Representei o PCdoB em delegação oficial, na condição de vice-presidente nacional, recebido com protocolo de Estado para as comemorações do 80.º aniversário do Partido do Trabalho da Coreia.
Por três intensos dias, conheci a capital Pyongyang, seus museus, monumentos e um povo em festa. Surpreende sua vitalidade e afluência, muita gente pelas ruas, menos carros, limpeza impecável, jardins e arborização extensa, rede de metrô bem articulada. Pagamentos digitais já tiraram o dinheiro de circulação, é um Pix autenticamente coreano, tudo pelos celulares.
Um povo ameno e discreto, mas orgulhoso de seu senso de nação e pertencimento; altivo, disciplinado e educado em cada gesto, sinceramente hospitaleiro. Foi um agradável convívio e aprendizado.
Em uma viagem tão breve, não se alcança investigar a fundo a realidade econômica, mas foi possível constatar o alto nível de parceria estratégica da Coreia com Rússia e China, além das sólidas relações com Vietnã e Laos, entre muitos outros.
O que mais impressiona são as conquistas sociais visíveis em todos os terrenos — saúde, educação e moradia gratuitas; mobilidade urbana com modernos ônibus elétricos; estímulo público à cultura e às artes, onde ninguém paga impostos; e extrema atenção às crianças. Lá não se veem mendigos, moradores de rua, crianças abandonadas, maltrapilhos ou favelas.
A indústria é a maior força econômica, seguida pelos serviços e pela agricultura. A única limitação que sentimos foi o acesso à internet, ainda restrito — ao menos para estrangeiros.
O pensamento de Kim Jong Un e a estratégia socialista
No dia 10 de outubro, o líder Kim Jong Un proferiu um discurso solene que delineou a estratégia contemporânea do Partido do Trabalho da Coreia (PTC) e da República Popular Democrática da Coreia (RPDC). Numa parada militar, diante de cerca de 100 mil pessoas, celebrou a trajetória do partido e o papel do povo coreano na construção do socialismo, prestando homenagem às gerações fundadoras que “operaram uma revolução transcendental para o destino do país e do povo, levantando um prestigiado e poderoso Estado socialista”.
O líder recordou “o transcurso de uma guerra encarniçada para rechaçar a invasão armada da aliança imperialista e salvaguardar o território e a dignidade da pátria”, exaltando a construção socialista como um feito coletivo e duradouro.
Ao mencionar o colapso do socialismo na URSS e no Leste Europeu, Kim Jong Un destacou que a RPDC se viu obrigada a preservar sua ideologia e regime, desenvolvendo simultaneamente a economia e as forças armadas nucleares frente à crescente ameaça norte-americana. Atribuiu à intransigência do PTC e do governo coreano o mérito de fortalecer o bloco progressista mundial que se opõe à guerra e ao hegemonismo.
Kim Jong Un concluiu:
“Todos os acontecimentos importantes que garantem a vitória e o êxito da causa são protagonizados pelo grande povo coreano — seus trabalhadores, agricultores e intelectuais.”
A ideia Juche permanece como a ideologia reitora dessa trajetória e expressão do fervor revolucionário do país.
Resistência, soberania e autodeterminação
Uma batalha persistente quando se fala da República Popular Democrática da Coreia é a ideológica — quando o país é acusado de isolacionismo. Quase nunca se menciona a circunstância nevrálgica de um povo submetido, há décadas, ao bloqueio e à ameaça de agressão militar imperialista.
O que é preciso pôr no lugar certo é a legitimidade do povo coreano e seus dirigentes do Partido do Trabalho da Coreia e do governo fazerem suas próprias opções nacionais — políticas, ideológicas, estratégicas e geopolíticas — numa história milenar sujeita a múltiplas pressões externas.
Autênticos e originais com sua ideologia Juche — segundo a qual o povo é o senhor da nação, e nação e povo se fundem sob o socialismo —, mas universalistas em prol de um humanismo radical oriundo também do marxismo-leninismo, os coreanos genuinamente se orgulham de seus feitos, escolhendo seus próprios caminhos e formas de organização.
Tal saga histórica, que ainda se processa no presente, só pode merecer respeito pela bravura com que lutam pela sua autodeterminação, pela soberania e pelo Estado socialista.
Quais são as atuais experiências socialistas no mundo? Veja o que diz Elias Jabbour:
A saga revolucionária coreana
Quando se fundou o PTC, em 1945, a Segunda Guerra Mundial ainda prosseguia. O Japão seguia ocupando diversos países — entre eles, a Coreia. O Exército Revolucionário Popular da Coreia, sob a direção de Kim Il Sung, às vésperas da ofensiva da URSS contra o Japão, deu início a uma grande investida contra os invasores, criando Comitês Populares em toda parte.
Com a rendição do Japão, o poder passou para as mãos dos Comitês Populares, e foi instalada em Seul, sob um governo provisório, a República Popular da Coreia. Desrespeitando a autodeterminação do povo coreano, os Estados Unidos ocuparam o Sul da península, dissolveram os Comitês Populares, prenderam em massa seus membros e impuseram não apenas um governo vassalo, mas também a divisão da Coreia em 15 de agosto de 1948 — transformando-a em base militar contra China e Rússia.
Em resposta, foi proclamada no Norte, em 9 de setembro de 1948, a República Popular Democrática da Coreia (RPDC). Formou-se um governo sob a liderança do PTC e da Frente Democrática para a Reunificação da Pátria, dirigido por Kim Il Sung — um dos grandes personagens da história revolucionária mundial.
O PTC levou a cabo uma obra impressionante em meio a imensas vicissitudes. Foi promulgada a reforma agrária, estabelecida a jornada de 8 horas, proibido o trabalho infantil, instituída a igualdade de direitos entre o homem e a mulher, criado o ensino gratuito e obrigatório e erradicado o analfabetismo. Foram expropriadas sem indenização as propriedades industriais, comerciais, bancárias e de transporte pertencentes a japoneses, pró-japoneses e traidores da nação, preservando-se, porém, os bens de pequenos e médios empresários patriotas.
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Os desafios para o entendimento da Revolução Coreana
Deram-se grandes avanços sociais e um pujante desenvolvimento econômico. A mais imperiosa das dificuldades, entretanto, foi a Guerra da Coreia. A RPDC enfrentou o poderio militar norte-americano e uma coalizão de mais quinze nações, às quais a ONU — manipulada pelos EUA — emprestou a sua bandeira. Após três anos de guerra de extermínio, que custou a vida de 20% da população norte-coreana, os Estados Unidos foram forçados a aceitar o Armistício de Panmunjom em julho de 1953.
O “Armistício” nunca evoluiu para um tratado de paz — culpa exclusiva dos EUA, que mantiveram o clima de tensão na península para justificar sua presença militar. Mesmo ameaçada de novo ataque, a RPDC empreendeu uma reconstrução nacional admirável, enfrentando as maiores dificuldades, especialmente após a queda da URSS e o colapso do bloco socialista europeu.
Nos anos 1990, sob as injunções desse cenário, as agruras foram pesadas. Mas os coreanos do Norte reagiram bravamente, mantendo alta a bandeira da autossuficiência e da autodefesa nacional. Mostraram fibra para não se abater pela pressão por isolamento, tomando em suas próprias mãos — e com suas próprias forças — o destino de um país moderno, de alta tecnologia, onde a miséria foi erradicada e todos têm assegurados trabalho, moradia, educação, alimentação e saúde.
Hoje, apesar do cerco diplomático imposto pelos EUA, a RPDC mantém relações com 160 países, incluindo o Brasil desde 2001.
Coreia no novo cenário multipolar
No novíssimo quadro geopolítico multipolar que se abre, as relações com China, Rússia, Vietnã e Laos têm se intensificado, em proveito recíproco. O Partido do Trabalho da Coreia é, mais que nunca, indispensável para se somar à luta internacional contra as pressões neocoloniais e as ameaças de guerra do sempre presente imperialismo norte-americano.
É a esse partido — hoje sob a liderança de Kim Jong Un, neto de Kim Il Sung — que se presta homenagem por ocasião dos 80 anos de fundação, como expressão de solidariedade ao povo coreano e ao êxito de sua construção econômica, política, social e cultural.
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A delegação brasileira contou também com o Partido dos Trabalhadores (PT), representado pelo deputado estadual por São Paulo Mário Maurici, além de outros nove brasileiros oriundos do meio acadêmico, residentes na China e militantes de movimentos de solidariedade à Coreia Popular.
Fui assistido permanentemente pelo Sr. Pak Jin, do Departamento Internacional do PTC, e pela Sra. Choi Kyong Hui, intérprete e professora de português da Universidade de Estudos Estrangeiros de Pyongyang.
No dia 8 de outubro, participamos do Ato de Homenagem aos líderes da revolução coreana, realizado no Palácio do Sol Kumsusan. O imponente edifício, cercado por majestosos jardins, abriga o mausoléu de Kim Il Sung — fundador do PTC e presidente do país — e de seu filho, Kim Jong Il, que o sucedeu na liderança. Durante os dias de celebração, milhares de pessoas visitaram o local.
No Museu da Revolução Coreana, com a história da luta pela libertação nacional contra os japoneses, a fundação do PTC e da RPDC, até os dias atuais, passando pelas três gerações de líderes Kim Il Sung, Kim Jong Il e Kim Jong Un.
No hotel em que fomos hospedados, recebeu-nos em almoço de boas-vindas pelo chefe do Departamento Internacional do Comitê Central do PTC, Kim Song Nam. Ele saudou os laços de amizade, apoio e colaboração entre nossos partidos na luta pela independência das massas populares e afirmou:
“A revolução coreana, em seu longo percurso, erigiu um novo país — o Estado socialista de independência política e autodefesa nacional — sob a causa socialista e a liderança do respeitado líder Kim Jong Un.”
Mais tarde, visitamos ainda o Palácio de Alunos e Crianças Mangyongdae, cuja arquitetura tem a forma de um “abraço de mãe”. No espaço se realizam atividades em diversas áreas da arte e da cultura, e assistimos a várias delas, com a participação de centenas de crianças.

Walter Sorrentino, presidente da Fundação Maurício Grabois, ao lado de uma aluna do Palácio de Alunos e Crianças Mangyongdae, em Pyongyang (Coreia Popular). Durante a aula de arte da escrita, a estudante escreveu a mensagem “Homenagem ao Partido”. Visita ocorreu durante as celebrações dos 80 anos do Partido do Trabalho da Coreia. 09/10/2025. Crédito: Arquivo pessoal / Reprodução
Também conhecemos a Escola Central dos Quadros do PTC, instituição largamente prestigiada. O mural com as fotos de Marx e Lênin, em destaque no edifício, expressa a orientação marxista-leninista que norteou a revolução e a construção do socialismo na Coreia Popular. Suas instalações são modernas, com equipamentos, auditórios e salas de pesquisa e ensino de alto nível.
Uma caminhada noturna levou-nos à iluminada e recém-construída Avenida da Zona Hwasong, parte de um intenso programa de urbanização e construção de moradias em Pyongyang. Cada empreendimento oferece cerca de 5 mil novas habitações. Um programa semelhante, intitulado 20+10, está em curso nas províncias.
Nas cercanias da capital, visitamos a Casa Natal de Mangyongdae, onde viveram os avós de Kim Il Sung. Foi dali que ele partiu, aos 14 anos, para integrar-se à luta contra a colonização japonesa. O local é venerado pelos coreanos.
Entre os locais mais impressionantes, destaca-se o Museu Estatal de Presentes, uma monumental edificação que abriga presentes recebidos pelos líderes Kim Il Sung, Kim Jong Il e Kim Jong Un, expostos em 140 salas. Ali ficarão também os presentes oferecidos pelo PCdoB: uma escultura representando um pé de pau-brasil, criação da designer e artista plástica Ana Paula, e o livro iconográfico dos 100 anos do Partido Comunista do Brasil. Ele foi entregue protocolarmente em visita de cortesia ao presidente do Comitê Permanente da Assembleia Popular Socialista, o Congresso da RPDC, o Sr. Choi Ryong Hae. Ele pronunciou palavras calorosas às delegações presentes.
Ao final do segundo dia, assistimos às apresentações culturais no Estádio Primeiro de Maio — uma festa popular pelos 80 anos do PTC, com 100 mil pessoas. Um espetáculo digno de cerimônia olímpica, num .
No último conhecemos o Complexo de Estufas de Kangdong, uma moderna “fazenda” de produção hidropônica de hortifrutis que abastece Pyongyang, com 100 alqueires de área cultivada.
No trajeto, pudemos constatar como o 10 de outubro é reverenciado pela população, que saudava nossa comitiva nas calçadas. Nesse dia, o Estado libera os restaurantes da cidade para que as famílias almocem gratuitamente. Há muita gente passeando nas ruas.
Nos encontramos também com o embaixador brasileiro na RPDC, Felipe Fortuna, e sua esposa, U Yang Son, de origem sul-coreana.
O mais solene evento do dia se deu na sede do PTC, onde as delegações foram recebidas para um banquete com mais de 600 convidados, na presença de Kim Jong Un e de dirigentes internacionais de países como China, Rússia, Vietnã e Laos, Nicarágua e Guiné Equatorial, México e vários outros.
Encerramos a visita com a imponente parada militar. A exibição de armamentos modernos demonstram a capacidade de dissuasão e autodefesa do país.

Desfile militar em Pyongyang celebra os 80 anos do Partido do Trabalho da Coreia. Na imagem, o Kim Jong Un aparece de costas, saudando as tropas durante a passagem de veículos militares. Crédito: KCNA / Reprodução
O PTC e o povo da República Popular Democrática da Coreia
O Partido do Trabalho da Coreia representa um exemplo singular de resistência nacional e coesão ideológica. Seu povo, forjado pela luta contra a dominação estrangeira, construiu — sob o socialismo — uma sociedade de dignidade, autossuficiência e orgulho nacional.
É um povo de bravos.
Walter Sorrentino é presidente da Fundação Maurício Grabois e vice-presidente nacional do PCdoB.
Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial da FMG.