Estamos em tempos de ativismo pelo fim da violência contra as mulheres. No calendário da ONU, uma campanha de 16 dias para combater esse mal mundial vai de 25 de novembro, Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres, até o Dia Internacional dos Direitos Humanos, em 10 de dezembro. No Brasil, temos 21 dias, e não 16, porque o marco inicial é 20 de novembro, Dia da Consciência Negra.
A campanha é uma mobilização anual de diversos setores da sociedade e do poder público no enfrentamento à violência contra as mulheres. O período nos leva a refletir sobre dados alarmantes que revelam muitos feminicídios cheios de crueldade.
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A cada 6 horas uma mulher é vítima de feminicídio. A cada 6 minutos uma menina ou mulher sofre violência sexual. Três em cada 10 brasileiras já foram vítimas de violência doméstica. A cada 24 horas, 75 importunações sexuais são denunciadas. O Brasil é o quinto país que mais mata mulher no mundo. Os dados são do 18º Anuário Brasileiro de Segurança Pública e da 10ª Pesquisa Nacional de Violência contra a Mulher.

Dados de violência contra mulheres em 2023, comparados com 2022, organizados no 18º Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2024). Crédito do infográfico: Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Acesse a publicação completa aqui.
Também vão tendo visibilidade os casos de violência política de gênero. São emblemáticos os casos de Marielle e Mãe Bernadete. São as bruxas da modernidade, apagadas pelo ódio conservador que não aceita as mulheres na política e em postos avançados de luta.
O Censo das Prefeitas Brasileiras (mandato 2021-2024) aponta que 66% das prefeitas já sofreram ataques, ofensas ou foram vítimas de discursos de ódio nas redes sociais. Mais: 58% foram vítimas de assédio ou violência política pelo fato de serem mulheres.

Censo das Prefeitas Brasileiras (Mandato 2021–2024), realizado pelo Instituto Alziras, entrevistou mulheres no comando dos governos municipais e perguntou sobre os obstáculos por serem mulheres na política. Crédito: Reprodução/Instituto Alziras
Enfim, o pensamento conservador, patriarcal, alimentado pelo neoliberalismo, pretende empurrar as mulheres para o espaço privado e sobrecarregá-las com os afazeres domésticos e de cuidados. A crise do capitalismo e a redução do papel do Estado nas políticas públicas são uma verdadeira trava à afirmação da cidadania das mulheres.
A violência doméstica e a violência política de gênero são reações ao avanço das mulheres, à afirmação de seu papel no espaço público. São a expressão conservadora da visão da mulher como objeto e propriedade do homem.
O avanço histórico das conquistas das mulheres não pode admitir nenhum tipo de violência contra elas, nenhum obstáculo ao exercício de sua liberdade de escolha.
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Queremos, isto sim, mais desenvolvimento que gere empregos dignos para as mulheres, redução da jornada 6×1, igualdade salarial, política pública de cuidados. E, sobretudo, mais mulheres na política para interferirem no rumo democrático e soberano do país, com mais saúde e educação. Por uma cultura antimachista e antirracista, que afirme o papel de sujeito das mulheres e seu protagonismo na construção do Brasil.
Concluo citando trecho do livro O invencível verão de Liliana, de Cristina Rivera Garza. Foram precisos 30 anos para que a autora conseguisse escrever sobre o feminicídio de sua irmã Liliana, de 20 anos, pelo ex-namorado:
“Porque estamos aqui, sim, cheias de talentos, não para alimentar o domínio vampírico dos outros, nem para cair cegas no abismo da loucura, nem para carregar uma pedra como São Jerônimo. Estamos aqui com o peso encantado da existência e da leveza, a plácida leveza do sono, porque temos muito a dizer, a fazer, pensar, repensar, recriar; porque nosso ponto de vista é novo para uma história que o negou, usurpou, centenas de milhões de vezes; porque temos de dizer: BASTA!”
Ana Rocha é jornalista, psicóloga, mestra em Serviço Social e integrante da Coordenação do Fórum Nacional sobre Emancipação das Mulheres do PCdoB.
Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial da FMG.