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    Antirracismo

    Racismo tem resposta constitucional? PEC da Reparação mira justiça histórica

    Relatório apresentado pelo deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) na Câmara cria capítulo constitucional sobre igualdade racial, financia ações por meio de fundo nacional e articula políticas em todo o país.

    POR: Orlando Silva

    6 min de leitura

    Instalação da Comissão Especial sobre o Fundo Nacional da Igualdade Racial, presidida pelo deputado Márcio Marinho (Republicanos-BA), com o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) na vice-presidência. Brasília, 16/09/2025. Foto: Richard Silva / PCdoB na Câmara
    Instalação da Comissão Especial sobre o Fundo Nacional da Igualdade Racial, presidida pelo deputado Márcio Marinho (Republicanos-BA), com o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) na vice-presidência. Brasília, 16/09/2025. Foto: Richard Silva / PCdoB na Câmara

    Por um Brasil livre do racismo, PEC da Reparação Já!

    Apresentei nesta quarta-feira (19), o parecer como relator da Proposta de Emenda Constitucional 27 de 2024 (PEC 27/2024), a chamada PEC da Reparação Histórica. É simbólico que aconteça na semana do 20 de Novembro, data em que celebramos Zumbi dos Palmares e lutamos pela igualdade racial no Brasil.

    Sabemos que nada irá reparar as dores de 12 milhões de negros arrancados de seus países, apartados de suas famílias para serem traficados como coisas, enjaulados como bichos e açoitados como se nem animais fossem.

    Sabemos que nada irá reparar as dores que ainda persistem na violência brutal do Estado capaz de matar milhares de jovens negros nos morros e periferias todos os anos. Nada irá reparar as dores das mães que pranteiam seus filhos, sujeitas às mais terríveis humilhações para visitá-los no cárcere.

    Reafirmar que não há reparação possível para o legado perverso de quase 400 anos de escravização é um importante ponto de partida para debater as políticas afirmativas necessárias para mitigar a dívida do Estado brasileiro com a população negra. Isso porque as violências e desigualdades produzidas pela servidão e perpetuadas pela abolição inconclusa estão no cerne do racismo estrutural que marca a sociedade brasileira.

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    Essas chagas são evidentes e podem ser vistas nos mais diversos setores. No mercado de trabalho, por exemplo, em 2024, a média salarial dos trabalhadores brancos no Brasil era de R$ 3.847 mensais, ao passo que a média dos trabalhadores negros era de R$ 2.264 – ou seja, o trabalhador negro ganha em média 42% a menos do que o trabalhador branco. O levantamento está no estudo O custo salarial da desigualdade racial, do Núcleo de Estudos Raciais do Insper.

    Na população que se encontra na informalidade, cerca de 38,6%, entre os negros a taxa é de 44,1% – 9,5% a mais que os não negros. Quadro similar ocorre com as mulheres negras (41% na informalidade, 9,1% a mais que as não negras). (Fonte: Dados do Ministério do Trabalho e Emprego, 2º trimestre de 2024).

    Entre 2002 e 2024, 25 mil trabalhadores foram resgatados em situação análoga à escravidão, sendo que os negros respondem por 66% do total ou 2/3 do total. (Fonte: Coordenação de Fiscalização para a Erradicação do Trabalho Análogo à Escravidão do MTE)

    Sob o ângulo da segurança pública, a situação é ainda mais dramática. Os dados do Anuário Brasileiro da Segurança Pública de 2025 seguem corroborando que a violência e a letalidade policial no Brasil tem cor: as mortes violentas intencionais (ou seja, os assassinatos), em 2024, foram 44.127, sendo que 79% das vítimas eram negras. Cerca de 85% das vítimas da letalidade policial no país são negros e, entre os 909.594 internos em nosso sistema prisional, nada menos do que 68,7% são negros.

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    Num país em que ser negro é correr risco de vida e uma garantia de pobreza, as políticas de combate à desigualdade racial não podem ser tratadas como benesse episódica dos governos de turno. É preciso que a busca pela igualdade racial efetiva seja um pacto da sociedade materializado em política pública permanente, resguardada com a força de comando constitucional.

    Esse é o debate fulcral que trazemos no relatório da PEC 27, a chamada PEC da Reparação Histórica. A proposta é criar o Capítulo IX sobre a Promoção da Igualdade Racial na Constituição Federal e incorporar a igualdade racial como um direito fundamental dos brasileiros, tornando dever do Estado e da sociedade eliminar todas as formas de discriminação.

     

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    Nossa abordagem traz eixos que as políticas de promoção da igualdade racial devem observar, tais como a integração transversal da perspectiva da igualdade racial em todas as políticas de desenvolvimento econômico, social, cultural e ambiental; fortalecimento das instituições e instrumentos de combate a todas as formas de preconceito; garantia de representação e participação política dos grupos racialmente discriminados; valorização das comunidades quilombolas e a regularização de seus territórios; cooperação entre o Estado e a sociedade civil para a concepção e concretização das medidas.

    Para que as políticas afirmativas sejam materializadas e financiadas, como algo permanente, a ideia é criar o Fundo Nacional de Reparação Econômica e Promoção da Igualdade Racial (FNREPIR), destinado a fomentar iniciativas de inclusão econômica e social da população negra, como o afroempreendedorismo, a promoção da igualdade nos campos da educação e da cultura, dentre outras iniciativas.

    O FNREPIR, que terá um conselho deliberativo com participação do poder público e da sociedade civil, para que sua gestão tenha governança e transparência, pretende contar com recursos da União – R$ 1 bilhão por ano durante 20 anos – e outros recursos, como de multas em condenações por práticas racistas e atos discriminatórios, multas a empresas que mantenham mão de obra análoga à escravidão, por exemplo.

    A PEC também prevê a criação do Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (SINAPIR), que, sob coordenação federal e com participação da União, estados e municípios, terá a incumbência de organizar as ações e serviços públicos voltados à promoção da igualdade racial.

    Como temos dito em nossos debates pelo Brasil, nada irá reparar a dor de nossos antepassados, mas é preciso honrar a luta e o sofrimento deles. E é isso que queremos fazer! A PEC da Reparação será um passo decisivo para a materialização da promessa de igualdade da Constituição Cidadã de 1988. Será um passo decisivo para a construção da igualdade efetiva e de um Brasil livre do racismo! REPARAÇÃO JÁ!

    Orlando Silva é deputado federal pelo PCdoB-SP e relator da PEC da Reparação. É advogado e ex-ministro do Esporte.