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    Cultura

    Centro Cultural Cauby Peixoto é um marco nas políticas culturais em Niterói

    Novo equipamento é fruto de lutas sociais e resultado de um projeto político que transforma território em direito cultural.

    POR: Leonardo Giordano

    8 min de leitura

    Preparação de painel artístico para a exposição no Centro Cultural Cauby Peixoto. Crédito: Prefeitura de Niterói/Divulgação.
    Preparação de painel artístico para a exposição no Centro Cultural Cauby Peixoto. Crédito: Prefeitura de Niterói/Divulgação.

    Dando continuidade à série sobre a trajetória da política cultural de Niterói, este segundo capítulo analisa os resultados concretos das ações recentes, com foco na expansão territorial, no fortalecimento institucional e na criação de equipamentos culturais públicos. O Centro Cultural Cauby Peixoto aparece como expressão dessa virada, ampliando o acesso à cultura na Zona Norte.

    A inauguração deste novo equipamento cultural, o Cauby Peixoto, representa um marco de enorme significado para esse esforço coletivo pela descentralização. Após quase 20 anos de luta, ao lado dos mais valorosos ativistas e movimentos sociais, vejo com satisfação que a persistência e até a teimosia que sempre manifestei rejeitando a alternativa imediatista de uma lona cultural na Zona Norte fizeram sentido.

    Embora as lonas culturais, quando sob administração cultural profissionalizada sem precarização e com orçamento próprio, tenham tido papel fundamental em diversos contextos, acabaram também por se tornar soluções provisórias de estado permanente em seus territórios. Era imprescindível que o investimento público, a qualidade da obra e o impacto transformador e simbólico do Centro Cultural da Zona Norte estivessem à altura dos equipamentos culturais da Zona Sul. Os prefeitos Rodrigo Neves e Axel Grael realizaram esse grande sonho histórico, atendendo a uma reivindicação antiga e persistente de todo o setor.

    Os processos de escuta pública e participação popular foram fundamentais para referenciar o trabalho de governo. Foram realizadas no território em múltiplas oportunidades durante a gestão do secretário Alexandre Santini e as principais sugestões foram efetivamente incorporadas ao projeto (como a defesa da existência de um Teatro na região), aperfeiçoando a entrega.

    Leia mais: Cultura, território e povo na construção de uma política cultural democrática

    O Centro Cultural também está referenciado na Carta de Direitos Culturais de Niterói, lançada no dia 5 de novembro de 2024, no Dia Nacional da Cultura. O documento foi elaborado de forma participativa ao longo de um ano, contando com a colaboração de mais de 800 pessoas da sociedade civil e instituições. Niterói foi a primeira cidade brasileira a produzir uma Carta de Direitos Culturais, inspirada em experiências internacionais e que estabelece um pacto social entre o governo e a população para garantia dos direitos culturais. É um documento adicional, participativo e complementar endereçado ao Sistema de Cultura e à cidadania, onde a cidade declara posições e compromissos quanto aos Direitos Culturais, para além das metas quantificadas pelo Plano Municipal de Cultura.

    Cabe destacar a participação de todos os ex-presidentes do Conselho Municipal de Políticas Culturais e suas gestões, representando a reivindicação organizada e fiscalizatória de toda sociedade civil desde de Sady Bianchin (2010-2012); Leonardo Simões (2013-2015); Renato Almada (2016-2018); Vitor Vogel (2018-2019); Marcelo Mattos (2020); Natália Valdanini (2020-2022); Amanda Almeida (2023-2025); Pedro Colares (2025-atualmente).

    Neste sentido, no Centro Cultural Cauby Peixoto, há uma fusão e simbiose entre a reivindicação descentralizadora dos investimentos culturais reiterada pelos comunistas e a tradição histórica do trabalhismo, de oferecer ao povo equipamentos públicos monumentais e de qualidade e com padrões compatíveis aos que as elites constroem para si. Assim foi, por exemplo, com o Sambódromo no Rio e com os CIEPS, o Programa Especial de Educação de Leonel Brizola e Darcy Ribeiro. Esta simbiose entre trabalhistas e comunistas de Niterói também se apresentou no Caminho Niemeyer, idealizado por Jorge Roberto Silveira para ser realizado pelo arquiteto comunista.

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    Prefeito Rodrigo Neves (ao centro), acompanhado de Leonardo Giordano, Júlia Pacheco e equipe, durante vistoria ao Centro Cultural Cauby Peixoto, no Fonseca, antes da inauguração. Foto: Prefeitura de Niterói/Divulgação.

    Rodrigo Neves (ao centro, camisa azul), prefeito de Niterói, vistoria as obras do Centro Cultural Cauby Peixoto acompanhado de Leonardo Giordano (à esquerda) e Júlia Pacheco (à direita), além de integrantes da equipe. Foto: Prefeitura de Niterói/Divulgação.

    O Centro Cultural Cauby Peixoto é uma obra de R$ 21 milhões, com elementos de restauro em um casarão sem que houvesse essa obrigação legal (não há tombamento). A decisão pelo restauro e o acompanhamento do Departamento de Preservação do Patrimônio Cultural da Secretaria das Culturas (DePAC) foram por respeito à memória do casarão e do território, exclusivamente. O espaço possui quatro salas multiuso, destinadas a modulagem, uso livre por grupos culturais. Possui um teatro com 240 lugares, oferecendo à cidade um novo palco de porte intermediário, necessário, em relação aos maiores salões. Este teatro será inaugurado com uma sessão especial, dedicada aos trabalhadores da obra.

    A recuperação do chafariz, dos vitrais, dos pisos nos padrões originais demonstra o nível de cuidado e atenção à memória por parte da gestão municipal. O Centro Cultural também oferece coworking para os coletivos culturais, tem sete salas expositivas, galeria própria para artes visuais, sala de formação, sala de memória, um simpático café e um foyer superior que também pode receber programação.

    O complexo cultural tem uma vocação flexível, multiuso e estimula atividades simultâneas. Não se inclina para nenhuma linguagem artística específica de forma especializada porque é o primeiro de sua região. Isso permitirá ser mais permeável aos múltiplos grupos culturais, de forma a ser utilizado o mais amplamente e de forma mais flexível.

    O que protegerá esse patrimônio será seu uso pelo povo. Por isso, a escolha por uma casa na Alameda São Boaventura, com fácil acesso ao transporte e uma história rica na formação da cidade de Niterói, é a ideal.

    A homenagem ao Cauby Peixoto ainda faltava em Niterói. Tenho uma anedota que acaba servindo de registro e confesso fazer com orgulho. No início de tudo, tive a sorte de poder ter sido o primeiro a ter a ideia de fazer a homenagem ao Cauby, pela justa razão de ser um artista tão amado pelo povo brasileiro e de ter morado exatamente no Fonseca. Enviei uma mensagem empolgada ao prefeito Axel Grael às 6 horas da manhã, quando era seu Secretário. Fiquei apreensivo sobre a impertinência da hora, a ausência de urgência e o ridículo da mensagem tão cedo, mas como o prefeito também madrugava, rapidamente recebi triplo alívio e a feliz notícia de sua concordância e generosa empolgação matinal.

    Vivi, ao lado do prefeito Rodrigo Neves e dos meus camaradas de Partido intensamente esse processo todo, entrando na casa em ruínas ao lado do Victor De Wolf para decidir pelo imóvel, promovendo a ocupação cultural ao lado do Santini enquanto o processo judicial de desapropriação corria até a posse definitiva pelo município, e ao lado da Júlia Pacheco, que liderou toda a estruturação do projeto de gestão cultural e cada minúcia.

    Devo fazer o registro do empenho, compromisso e competência da liderança de todos eles, em especial da Júlia nesses meses decisivos finais até a inauguração. Estivemos juntos nas múltiplas visitas com o prefeito, que acompanhou, liderou e nos amparou em todas as necessidades ou dúvidas. Cada escolha teve sua participação e orientação pessoal e esse Centro Cultural eterniza seu compromisso histórico e pessoal com a Zona Norte de Niterói.

    O Centro Cultural Cauby Peixoto — primeiro equipamento público municipal da Zona Norte de Niterói é um marco da luta do povo da nossa cidade e representa para todos nós uma grande vitória, uma renovação de enorme esperança no futuro e na capacidade coletiva de transformar a realidade. Não é o fim do esforço permanente pela descentralização cultural, mas um grande símbolo e um enorme reforço para essa luta e para os que sonham. Viva o povo de Niterói!

    A Cultura é um Direito!

    Esta publicação complementa a Parte 1 da série, que discutiu as bases históricas e políticas da cultura como direito em Niterói, agora mostrando seus resultados concretos no território.

    Leonardo Giordano é secretário das Culturas de Niterói (RJ) e vereador licenciado pelo PCdoB. Já presidiu a Comissão de Cultura e Patrimônio Histórico da Câmara Municipal.

    *Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a opinião da FMG.