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    Agricultura

    Brasil e Índia se aproximam para enfrentar impactos climáticos na agricultura

    Com a participação da Fundação Maurício Grabois, Conferência Internacional sobre Mudança Agrária destacou disputas estruturais no campo, revelou convergências entre os dois países e apontou caminhos para superar desigualdades, crises ambientais e tensões produtivas

    POR: Redação, com informações de Luciano Rezende

    7 min de leitura

    Solo ressecado pela seca em Karnataka, Índia (2012). A imagem registra agricultor mostrando os impactos da estiagem sobre a produção local.
Crédito: Pushkarv / CC BY-SA 3.0 via Wikimedia
    Solo ressecado pela seca em Karnataka, Índia (2012). A imagem registra agricultor mostrando os impactos da estiagem sobre a produção local. Crédito: Pushkarv / CC BY-SA 3.0 via Wikimedia

    Este mês, a Índia sediou a Conferência Internacional sobre Mudança Agrária 2025, organizada pela Foundation for Agrarian Studies (FAS), uma das mais reconhecidas instituições de pesquisa do Sul Global dedicada ao estudo crítico das transformações rurais. O professor do Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ), Luciano Rezende, representou a Fundação Maurício Grabois e teve artigo selecionado e publicado no evento, realizado em Thiruvananthapuram, no estado de Kerala, entre os dias 6 e 9 de novembro.

    A força da tradição de esquerda

    A escolha de Kerala para sediar o evento não se deu por acaso. Situado no sudoeste da Índia, o estado indiano é reconhecido por seus altos indicadores sociais, elevado nível educacional e forte participação comunitária. Desde os anos 1950, o estado tornou-se referência mundial por sua longa tradição de governos de esquerda, especialmente sob a liderança do Partido Comunista da Índia (Marxista), responsável por políticas de inclusão, reforma agrária, expansão da saúde pública e redução da pobreza. Essa trajetória consolidou um modelo próprio de desenvolvimento social. Hoje, Kerala é administrado novamente pelo PCI(M), sob a liderança de Pinarayi Vijayan, cujo governo dá continuidade às políticas progressistas que marcaram a história do estado.

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    Essa conferência representa um exemplo notável de como setores de esquerda na Índia têm aprofundado, de forma rigorosa e sistemática, o estudo das transformações no campo. O evento centrou-se em quatro temas centrais que refletem os principais desafios atuais do mundo agrário:

    1. Discutiu a dinâmica das forças produtivas e das relações de produção no campo, explorando como as classes sociais rurais, a distribuição de terra e o trabalho moldam a estrutura agrária. 
    2. Abordou o papel da ciência e da tecnologia modernas, como biotecnologia, digitalização e inovação, no avanço da agricultura sustentável. 
    3. Tratou da pobreza e das condições de vida no meio rural, enfatizando desigualdades de renda, acesso a recursos e bem-estar. 
    4. Os participantes investigaram o impacto das mudanças climáticas sobre a produção agrícola e o desenvolvimento rural, considerando tanto adaptação quanto mitigação.

    Os temas permitiram um diálogo amplo entre os participantes na busca de soluções inclusivas para a crise agrária contemporânea.

    O objetivo central da conferência foi promover um balanço atualizado sobre a mudança agrária em diferentes partes do mundo, reunindo especialistas para analisar os impactos sociais, econômicos, tecnológicos e ambientais que incidem sobre a agricultura contemporânea. O evento buscou integrar perspectivas acadêmicas, políticas públicas e experiências de movimentos sociais, oferecendo um espaço internacional de diálogo qualificado sobre questões estruturais do campo, como desigualdade, sustentabilidade, modernização produtiva e condições de vida das populações rurais. 

    Desafios compartilhados entre Brasil e Índia

    Entre os diversos pontos de convergência que aproximam Brasil e Índia, destaca-se a questão ambiental, que se tornou eixo transversal dos debates do evento. Os dois países enfrentam impactos significativos das mudanças climáticas (secas prolongadas, eventos extremos, degradação de solos e ameaças à biodiversidade) que afetam diretamente a produtividade agrícola e ampliam desigualdades socioeconômicas.

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    As discussões promovidas pela conferência permitiram aprofundar temas como adaptação climática, manejo sustentável do solo, sistemas agroflorestais, agricultura de baixo carbono, tecnologias sociais voltadas para pequenos produtores e estratégias de mitigação de emissões oriundas do setor agrícola, todos extremamente relevantes para as duas realidades nacionais.

    Nesse contexto, Índia e Brasil têm se aproximado cada vez mais por meio da cooperação técnica e científica. A parceria entre a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e o Instituto Indiano de Pesquisa Agrícola (IARI) é um exemplo disso, promovendo intercâmbio de conhecimentos sobre biotecnologia, manejo de solos, irrigação e uma agricultura de baixo carbono.

    Modernização agrícola e desigualdade estrutural

    Entretanto, a modernização das agriculturas indiana e brasileira traz desafios significativos. Em ambos os países, é urgente conciliar o avanço tecnológico com a preservação ambiental, reduzindo a dependência de insumos químicos e o desmatamento. A democratização do acesso à terra, ao crédito e às tecnologias também se impõe como prioridade: milhões de pequenos produtores ainda enfrentam limitações estruturais que os afastam dos benefícios da inovação.

    Belluzzo: Do campo à inteligência artificial, a era da hiperindustrialização

    Outro tema de grande interesse comum, é o processo de transformação tecnológica no campo. Brasil e Índia vivenciam modernização acelerada, marcada pela mecanização, digitalização, uso de biotecnologias e expansão de modelos produtivos intensivos. Embora esses avanços possam elevar índices de produtividade, também suscitam debates sobre inclusão tecnológica, dependência de insumos externos, proteção de conhecimentos tradicionais e impactos ambientais associados. A conferência ofereceu um espaço valioso para debater como orientar essas transformações de maneira equilibrada, socialmente justa e ecologicamente sustentável.

    Bioinsumos: Uma oportunidade estratégica para o Brasil na reindustrialização

    A estrutura fundiária e as relações de produção também aproximam as discussões entre os dois países. Ambos convivem com desigualdades profundas no acesso à terra, com a presença simultânea de grandes propriedades capitalizadas e de pequenos agricultores com acesso limitado a crédito, assistência técnica e infraestrutura adequada. Os debates no evento evidenciaram as diferentes expressões dessa desigualdade e permitiram comparações entre os processos históricos de formação agrária brasileira e indiana, incluindo políticas de redistribuição, movimentos sociais rurais, programas de apoio à agricultura familiar e questões étnicas e sociais que moldam o campo.

    Cooperação Grabois-FAS

    Abertura da Conferência Internacional sobre Mudança Agrária – FAS 2025, realizada em Thiruvananthapuram, capital do estado de Kerala, na Índia, entre 6 e 9 de novembro de 2025. Luciano Rezende, professor do IFRJ, representou a Fundação Maurício Grabois no evento. Crédito: FAS2025/Divulgação

    A participação da Grabois abriu espaço para fortalecer a cooperação acadêmica com a FAS. A entidade indiana possui tradição consolidada em estudos rurais críticos, enquanto o Brasil reúne forte produção acadêmica nas áreas de agronomia, sociologia rural, políticas públicas e ciências ambientais. A interlocução estabelecida na conferência aponta para oportunidades de pesquisas conjuntas, intercâmbios científicos, desenvolvimento de metodologias comparativas e troca de experiências em extensão rural e inovação sustentável.

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    Essa capacidade de mobilizar ciência social avançada, tradição política e diálogo com o campesinato demonstra uma maturidade estratégica rara no debate agrário mundial. A experiência indiana evidencia como é possível tratar a agricultura como um eixo estruturante e central para qualquer projeto de desenvolvimento. Para o contexto brasileiro, marcado por um agronegócio economicamente poderoso e refratário ao governo Lula, esse tipo de abordagem mostra a importância de investigações profundas, diagnósticos precisos e debate político qualificado para apontar rumos e saídas para a atual encruzilhada em que nos encontramos.