As Lições das Revoluções no Século das Transições Capitalistas e do início da construção do Socialismo – Parte 1
Homenagem aos 100 anos da Invencível Coluna Prestes
O Século XX, da crise do fim do Capitalismo Liberal, da ascensão do Capitalismo Monopolista e Imperialista e seu Fascismo e do nascimento do Socialismo e suas imprescindíveis lições.
O século XX, durante a vida de Prestes, foi palco de duas macro transições do capitalismo. Ele, e os comunistas brasileiros, estiveram no olho do furacão de ambas.
Vladimir Lenin retratou a Primeira Guerra Mundial como a culminação inevitável das contradições do capitalismo em sua fase “superior” e final: o imperialismo. Para ele, a guerra não foi um acidente ou erro de cálculo, mas um produto direto e necessário da lógica do sistema imperialista.
A principal obra na qual Lenin desenvolve essa análise é O Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo (1916), escrita durante a própria guerra. Sua tese central é que a guerra era imperialista (ou seja, uma guerra entre grandes potências pela repartição do mundo, pelos monopólios e pelas colônias) e não uma guerra de defesa nacional ou por ideais.
As duas grandes guerras mundiais foram fruto da contradição interimperialista, responsável central pelo surgimento dos regimes fascistas nos países imperialistas.
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O fim do período do capitalismo colonial e liberal faz surgir a fase do capitalismo monopolista-imperialista e de seu fascismo. O fascismo é o regime inevitável da fase imperialista, de sua decadência, estagnação e gigantesca concentração de riqueza e socialização da miséria, como previsto por Josef Stalin em seu último pronunciamento durante o XIX Congresso do PCUS em outubro de 1952.
“Seria um erro pensar que nosso partido, tendo adquirido enorme força, não mais precisasse de apoio. Isso é falso. Nosso partido e nosso país sempre precisaram e precisarão da confiança, da simpatia e do apoio dos povos irmãos estrangeiros.
A peculiaridade desse apoio consiste em que cada partido irmão, ao apoiar as aspirações pacifistas de nosso partido, demonstra também estar apoiando a luta de seu próprio povo pela manutenção da paz.
Em 1918-1919, durante a agressão armada da burguesia inglesa à União Soviética, o operariado inglês, ao organizar a luta contra a guerra sob o slogan “Tirem as mãos da Rússia”, apoiou, antes de tudo, a luta de seu povo pela paz, e só depois a União Soviética. O camarada Thorez ou o camarada Togliatti, ao declararem que seus povos não guerrearão contra os povos da União Soviética, estão apoiando, antes de tudo, os operários e camponeses da França e da Itália que lutam pela paz, e só depois as aspirações pacifistas soviéticas.
A peculiaridade desse apoio mútuo explica-se pelo fato de os interesses de nosso partido não contradizem, mas, pelo contrário, confundem-se com os dos povos amantes da paz. No que concerne, pois, à União Soviética, seus interesses são totalmente inseparáveis da causa da paz mundial.
Naturalmente, nosso partido não pode permanecer em dívida com os partidos irmãos e deve também, por sua vez, apoiar a eles e a seus respectivos povos na luta por sua libertação e pela manutenção da paz. Como se sabe, é assim mesmo que ele procede.
Após nosso partido ter conquistado o poder em 1917 e ter tomado medidas efetivas para liquidar o jugo capitalista e latifundiário, os representantes dos partidos irmãos, admirados pela bravura e pelos êxitos de nosso partido, conferiram-lhe o título de “Brigada de Choque” do movimento revolucionário e operário mundial. Com isso, eles manifestaram a expectativa de que os êxitos dessa “Brigada de Choque” aliviassem a situação dos povos afligidos pelo jugo do capitalismo.
Penso que nosso partido correspondeu a essas expectativas, sobretudo durante a Segunda Guerra Mundial, quando a União Soviética, destroçando a tirania fascista alemã e japonesa, libertou os povos da Europa e da Ásia do perigo da escravidão fascista.
Obviamente, era muito difícil desempenhar essa honrosa função enquanto havia uma única “Brigada de Choque”, obrigada a exercer seu vanguardismo quase na solidão. Mas isso é passado. Hoje a situação é completamente outra: tendo surgido, da China e da Coreia até a Tchecoslováquia e a Hungria, novas “brigadas de choque” na forma de países democrático-populares, a luta tornou-se mais fácil para nosso partido, e até mesmo o trabalho seguiu mais alegre.
Merecem atenção especial os partidos comunistas, democráticos ou operário-camponeses que ainda não chegaram ao poder e continuam atuando sob o tacão das leis draconianas burguesas. Obviamente, para eles é mais difícil atuar(7*). Entretanto, não é tão difícil quanto era para nós, comunistas russos, nos tempos do tsarismo, quando os mínimos progressos eram fortemente criminalizados. Todavia, os comunistas russos resistiram, não temeram as dificuldades e alcançaram a vitória. A mesma coisa ocorrerá a esses partidos.
Por que, em todo caso, para esses partidos não será tão difícil atuar, em comparação com os comunistas russos do período tsarista?
Em primeiro lugar, porque eles têm diante dos olhos os exemplos da luta e dos êxitos da União Soviética e dos países democrático-populares. Eles podem, portanto, aprender com os erros e acertos desses países e, assim, facilitar sua atuação.
Em segundo lugar, porque a própria burguesia, principal inimiga do movimento emancipador, mudou drasticamente, tornou-se mais reacionária, perdeu seus vínculos com o povo e, assim, enfraqueceu-se. Naturalmente, essa situação também deve facilitar a atuação dos partidos revolucionários e democráticos.
Antes, a burguesia permitia-se posar de liberal, defendia as liberdades democrático-burguesas e, assim, angariava popularidade junto às massas. Hoje não resta um vestígio sequer desse liberalismo. Não existem mais as assim chamadas “liberdades individuais”: os direitos individuais só são reconhecidos aos donos do capital, e os demais cidadãos são considerados matéria humana bruta, útil apenas para ser explorada. O princípio da igualdade de direitos entre as pessoas e as nações foi pisoteado e substituído pelo princípio da plenitude de direitos a uma minoria de exploradores e de sua ausência à maioria explorada dos cidadãos.
A bandeira das liberdades democráticas burguesas foi jogada fora. Penso que cabe a vocês, representantes dos partidos comunistas e democráticos, recolhê-la e conduzi-la adiante, se vocês querem atrair para si a maioria do povo. Não há mais ninguém que possa fazê-lo.
Antes, a burguesia julgava-se líder das nações, cujos direitos e independência defendia e colocava “acima de tudo”. Hoje não resta um vestígio sequer desse “princípio nacional”: a burguesia vende por dólares os direitos e a independência das nações.
A bandeira da independência e da soberania nacionais foi jogada fora. Não há dúvida de que cabe a vocês, representantes dos partidos comunistas e democráticos, recolhê-la e conduzi-la adiante, se vocês querem figurar como os patriotas de seus países e tornar-se a força dirigente das nações. Não há mais ninguém que possa fazê-lo.
É assim que a situação apresenta-se atualmente.
Naturalmente, todas essas circunstâncias devem facilitar a atuação dos partidos comunistas e democráticos que ainda não chegaram ao poder.
Há, portanto, todos os motivos para contar-se com o êxito e a vitória dos partidos irmãos nos países dominados pelo capital.”
Na busca incansável e insaciável pelo lucro máximo e concentração da propriedade privada, sem lograr superar o caos e a anarquia do desenvolvimento desigual e, apesar da verticalização crescente dos meios de produção, o imperialismo é incapaz de superar a falta de planejamento centralizado de toda a economia. Trava e desorganiza, sempre que avança a centralização dos monopólios privados, o desenvolvimento das forças produtivas, ao tentar sufocar o mercado com práticas monopolistas, como o controle de preços artificialmente elevados e o arrocho sem limites sobre os trabalhadores, e intermináveis guerras de rapina pelo controle de reservas minerais e pela supressão, pela força, dos seus concorrentes.
A prática de arrochar salários e retirar direitos, para buscar superar a concorrência entre os próprios monopólios e contornar a lei da redução crescente da taxa de lucro, conduz inevitavelmente a que no plano político tratem de golpear a democracia e o regime de direitos sociais, para impor pelo fascismo um regime de “escravidão” e miséria para as amplas massas de trabalhadores no mundo.
O fascismo não é, pois, um fenômeno marginal do sistema de dominação imperialista, é assim decorrência central da incapacidade do capitalismo, em sua fase imperialista, de conviver com a livre concorrência nos mercados, com a democracia e com a soberania dos povos e Nações, é parido nas suas entranhas, na contradição interimperialista, na crise terminal do capitalismo monopolista, acelerando sua superação histórica, a inevitável busca de liberdade e emancipação das Nações da violenta opressão a que são submetidos.
O Fascismo não é provocado pelo surgimento do socialismo ou da liberdade dos povos e Nações, pelo contrário. A Democracia, a Liberdade, a Soberania e o Socialismo são o caminho para a sua superação, para a libertação da Humanidade do regime Fascista dos monopólios imperialistas decadentes, são o caminho para o desenvolvimento pacífico das forças produtivas e da civilização, para o bem estar de todos e a sustentabilidade do Planeta.
Guerra como consequência necessária do imperialismo
Lenin via a guerra como inevitável num sistema onde economias nacionais são dominadas por monopólios que competem ferozmente pelo domínio mundial.
“A guerra de 1914-1918 foi imperialista (isto é, uma guerra de conquista, de pilhagem, de rapina) por parte de ambos os lados; era uma guerra pela repartição do mundo, pela partilha e repartição das colônias, das ‘esferas de influência’ do capital financeiro, etc.” (O Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo)
“A guerra não é um acidente, não é um ‘pecado’ como pensam os padres… mas uma etapa inevitável do capitalismo, uma forma tão natural da vida capitalista como a paz.” (O Socialismo e a Guerra)
Papel decisivo belicista do capital financeiro e dos monopólios
Para Lenin, a economia havia se transformado. O capital industrial fundiu-se com o bancário, formando o “capital financeiro”, controlado por uma oligarquia que ditava a política externa.
“O imperialismo é o capitalismo na fase de desenvolvimento em que ganhou corpo a dominação dos monopólios e do capital financeiro, adquiriu marcada importância a exportação de capitais, começou a partilha do mundo pelos Trusts internacionais e terminou a partilha de todo o território do planeta entre os países capitalistas mais importantes.” (O Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo)
“A exportação de capitais, uma das bases econômicas mais essenciais do imperialismo, acentua ainda mais a ruptura completa com o setor da população trabalhadora que tem à sua cabeça a burguesia chauvinista.”
Luta pelas colônias, territórios, mercados e a repartição do mundo
A competição não era mais apenas por mercados, mas pelo domínio político e econômico direto sobre territórios, levando a conflitos inevitáveis entre as potências.
“O que caracteriza o imperialismo é precisamente a tendência para anexar não apenas os territórios agrários, mas mesmo os mais industriais… porque a partilha desses territórios força a que se recorra à guerra.”
“O capitalismo já se tornou um sistema universal de opressão colonial e de estrangulamento financeiro da imensa maioria da população do planeta por um punhado de países ‘avançados’. E a partilha dessa ‘presa’ é o que está por trás das guerras imperialistas.”
“A frase ‘defesa da pátria’ na guerra atual é uma frase burguesa para enganar o povo… Pois a guerra é uma guerra pela partilha das colónias e pelo saque de territórios alheios.” (O Socialismo e a Guerra)
Para Lenin, a única saída era a revolucionária nos países imperialistas, era transformar a Guerra Imperialista em luta contra a burguesia imperialista desses países e a insurreição e tomada do poder pelo proletariado e o campesinato. Argumentava que a única saída progressista para a carnificina imperialista era os trabalhadores de todos os países imperialistas virarem suas armas contra sua própria burguesia e fazer a revolução.
“A consigna do ‘defensismo revolucionário’ é uma traição ao socialismo. O dever dos socialistas é transformar a guerra imperialista em guerra civil.” (Teses sobre a Guerra)
“A transformação da guerra imperialista em guerra civil é a única palavra de ordem proletária justa.”
Para Lenin:
- Causa Fundamental: A guerra foi causada pela natureza do imperialismo, a fase monopolista do capitalismo.
- Motor da Guerra: A luta entre trustes e monopólios de diferentes nações, que se fundiram com o Estado, para redividir o mundo e as esferas de influência.
- Caráter da Guerra: Inerentemente reacionária de ambos os lados (Aliados e Potências Centrais). Não havia “lado bom” para a classe trabalhadora.
- Tarefa dos Revolucionários: Denunciar o caráter imperialista da guerra, condenar a socialdemocracia traidora e trabalhar para converter a guerra entre nações em uma guerra de classes contra a burguesia imperialista de seus países.
Para Lenin, a Primeira Guerra Mundial não foi uma aberração, mas a expressão mais clara e violenta das contradições internas do capitalismo imperialista, confirmando a necessidade urgente da sua derrubada pela revolução proletária.
Lenin aplica esta diretriz e lidera a primeira revolução socialista, vence e organiza a união das Repúblicas Socialistas Soviéticas na URSS em 1917.
Inglaterra e França em decadência da sua hegemonia colonial impõem a “Humilhação” do Tratado de Versalhes
Subestimada, sobre o período entre-guerras, a aliança que conecta diretamente a Primeira Guerra Mundial, a crise da dívida alemã e a ascensão dos EUA à hegemonia financeira global e, indiretamente, a instabilidade que permitiu o surgimento do nazismo, faz parte da tentativa de esconder ou atenuar as verdadeiras origens do Fascismo.
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O Tratado de Versalhes, imposto pela Grã-Bretanha, França e outros aliados, foi percebido pelos alemães como uma Diktat (um ditame, uma imposição), e não uma negociação. Suas cláusulas foram sentidas como profundamente humilhantes:
- Culpa de Guerra (Artigo 231): O tratado forçou a Alemanha a aceitar total responsabilidade por causar a guerra. Isso foi uma ferida profunda no orgulho nacional, manipulado pelo nazi fascismo de Hitler.
- Desmilitarização: O exército alemão foi drasticamente reduzido (apenas 100.000 homens), foi proibido de ter aviação militar, tanques e submarinos, e a Renânia (região fronteiriça com a França) foi desmilitarizada.
- Perdas Territoriais: A Alemanha perdeu todas as suas colônias no exterior e cerca de 13% de seu território europeu, incluindo áreas vitais como Alsácia-Lorena (para a França) e partes da Prússia Ocidental (para o recém-criado Estado polonês), criando o “Corredor Polonês” que separou a Alemanha Oriental do resto do país.
- Reparações Econômicas Colossais: O valor das reparações de guerra, fixado em 1921 em 132 bilhões de marcos-ouro, era astronômico e projetado para estrangular a economia alemã por décadas.
Este artigo faz parte da série As Lições das Revoluções no Século das Transições Capitalistas e do início da construção do Socialismo, publicada em 4 capítulos.
Miguel Manso é pesquisador do Grupo de Pesquisa sobre Desenvolvimento Nacional e Socialismo da Fundação Maurício Grabois. Engenheiro eletrônico formado pela USP, com especialização em Telecomunicações pela Unicamp e em Inteligência Artificial pela UFV, é diretor de Políticas Públicas da EngD – Engenharia pela Democracia.