Do ataque nazista às agressões de Trump: a luta pela soberania
A agressão sofrida pelo Brasil na Segunda Guerra Mundial, quando submarinos alemães afundaram 32 navios mercantes e mataram 1.081 brasileiros entre fevereiro e agosto de 1942, foi um ponto de virada. O país, sob o governo de Vargas no Estado Novo, até então mantinha relações com a Alemanha e debateu-se entre a neutralidade, defendida por generais como Góes Monteiro e Eurico Dutra, e o alinhamento aos Aliados, bandeira do chanceler Oswaldo Aranha.
Ruy Castro em Trincheira Tropical, relata como o clamor popular, inflamado pelos afundamentos, foi decisivo:
“Provocaram, sem querer, algo muito importante: a volta às ruas da opinião pública brasileira.”
Da guerra à industrialização: a soberania em disputa
A pressão das ruas levou o Brasil à guerra, com os Aliados, resultando na criação da FEB, na visita do presidente Roosevelt em 1943 e na conquista estratégica da Usina de Volta Redonda, base para a industrialização nacional.
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Diz Ruy Castro:
“Não era fácil romper com a Alemanha, como se pode pensar. O fato é que os afundamentos de navios geraram imensa ira popular [e] provocaram, sem querer, algo muito importante: a volta às ruas da opinião pública brasileira (negrito meu). Grupos agora se formavam, promoviam reuniões, lançavam manifestos e discutiam política nos cafés, restaurantes, esquinas.”
O resto é conhecido: o Brasil formou com os Aliados na guerra com grande apoio popular, o presidente Roosevelt dos EUA visitou o país em 1943, foi formada a Força Expedicionária Brasileira, que combateu na Itália, e foi descortinado o passo gigantesco pela industrialização nacional, pela visão de estadista de Getúlio Vargas, ao conquistar na aliança com Roosevelt a siderurgia nacional em Volta Redonda, hoje Usina Presidente Vargas – a maior indústria siderúrgica do Brasil e da América Latina.
A derrota do nazifascismo abriu caminho também para a redemocratização no Brasil, mas a eleição de 1946 levou ao poder o general Dutra, que alinhou o país aos EUA na Guerra Fria, cassando o PCB em 1947, que havia obtido expressivo crescimento nas urnas. O episódio histórico revela um desafio permanente: a dificuldade de sustentar um caminho soberano e a autonomia estratégica frente a vulnerabilidades externas.
O fato histórico é que naquela quadra histórica, a questão da nação teve acolhimento e clamor na sociedade. Esse legado ressoa ainda hoje, quando o Brasil é alvo de ataques neofascistas de Donald Trump e de setores internos que a ele se associaram, numa flagrante traição nacional.
Multipolaridade e os desafios da soberania no presente
O contexto hoje é de um mundo em transição para a multipolaridade, que abre janelas de oportunidade para um novo ciclo de desenvolvimento soberano no Brasil. O subdesenvolvimento e a condição semiperiférica do Brasil nas cadeias globais de produção seguem presentes, em um contexto muito competitivo no mundo.
Lições incontornáveis da história indicam que Democracia e Soberania são indissociáveis. O destino colocou hoje a luta contra as forças golpistas internas e externas no mesmo campo de enfrentamento.
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A soberania é a substantivação da democracia, porque é condição para o desenvolvimento e elevação do padrão de vida dos brasileiros. É preciso construir maior autonomia estratégica do país. Isso é um projeto, exige um plano nacional, seja na dimensão contingente — o conflito com os EUA pode escalar —, seja no plano estrutural, com reformas que deem um vetor consistente e persistente à nação.
O reposicionamento das alianças internacionais sob o governo Lula indica uma direção. No plano concreto, consolidar esse caminho dependerá da capacidade de transformar a consciência de nação, de soberania nacional em projeto político viável, ligando-a à democracia e ao progresso social. Há quanto tempo não se fala de nação no cotidiano da sociedade, na mídia, na literatura? É um preço que se pagou pela dependência ao neoliberalismo cosmopolita (supostamente progressista) que grassou nas quatro últimas décadas.
No plano social e político, isso reclama reconstruir uma maioria social no país com apoio da mobilização popular, e base para uma maioria política. A indignação com ataques à soberania é combustível formidável. Sem força popular, o ciclo progressista que já alcançou a quinta vitória presidencial não se sustenta e o Brasil não pode se dar ao direito de ser “areia solta”, como dizem os chineses, que o vento leva aonde quiser e não para onde é necessário.
Walter Sorrentino é presidente da Fundação Maurício Grabois e vice-presidente nacional do PCdoB.
Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial da FMG.