Professor Yu Kongjian, da Universidade de Pequim, o campesino que reinventou as cidades, faleceu tragicamente em um acidente de avião no Brasil. Ele era um dos arquitetos paisagistas e planejadores urbanos mais renomados da China. Ficou conhecido internacionalmente por desenvolver o conceito de “Cidades-Esponja”, que propõe soluções baseadas na natureza — como zonas úmidas, corredores verdes e superfícies permeáveis — para controlar enchentes e tornar as cidades mais resilientes.
Natural de Jinhua, Zhejiang, nasceu em 1963. Ele obteve seu mestrado em horticultura pela Universidade Florestal de Pequim em 1987 e doutorado em design pela Universidade de Harvard em 1995. Após retornar à China em 1997, fundou a Escola de Arquitetura e Design de Paisagem da Universidade de Pequim, onde foi o primeiro diretor. Além disso, fundou a Turenscape, uma renomada agência de design nacional.
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Yu foi fundador e primeiro diretor da Escola de Arquitetura e Paisagismo da Universidade de Pequim, além de fundador da Turenscape, uma das empresas de arquitetura paisagística mais influentes da China. Ele defendia a ideia de que o paisagismo é a “arte da sobrevivência”, relacionando o design ecológico ao bem-estar social, e suas ideias aplicadas como política publica em diversas cidades da China.
Sua trajetória é marcada por reconhecimento global de suas contribuições para a arquitetura paisagística. Recebeu prêmios como o Prêmio Oberlander (2023), o IFLA Sir Geoffrey Jellicoe Award (2020) e o Cooper Hewitt National Design Award (2023). Entre seus projetos mais conhecidos estão o Parque da Faixa Vermelha em Qinhuangdao, o Parque Qijiang em Zhongshan e o Kunming Greenway, celebrados por unir restauração ecológica e design de espaços públicos.

Parque da Faixa Vermelha, criado por Yu Kongjian e sua equipe da Turenscape, transforma a paisagem ribeirinha de Qinhuangdao (China) em espaço público sustentável. Crédito: Divulgação/Turenscape – Red Ribbon Park Project
Cidades-Esponja
O conceito de Cidades-Esponja, desenvolvido pelo professor, propõe soluções sustentáveis para os desafios urbanos contemporâneos. Em vez de depender apenas de infraestrutura cinza, como canais e tubulações de concreto, a abordagem utiliza processos naturais para gerenciar a água da chuva. Superfícies permeáveis, zonas úmidas, lagoas e parques alagáveis permitem absorver, armazenar e filtrar a água, reduzindo enchentes e recarregando aquíferos.
Além dos benefícios hídricos, as Cidades-Esponja contribuem para a melhoria da qualidade da água, a mitigação das ilhas de calor e a preservação da biodiversidade, criando novos habitats em meio urbano. Também favorecem o bem-estar social ao transformar áreas ecológicas em espaços de lazer e convivência.

Zona de proteção verde construída ao longo de rio propenso a inundações na cidade-esponja de Qian’an, em Hebei (China). Foto: Mu Yu/Xinhua
Segundo Yu, essa estratégia representa não apenas uma resposta aos impactos das mudanças climáticas, mas também uma nova forma de integração entre cidade e natureza, gerando qualidade de vida e sustentabilidade econômica a longo prazo.
Origem de suas ideias
O professor Yu encontrou sua inspiração para suas ideias de planejamento urbano e para o conceito de Cidades-Esponja nas próprias raízes e vivências. Nascido em uma vila rural na província de Zhejiang, cresceu em meio a campos de arroz, terraços e sistemas tradicionais de irrigação.
Desde cedo, observou como essas paisagens agrícolas funcionavam como verdadeiras “esponjas naturais”, absorvendo e armazenando a água da chuva, ao mesmo tempo em que protegiam as comunidades contra enchentes. Essa experiência pessoal o marcou profundamente e formou a base de sua visão sobre a relação entre cidades e natureza.
Além disso, Yu recorria à filosofia tradicional chinesa, que valoriza a harmonia entre ser humano e ambiente, e à noção de “seguir as leis da natureza” (道法自然). Mais tarde, durante seu doutorado em Harvard, ele entrou em contato com teorias modernas de design ecológico. A fusão entre tradição, experiência e ciência deu origem à sua abordagem inovadora.
Pensamento crítico
Sobre o pensamento crítico do professor, recomenda-se a entrevista para Ma Qianbin, na qual Doutor Yu Kongjian criticava o urbanismo contemporâneo, a superficialidade, o mecanicismo e a perda da organicidade nas cidades. Ele disse:
O primeiro princípio é servir às pessoas, colocar as pessoas em primeiro lugar, que é a razão mais fundamental. Sob esse princípio, sua escala — por exemplo, a escala de um edifício, a escala das ruas, a escala dos bairros — deve girar em torno das pessoas.
O segundo princípio é que a cidade deve ser econômica. Ou seja, ao construir a cidade, é preciso pensar se ela é econômica e se possui custo-benefício.
O terceiro princípio é que a cidade deve ter sua ecologia. Ela deve ser eficiente em termos de energia, ambientalmente amigável e verde. A cidade é eficiente, econômica e respeita a natureza? Ventilação natural, iluminação natural, água natural, zonas úmidas naturais, vegetação natural, sistema de wetlands, aproveitamento da água da chuva etc. Por que o ar está cada vez pior? Porque não respeita a natureza: o vento não circula, as pessoas não podem caminhar, consome muita energia e não é ambientalmente amigável.
O quarto princípio é que a cidade deve ser cultural e significativa. Se houver história, a cidade precisa ter memória, história, cultura, o que, em última análise, gera um sentido de pertencimento e identidade para as pessoas. A cidade deve ter pertencimento e identidade, como se fosse minha própria, com conotações culturais, pertencimento e identidade.
Passagem pelo Brasil
O renomado arquiteto paisagista teve passagem marcante pelo Brasil, onde dialogou com autoridades, urbanistas e pesquisadores sobre soluções sustentáveis para os desafios urbanos. Em conferências e encontros com o governo, ele apresentou sua abordagem como alternativa às infraestruturas tradicionais, enfatizando que cidades como São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ), Porto Alegre (RS) e Recife (PE) poderiam ser adaptadas a modelos que “abraçam a água” por meio de parques alagáveis, superfícies permeáveis e zonas úmidas.
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Yu discutiu especialmente as enchentes de 2024 no Rio Grande do Sul, a maior catástrofe climática do estado, que afetou mais de 60% do território e causou 183 mortes. Ele destacou que soluções naturais não apenas mitigam danos econômicos, mas também fortalecem a resiliência urbana e melhoram a qualidade de vida.
No dia 23 de setembro, no Brasil, o professor Yu Kongjian faleceu tragicamente em um acidente aéreo. Também estavam a bordo o cineasta brasileiro Luiz Ferreira, o diretor de documentários Rubens Crispin e o piloto Marcelo Pereira de Barros. Nenhum dos ocupantes sobreviveu quando o pequeno avião caiu na cidade de Aquidauana, na região do Pantanal, em Mato Grosso.
O professor dr. Faith Ka Shun Chan, Chefe da Escola de Ciências Geográficas da University of Nottingham Ningbo China (UNNC), é especialista em gestão sustentável de riscos de enchentes, adaptação climática e resiliência urbana em megacidades costeiras da Ásia, lamentou profundamente a morte de Yu Kongjian e destacou que, apesar de seu falecimento, o legado do professor continuará a inspirar o planejamento urbano sustentável na China, no Brasil e no mundo.
J. Renato Peneluppi Jr. é advogado com doutorado em Administração Pública pela HUST 华中科技大学 (China). Coordenador do Núcleo do Partido dos Trabalhadores (PT) na China. Fellow em think tanks como o Beijing Club.
Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial da FMG.