Nos últimos meses, multiplicaram-se as discussões sobre a capacidade de Belém (PA) sediar a COP30, a conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas, que reunirá, em 2025, chefes de Estado, pesquisadores, investidores e representantes da sociedade civil. O debate público concentrou-se em aspectos logísticos, como hospedagem, transporte e infraestrutura urbana.
No entanto, o problema da COP30 não é Belém. Os desafios reais são mais amplos e estão relacionados às dinâmicas do sistema energético global, às fragilidades da governança climática internacional e à dificuldade de transformar compromissos políticos em ações efetivas.
Nota Técnica: A COP30 e a urgência da transformação ecológica
Protecionismo verde e fragmentação mundial
O setor energético continua sendo o principal responsável pelas emissões de gases de efeito estufa, e o cenário atual está longe de ser estável. Segundo o World Energy Outlook 2024, da Agência Internacional de Energia (AIE), tanto no caso dos combustíveis fósseis quanto nas cadeias de suprimentos das tecnologias limpas — hoje marcadas por alta concentração de mercado —, medidas comerciais que afetam tecnologias de energia limpa, adotadas em todo o mundo, são majoritariamente restritivas. Esse aumento em políticas protecionistas evidencia a crescente fragmentação dos mercados de energia e indica que a transição para fontes renováveis não está imune a tensões geopolíticas, mostrando o quanto dependências podem se tornar vulnerabilidades.
Essas dinâmicas configuram um ambiente em que a COP30, prevista como a “COP da implementação”, corre o risco de se tornar a “COP da frustração”. As maiores economias, principais emissores, mantêm posturas conservadoras, priorizando a segurança energética diante da instabilidade geopolítica, em detrimento de metas mais ambiciosas de descarbonização.
A falta de ambição climática de diversos países é evidente: algumas nações sequer apresentaram suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), elementos centrais do Acordo de Paris. Ao mesmo tempo, a governança climática internacional foi concebida com base em Estados nacionais, mas os desafios contemporâneos demandam a participação de novos atores, governos subnacionais, setor privado, academia e sociedade civil, responsáveis diretos pela implementação das políticas no território.
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O sentido da COP30 em Belém
É nesse contexto que o Brasil propôs realizar a conferência na Amazônia. A escolha de Belém não é geográfica, mas política e simbólica: significa levar o centro do debate climático global ao território que concentra a maior floresta tropical do planeta. Para o país, a mensagem é clara: compreender a Amazônia é compreender o próprio Brasil, e proteger a floresta é uma questão de segurança climática, energética e de soberania nacional.
O Brasil busca liderar pelo exemplo e tem apresentado propostas concretas para fortalecer a arquitetura climática global. Entre elas, destacam-se:
- o aporte de 150 bilhões de dólares até 2030 em um fundo climático destinado a financiar ações de mitigação e adaptação;
- a proposta de reforma dos bancos multilaterais de desenvolvimento com o objetivo de destravar trilhões de dólares em investimentos verdes até 2035;
- a criação de um conselho vinculado à Assembleia Geral da ONU para monitorar os compromissos climáticos dos países.
Internamente, o país também avança na estruturação de um mercado regulado de carbono, que busca alinhar competitividade econômica e metas de descarbonização.
O avanço das mudanças climáticas impõe a necessidade de superar a polarização política e de promover um modelo de desenvolvimento que envolva comunidades tradicionais, valorize o conhecimento local e reconheça o direito ao desenvolvimento sustentável da Amazônia. Preparar o país para enfrentar esse desafio significa fortalecer sua capacidade de planejamento e de tomada de decisão com base em evidências, evitando respostas meramente reativas às crises.

Vista aérea da Vila dos Pescadores de Ajuruteua, em Bragança (PA), na área da Reserva Extrativista Marinha de Caeté-Taperaçu, que abriga o maior manguezal contínuo do Brasil. Comunidades locais desempenham papel essencial na conservação ambiental e na gestão sustentável do território. Foto: Fernando Frazão / Agência Brasil
Amazônia como símbolo de uma transição institucional e social
O Brasil tem a oportunidade de propor uma transição que vá além da energia, uma transição institucional e social, capaz de renovar o sistema multilateral e de promover uma governança mais inclusiva e cooperativa, condizente com a complexidade do século XXI.
Reduzir o debate sobre a COP30 na Amazônia às dificuldades logísticas é negligenciar a dimensão estratégica do encontro. Belém está apta a receber a conferência, mas a COP não deve ser vista como um evento isolado. Belém é um processo, um marco de transformação institucional e política que pode redefinir o sentido de segurança, desenvolvimento e sustentabilidade para o Brasil e para o mundo.

Marcela Rodrigues é engenheira ambiental e doutoranda em Energia e Ambiente (PCMEC/UnB). Atua como assessora legislativa e consultora.
*Publicado originalmente no Amazônia Vox, em 23/10/2025.
*Este é um artigo de opinião. As ideias expressas pela autora não necessariamente refletem a linha editorial da Fundação Maurício Grabois.
 
					 
                                                     
                                                                        
                                                             
                                                                        
                                                             
                                                                        
                                                             
                                                                        
                                                             
                                                                        
                                                            