O SOCIALISMO COM CARACTERÍSTICAS CHINESAS: O PAPEL DOS PLANOS QUINQUENAIS
O Comitê Central do Partido Comunista da China (PCCH) esteve reunido entre 20 e 23 de outubro para avaliar as principais conquistas de desenvolvimento do país durante o período do 14º Plano Quinquenal (2021-2025) e deliberar sobre a formulação do 15º Plano Quinquenal de Desenvolvimento Econômico e Social. A partir de seis princípios orientadores, o debate e o detalhamento das propostas seguem num processo que culminará com a deliberação final das chamadas “Duas Sessões” – as reuniões anuais do Congresso Nacional do Povo (CNP) e da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês (CCPPC), previstas para março de 2026.
Planejamento Chinês: Da CCPPC ao Novo Plano Quinquenal
O processo de elaboração dos planos resulta de análises e proposições coordenadas pela Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma (NDRC), que consolida sugestões com base em contribuições de ministérios, especialistas, empresas e governos locais, além de consultas abertas ao público.
Enquanto a maioria dos países do mundo segue um modo errático de planejamento econômico – fazendo, refazendo e desfazendo o que foi feito antes, ao sabor dos ventos do mercado e dos interesses das elites dominantes, alguns países optam por outro caminho.
Planejamento estatal e continuidade histórica
Este caminho alternativo foi aberto pela revolução soviética e na atualidade com características próprias é adotado por Cuba, Laos, Coreia do Norte, Vietnã e China, todos orientados por perspectivas específicas de socialismo. Uma das políticas que os distingue das economias capitalistas é justamente o planejamento centralizado conduzido pelo Estado, com metas quinquenais e estratégias de desenvolvimento de longo prazo.
Ao concluir o 14º Plano Quinquenal, no final de 2025, a China terá consolidado a mais longa experiência contínua de planejamento estatal já implantada em um país socialista – sendo oito planos executados após o lançamento da política de Reforma e Abertura, que deu nova orientação ao socialismo chinês. Em setenta anos de planejamento (com um intervalo entre 1963 e 1965), a China supera a experiência da União Soviética, que iniciou seus planos em 1928, chegando a elaborar treze — dois deles não concluídos: o terceiro (1938–1941), interrompido pela guerra, e o décimo terceiro (1991-1995), suspenso pelo colapso da própria URSS.
O planejamento estatal centralizado foi concebido originalmente como uma contraposição à anarquia da produção, isto é, às crises de superprodução ou de desabastecimento características do regime de mercado capitalista. Seu objetivo era tornar a economia mais previsível, especialmente com a adoção da propriedade pública dos meios de produção. Implantado em economias atrasadas, o novo sistema tinha como tarefa fundamental realizar a acumulação socialista primitiva, extraindo excedentes do setor agrícola para financiar a industrialização pesada – e os Planos Quinquenais foram instrumentos essenciais para esse propósito.
A exemplo da Iugoslávia, Hungria e Tchecoslováquia, a China também teve a influência soviética na elaboração dos seus planos quinquenais. O 1º Plano Quinquenal (1953-1957) contou com a assistência técnica da União Soviética, e esse modelo prevaleceu até o 5º Plano, concluído em 1980. Este período foi marcado por uma transição decisiva: em 1978, a política de Abertura e Reforma inaugurou uma nova fase, caracterizada pela estratégia de socialismo com características chinesas, centrada na regulação do mercado em vez de sua substituição por mecanismos de planejamento.
Na TV Grabois, Elias Jabbour analisa como o Brasil pode mudar o rumo da relação com a China:
Metas do Centenário e a visão de longo prazo
Os Planos Quinquenais da República Popular da China distinguem-se, portanto, não apenas na longevidade, mas também pelos resultados consistentes e pela continuidade de orientação estratégica.
Esta orientação fundamenta-se nas metas de longo prazo, formuladas oficialmente por Hu Jintao no 18º Congresso do Partido (2012), embora o conceito já viesse sendo desenvolvido desde 2002, sob Jiang Zemin.
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O Plano Quinquenal é a principal ferramenta de planejamento econômico e social do país. A Primeira Meta do Centenário, alusiva à fundação do Partido Comunista da China (1921-2021), foi a de construir uma sociedade moderadamente próspera em todos os aspectos, atingida com sucesso. Seus principais resultados foram:
- erradicação completa da pobreza extrema;
- multiplicação do PIB per capita;
- cobertura universal de seguros médicos básicos;
- melhoria significativa na educação e infraestrutura.
A Segunda Meta do Centenário, referente ao centenário da fundação da República Popular da China (1949), foi originalmente definida como transformar a China em um país socialista moderno, próspero, poderoso, democrático, culturalmente avançado e harmonioso. Esta meta inclui:
- modernização econômica, tornando o país líder global em inovação e produtividade;
- governança nacional, com instituições e métodos administrativos modernizados;
- civilização cultural, baseada em uma cultura socialista próspera;
- prosperidade comum, mediante a redução das desigualdades sociais;
- harmonia ecológica, com a construção de uma civilização ecológica avançada.
Antes mesmo da conclusão da primeira meta, Xi Jinping anunciou, no 19º Congresso do Partido (2017), uma estratégia em duas etapas para atingir a segunda meta, considerando o intervalo de quase 30 anos (2021-2049) até o seu pleno cumprimento. A primeira etapa (2021-2035) tem como objetivo “fundamentalmente realizar a modernização socialista”. A segunda etapa (2035-2049) visa a consolidação integral e plena realização da Segunda Meta do Centenário.
Os objetivos intermediários até 2035 desdobram-se em:
- alcançar a modernização básica;
- expandir a classe média;
- atingir o pico de emissões de carbono antes de 2030;
- obter progresso significativo em inovação tecnológica autônoma.
Desde 2012, os Planos Quinquenais são, portanto, elaborados com base em metas de longo prazo e, mais recentemente, levando em conta os objetivos intermediários de 2035.
Reformas, autossuficiência e desenvolvimento verde
Há uma década, sob a liderança de Xi Jinping, foi introduzida a filosofia de “desenvolvimento com desenvolvimento inovador, coordenado, verde, aberto e compartilhado”, voltada à elevação do crescimento chinês. Entre as metas até 2035 está a redução do uso de combustíveis fósseis e a expansão de fontes alternativas de energia, com o objetivo de alcançar o pico de emissões antes de 2030.
Sendo a segunda maior economia do mundo, e diante da instabilidade política e econômica provocada pelos Estados Unidos, especialmente durante o governo Trump, os planos chineses passaram a exercer um impacto ainda mais forte sobre o desenvolvimento global, funcionando como uma âncora de estabilidade econômica e liderança em desenvolvimento verde.
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O plano atualmente em vigor (2021-2025) teve como eixos centrais a “Dupla Circulação” e a “Autoconfiança Tecnológica” – priorizando o fortalecimento do mercado interno, sem negligenciar a ampliação do comércio exterior. Também buscou reduzir a dependência tecnológica externa em setores críticos, como o de semicondutores, modernizar a indústria e elevar o bem-estar social, ampliando a classe média urbana.
Assim, o 15º Plano Quinquenal deverá manter a centralidade do povo, aprofundar a reforma e abertura, promover o desenvolvimento de alta qualidade, fortalecer a autossuficiência tecnológica e aperfeiçoar a governança pública. Além disso, deverá consolidar novos avanços na qualidade de vida, na proteção ambiental – dentro do conceito de “Bela China” – e garantir o equilíbrio entre desenvolvimento e segurança nacional.
A experiência chinesa demonstra que o planejamento estatal de longo prazo, aliado à estabilidade política, pode produzir resultados econômicos e sociais duradouros. Ao integrar metas imediatas e objetivos centenários, a China construiu um modelo de desenvolvimento singular, que combina visão de futuro, pragmatismo e continuidade institucional. Nesse contexto, os Planos Quinquenais constituem não apenas instrumentos de gestão econômica, mas também expressões de uma concepção própria de socialismo em movimento, capaz de adaptar-se às transformações internas e aos desafios globais do século XXI.
Para ler a íntegra do Comunicado da 4ª Sessão Plenária do 20º Comitê Central do Partido Comunista da China clique aqui.
Nilton Vasconcelos é doutor em Administração Pública. Secretário do Trabalho e Esporte do Estado da Bahia (2007-2014). É diretor de Relações Institucionais do Centro de Estudos Avançados Brasil China (Cebrach) e membro do Grupo de Pesquisa sobre Estado e Instituições da Fundação Maurício Grabois.
*Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial da FMG.