (16%), Turquia, Bangladesh, Indonésia, Malásia, Coreia do Sul, Tailândia e até Índia.

Processo de fabricação de fios de algodão na Cooperfibra Fios, em Campo Verde (MT), durante visita do Programa de Intercâmbio AgroBrazil, 30/03/2022. Foto: Wenderson Araujo/Trilux/CNA/Flickr.
Principal fibra têxtil natural, o algodão é uma planta de aproveitamento completo. Além da pluma, há o caroço, rico em proteína, linter e óleo. Os resíduos de colheita servem de ração animal. Tudo exige processamento industrial. O Brasil possui cerca de 250 usinas de beneficiamento do algodão ou algodoeiras, com capacidade de tratar 100% da produção em fardos prontos para uso industrial. A maioria delas está localizada nas propriedades e pertence aos fazendeiros. Isso reduz o custo de transporte e agrega valor.
O algodão brasileiro é transgênico. Mais de 95% do algodão plantado são de variedades transgênicas. Seu uso apresenta vantagens agronômicas, econômicas, sociais e ambientais: redução no número e na quantidade de defensivos; diminuição na depreciação dos equipamentos; economia no uso de combustíveis fósseis; redução das emissões de CO2; aumento da população de inimigos naturais das pragas e menos perdas. Tecidos de algodão (vestuário, máscaras, roupas, cama e mesa) são transgênicos.
Os resultados financeiros justificam o uso de sementes transgênicas: elas ampliam a margem de 10 a 12% no algodão. Isso reflete a combinação da redução no custo de produção com o aumento na produtividade. Se em qualquer lavoura as plantas transgênicas reduzem o gasto com defensivos químicos, a maior redução ocorre no algodão: 15 a 20% por hectare.
A Embrapa Territorial demonstrou: a produção do algodão está concentrada no bioma Cerrado, em área muito reduzida. Dos mais de 1.000 municípios dos cerrados, oito já garantem 50% da produção total e 19 alcançam 75%! Nos cerrados mato-grossenses e baianos estão mais de 89% da produção.

Produção de algodão no bioma Cerrado em 2022. Fonte: Embrapa Territorial, a partir da Produção Agrícola Municipal (PAM/IBGE – 2022).
Os cotonicultores não descuidam da sustentabilidade, rastreabilidade e certificação. O Brasil é o maior fornecedor de algodão sustentável do planeta. Essa sustentabilidade da cotonicultura é atestada pelo programa Algodão Brasileiro Responsável (ABR), desde 2013. Essa certificação da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa) traz 178 itens dos principais requisitos da legislação nacional e internacional, incluindo todas as exigências do Código Florestal Brasileiro. Atualmente, 85% da produção nacional de algodão é certificada por altos padrões sociais, ambientais e em boas práticas agrícolas, exigidos pelo protocolo do programa ABR.
Cada associação estadual de produtores de algodão possui um departamento de sustentabilidade, com agrônomos, técnicos agrícolas e de segurança no trabalho. Eles orientam as fazendas no programa de sustentabilidade. Nas visitas de verificação, todos os itens sociais, ambientais e de boas práticas são vistoriados um a um. As auditorias são anuais, individuais e realizadas por empresas certificadoras independentes.
Os cotonicultores mantêm um programa de rastreabilidade. Cada fardo de algodão produzido recebe uma etiqueta com sequência numérica única, como um RG. Assim, 100% dos fardos são rastreados pelo Sistema Abrapa de Identificação (SAI), com QR codes e códigos de barras padronizados pela GS1 Brasil. Através do rastreamento no site da Abrapa, o comprador consegue as informações daquele fardo: safra de produção, produtor, fazenda, se é certificado ABR, qual o laboratório responsável pela análise do fardo e características analisadas da fibra. Em matéria de sustentabilidade e comprovação, ninguém compete com a cotonicultura brasileira.
O ganho de escala das grandes plantações, a alta mecanização e a adoção de tecnologias de ponta resultaram nas maiores produtividades de algodão do mundo. Ao produzir fibras e sementes com alto teor de óleo e proteína, o algodão atende indústrias têxteis, alimentícias e de rações animais.
A produção brasileira de fibra de algodão é utilizada pela indústria nacional na confecção de tecidos, calças jeans, camisas, camisetas, uniformes, roupas de cama e banho etc. O Brasil está em bons lençóis: essa indústria movimenta mais de 175 bilhões reais/ano. A fibra entra até em notas de real (garantia contra falsificação). No mundo, cerca de 25 milhões de toneladas ou 25% da fibra vêm do algodão. O poliéster, a principal fibra processada no planeta, é um subproduto do petróleo e tem um rastro de problemas ambientais.
Do caroço, se extrai a torta e o óleo. A torta é destinada à alimentação animal, assim como os resíduos da colheita (capulhos, folhas, frações de caule etc.), na alimentação de bovinos, sobretudo em confinamento. O óleo, processado e refinado, é comestível e serve na cozinha. É o sexto óleo vegetal mais consumido no mundo. Além de fibras e alimentos, o algodão produz combustível renovável: 55% do total do óleo bruto é destinado à produção de biodiesel. Movimenta ônibus, caminhões, barcos e tratores. Ajuda a reduzir as emissões de CO2 de origem fóssil. Desde 1º de agosto de 2025, o percentual de biodiesel (origem vegetal e animal) no diesel é de 15% (B15).
De forte base industrial, o algodão é um produto agrícola essencial na vida do brasileiro: veste, alimenta e movimenta o seu cotidiano. Poucos se dão conta. Pior, alguns combatem o agronegócio do algodão com narrativas sem fundamento na realidade.
Diante dos problemas nacionais, o algodão tenta flutuar acima de tudo, feito pluma. Cotonicultores venceram desafios do passado, com inovações tecnológicas, ganhos de escala, investimentos em maquinário moderno, qualificação de mão de obra, melhoramento genético e novos processos industriais, de gestão, certificação e comercialização.
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Boa parte dos cotonicultores também produz soja e milho. Sua fibra e a do algodão, trazem a esperança de uma política futura, hoje inexistente: a promoção de mais parques regionais de indústrias têxteis e confecções. É triste: a cada minuto, toneladas de algodão brasileiro retornam ao país, como roupas e vestuários confeccionados na Ásia. O Brasil é a antítese do parque têxtil asiático. Sobra imposto, falta logística. Sobram leis, falta segurança jurídica. Algodão não falta, nem faltará. Seria bem melhor exportar algodão em roupas e não apenas em fardos. Não?
Evaristo de Miranda é agrônomo, com mestrado e doutorado em ecologia pela Universidade de Montpellier. Com mais de 1.400 publicações no Brasil e exterior, é autor de 56 livros, como “Tons de Verde – A Sustentabilidade da Agricultura Brasileira” (em português, inglês, árabe e mandarim). Pesquisador da Embrapa de 1980 a 2023, coordenou mais de 40 projetos e dirigiu três centros nacionais de pesquisa. Membro da Academia Nacional de Agricultura, foi eleito Agrônomo do Ano em 2021. Sua produção científica e artigos estão disponíveis no site: evaristodemiranda.com.br.
Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial da FMG.