O país em que ela cresceu, que se democratizava, era no entanto distinto daquele, efervescente, dos anos do deposto Salvador Allende. "A ditadura gerou um grande contingente de jovens apolíticos, educados pelo medo", ela diz, convertida aos 23 anos em líder da maior onda de protestos no país desde a redemocratização – a "primavera" estudantil chilena que eclodiu em maio. "Os que se manifestam hoje são outros", ressalta. "Após aquela geração, surgiu uma juventude muito forte, ainda que inexperiente. Ela é mais crítica e quer recuperar a política com ideias amplas. Quer outra democracia."

Na terça-feira, quando a quarta das marchas nacionais convocadas pelos estudantes juntou, só na capital Santiago, 150 mil pessoas segundo os organizadores, ou 60 mil na conta das autoridades, Camila, com seus olhos azuis, cabelos castanhos e piercing no nariz, estava à frente. E embora a descontração e o bom humor venham sendo a marca dessas manifestações – em outros atos os garotos montaram uma praia artificial e ficaram seminus, organizaram um baile de carnaval e protagonizaram um besatón (beijaço) -, confrontos com a polícia deixaram 274 detidos e 23 policiais feridos.

Os estudantes reivindicam uma reforma no sistema educacional que amplie as vagas no setor público e reduza os custos do financiamento nas instituições privadas. Nos anos 70, quando a população chilena era menor, o ensino fundamental, médio e universitário no Chile era predominantemente gratuito. Em duas décadas, Pinochet reduziu de 7% para 2,3% os repasses do PIB para a educação. E mesmo com ganhos obtidos durante os governos da concertación, aliança de centro-esquerda que presidiu o país até a eleição do atual presidente, Sebastián Piñera, dados da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e Caribe) mostram que o aporte público na área entre 2007 e 2008 não passou de 3,7% – menor que os 5% de Brasil e Argentina no mesmo período.

Aluna de geografia na Universidade do Chile, Camila e colegas atuantes no movimento já foram chamados de "privilegiados" por cursarem faculdade pública e falar em nome de jovens carentes que sofrem para pagar seus estudos. De fato, a filha dos comerciantes Reinaldo Vallejo e Mariela Dowling, que militaram no Partido Comunista do Chile (PCCh) na década de 70, preparou-se para o vestibular em colégio particular. Mas não vê contradição. "Não estamos exigindo um privilégio, mas um direito", respondeu, plácida, ao questionamento durante uma entrevista para a CNN Chile.

A ativista, por sinal, jamais se expressa no tom de indignação exaltada característico dos militantes de esquerda. Ainda que sua curta trajetória política tenha "lado", como se diz: aos 18, ela se filiou às Juventudes Comunistas do Chile, ala jovem do PCCh, e militou na Federação de Estudantes da Universidade do Chile (Fech) até ser eleita sua presidente, em novembro de 2010 – encabeçando a chapa Colectivo Estudiantes de Izquierda. Acusada de "ideológica" e de ter "horror a tudo que tem a ver com dinheiro" por um entusiasta do sistema privado chileno na sabatina do programa de TV Tolerancia Cero, piscou os longos cílios e não se alterou: "Sustentar o lucro como algo que gera qualidade é também um argumento ideológico".

Se a postura da líder da primavera chilena é cool, o mesmo não se pode dizer da temperatura no país nos últimos dias. Termos como "subversivos" ou "cachorros", usuais à época da guerra fria, voltaram à voga. Pelo twitter, uma funcionária do Ministério da Cultura chileno chegou a ameaçar Camila: "Se mata a la perra y se acaba la leva". A expressão, "mata-se a cadela e se acaba com a prole", era usada por Pinochet em referência aos esquerdistas. Para baixar a fervura, o próprio presidente Piñera tuitou seu "deixa disso", exortando os estudantes a negociar o Grande Acordo Nacional pela Educação (Gane) – que o governo propôs, em resposta às manifestações.

Sobre o uso das redes sociais, Camila disse ao Aliás que elas ajudaram no debate de ideias, na divulgação dos protestos e para consolidar apoio entre jovens de preferências políticas heterogêneas. "Há toda uma cidadania que não se sente representada por nossa classe política, constituída principalmente pela direita e pela concertación. A tecnologia ajuda, claro, mas estamos convencidos de que a real construção de uma nova política passa pelas ruas."

Desconcertada ela fica quando se pergunta de sua vida pessoal – tem namorado, mas "a isso prefiro não me referir" – ou sobre como a beleza afeta a sua imagem pública. "A ênfase que se põe nisso dá a entender que ainda não se assimilou a ideia de igualdade de capacidades entre homens e mulheres. As mulheres são sempre postas em prova, ao passo que os homens têm "habilidades" concedidas por decreto social."

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Fonte: O Estado de S. Paulo