Logo Grabois Logo Grabois

Leia a última edição Logo Grabois

Inscreva-se para receber nossa Newsletter

    China

    Conheça o plano da China para conquistar autonomia tecnológica até 2035

    Análise histórica do planejamento socialista e do 15º Plano Quinquenal como um novo ciclo estratégico chinês diante das disputas geopolíticas, da inovação e do avanço da inteligência artificial

    POR: Elias Jabbour

    10 min de leitura

    (250907) -- CHONGQING, Sept. 7, 2025 (Xinhua) -- Visitors interact with a home service robot during the World Smart Industry Expo 2025 in southwest China's Chongqing Municipality, Sept. 6, 2025. The World Smart Industry Expo 2025 kicked off on Friday in southwest China's Chongqing Municipality, showcasing advanced achievements including AI rehabilitation systems, portable wearable devices, elderly care robots, and senior-friendly equipment. (Xinhua/Chen Cheng)
    (250907) -- CHONGQING, Sept. 7, 2025 (Xinhua) -- Visitors interact with a home service robot during the World Smart Industry Expo 2025 in southwest China's Chongqing Municipality, Sept. 6, 2025. The World Smart Industry Expo 2025 kicked off on Friday in southwest China's Chongqing Municipality, showcasing advanced achievements including AI rehabilitation systems, portable wearable devices, elderly care robots, and senior-friendly equipment. (Xinhua/Chen Cheng)

    Em outubro deste ano, a China divulgou as bases do seu 15º Plano Quinquenal, coordenado pela Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma, um draft com orientações gerais de formulação estratégica do Estado chinês com o Partido Comunista no poder, que será aprovado em março de 2026, nas sessões da Assembleia Popular Nacional e do Conselho Consultivo Político do Povo Chinês.

    Planejamento socialista e a longa duração histórica dos planos quinquenais

    Os planos quinquenais são uma marca característica das experiências socialistas. A Revolução Russa iniciou o processo de transformar o planejamento em larga escala em um instrumento de governo, o que representa a era em que o ser humano consegue construir o futuro de forma consciente, utilizando o conhecimento prévio das leis da natureza e da sociedade para o progresso humano.

    Leia mais:

    Socialismo chinês e a força dos planos quinquenais no desenvolvimento nacional

    Planejamento Chinês: Da CCPPC ao Novo Plano Quinquenal

    A União Soviética criou seu primeiro plano em 1928, e a China, em 1952. Por serem países muito atrasados e sob cerco imperialista, eles tiveram que orientar seus primeiros planos quinquenais para:

    1. A construção de uma gigantesca indústria de base.
    2. A eletrificação do país.
    3. A coletivização da agricultura.

    Os primeiros planos quinquenais foram orientados à defesa. O caso soviético, em particular, exigiu um esforço gigantesco para a reconstrução do país após a Segunda Guerra Mundial e para alcançar os americanos na construção da bomba atômica. O lançamento das bombas de Hiroshima e Nagasaki colocou a União Soviética em uma defensiva estratégica muito grande.

    O país, que registrou 27 milhões de mortes e teve mais de 20 milhões de pessoas desabrigadas, teve que concentrar recursos e energia na construção de uma bomba atômica – o esforço daquela sociedade fez com que, em 1948, anunciasse a quebra do monopólio americano.

    A União Soviética embalou de tal forma que, no final dos anos 1950, chegou à fronteira tecnológica, ficando à frente dos Estados Unidos em ciência, tecnologia e inovação. O envio de Yuri Gagarin e da cadela Laika ao espaço foi a marca principal desse avanço. Evidentemente, a União Soviética entrou em colapso por uma série de motivos, mas não por conta dos planos quinquenais. A China continua a seguir essa marca característica até hoje.

    O capitalismo não é sobre mercado, mas sobre monopólio e também sobre planejamento econômico. As economias capitalistas centrais, apesar da financeirização, também são economias planificadas embora o planejamento seja historicamente associado ao socialismo.

    Para entender o 15º Plano, nós temos que entender a historicidade do socialismo em relação ao capitalismo. Os clássicos do marxismo supunham que as revoluções socialistas aconteceriam nas sociedades capitalistas mais desenvolvidas onde as contradições entre proletariado e burguesia estariam aguçadas a tal ponto que somente uma revolução social seria capaz de colocar no lugar as tensões entre forças produtivas e relações de produção, o que demandaria a constituição de um poder político de novo tipo.

    Leia mais:

    PCCh defende multilateralismo e solidariedade Sul–Sul em Congresso do PCdoB

    Jabbour e Belluzzo: A China e o “Concilio de Maastrich”

    Porém, as revoluções socialistas ocorreram em países atrasados, que começaram do zero porque estavam destruídos, não em sociedades desenvolvidas ou medianamente desenvolvidas. O socialismo talvez seja a primeira experiência societal humana que começou literalmente do zero. Portanto, além da defesa, o mote dos planos quinquenais era alcançar os países capitalistas centrais em matéria de produtividade do trabalho.

    Ao longo do tempo, a ênfase girou da indústria pesada para a ciência, tecnologia e inovação. Nós temos que observar o 15º Plano Quinquenal com esse olhar histórico. O objetivo estratégico do socialismo hoje é alcançar os Estados Unidos em produtividade.

    Autossuficiência tecnológica em um mundo de cerco e disputas geopolíticas

    Desde 2017, quando Donald Trump inaugurou uma era de sanções e “bullying tecnológico” contra a China, ficou evidente que o país já havia alcançado os Estados Unidos em mais de 70% das altas tecnologias sensíveis aquelas em apenas um ou dois países conseguem deter o monopólio. O status da China enquanto concorrente estratégico em par de igualdade acendeu um sinal de alerta e foi considerado intolerável pelos EUA, que atacaram as linhas de suprimento relacionadas às cadeias de semicondutores  o ponto fraco da China em termos de independência tecnológica.

    Isso levou a sociedade, o Estado e o Partido Comunista chinês a mobilizarem completamente seu núcleo empresarial e financeiro para uma guerra popular prolongada em torno da autossuficiência tecnológica. Os chineses acordaram para uma realidade de um mundo hostil aos seus objetivos estratégicos, que representa o fim da tentativa de desenvolvimento pacífico em relação aos países capitalistas centrais.

    O 15º Plano Quinquenal deve ser observado à luz de mais um capítulo no rumo da autossuficiência tecnológica. Eu colocaria o socialismo pela primeira vez na história em condições não somente de igualdade, mas de superioridade em relação ao capitalismo em matéria de inovação e autossuficiência tecnológica.

    Há um laço de continuidade com os planos anteriores. Ao olhar historicamente, tenho a noção exata de que a China buscará um novo salto qualitativo, dando continuidade a esforços como o plano Made in China 2025, no qual todas as energias do Estado e da sociedade foram concentradas para alcançar a autonomia tecnológica.

     

    Inteligência artificial, prosperidade comum e salto qualitativo no bem-estar

    Em 2017, a China entrou na etapa que o presidente Xi Jinping chamou de “nova era”, com o objetivo central de construção da prosperidade comum. A vantagem hoje é que a China construirá essa prosperidade sobre uma base material completamente nova, utilizando a inteligência artificial (IA).

    Enquanto nos países capitalistas a IA tem sido utilizada para a maximização do lucro, na China ela tem sido utilizada de forma ampla para a planificação da economia e o aumento da produtividade. A China que tem um sistema de saúde atrasado fará um leapfrog (pulo do sapo) nesse setor por meio da IA: já é capaz de guiar cirurgias de alta complexidade a distância, por exemplo, com um médico em Pequim e o paciente em Xinjiang. Esse processo promove um salto de qualidade na questão social chinesa.

    + Programa China-América Latina projeta autonomia digital e independência das Big Techs

    + O segredo tecnológico da China e o que o Brasil precisa para chegar lá

    Civilização ecológica, horizonte de 2035 e democracia com características chinesas

    O 15º Plano Quinquenal também aprofundará a entrega de uma civilização ecológica, parte da Constituição Chinesa. Embora seja conhecida como o país que mais polui, a China é pouco reconhecida como o país que mais investe em energias renováveis. Somente em 2024, instalou em energia solar o equivalente ao que o resto do mundo havia instalado nos últimos 30 anos. Então, a China vai consolidar a sua liderança na 4ª revolução industrial em relação à transição energética — a revolução verde.

    Leia também:

    Ecocivilização: como a China equilibra desenvolvimento e proteção ambiental

    Ecocivilização socialista: um livro para entender a experiência chinesa

    O 14º Plano Quinquenal consolidou o país como uma potência orientada à civilização ecológica, além da busca por autossuficiência tecnológica. Os chineses hoje estão com muito mais capacidade e confiança de alcançar a autossuficiência tecnológica do que tinham em 2017.

    O 11º Plano Quinquenal (2006-2010) marcou o primeiro salto de qualidade na construção do Sistema Nacional de Inovação Tecnológica. Esse sistema complexo inclui conglomerados empresariais públicos e não públicos, um sistema financeiro complexo e capilarizado público e centros de pesquisa. Essa é a base pela qual a China transita para enfrentar o bullying tecnológico dos EUA e o desafio atual da constituição de um país autossuficiente em matéria tecnológica, um país que indica para o mundo soluções para a transição energética. É central a constituição do Estado de bem-estar social com características chinesas, baseado em altíssima sofisticação tecnológica.

    Ao ligarmos todos esses pontos, chegamos ao ano de 2035, quando se encerra esse ciclo, momento em que a China deverá entregar para o mundo uma sociedade socialista medianamente desenvolvida, onde as necessidades básicas já foram supridas e a autonomia tecnológica alcançada. O país terá cerca de 70 mil km de trem de alta velocidade, um dos setores onde o socialismo demonstra ampla superioridade em relação ao capitalismo.

    O 15º Plano Quinquenal deve ser visto, em relação aos planos anteriores, como o salto de qualidade da constituição de uma indústria pesada para uma indústria baseada em inovação tecnológica e um processo em que a China buscará, de uma vez por todas, a sua autonomia tecnológica em tempos em que o mundo é completamente hostil à sua experiência de desenvolvimento — refiro-me ao chamado Ocidente coletivo, EUA e seus aliados no Atlântico Norte.

    Evito ter uma visão cética ou niilista do mundo de que chegamos ao fim da história comum entre marxistas acadêmicos. Essa noção se sustenta no fato de que muita gente de esquerda desconsidera a experiência da China, rotulando-a como “tudo menos socialismo”. Eu não acredito que a história acabou. Vai ficar muito claro que a história não acabou após esse plano quinquenal. Eu sou daquelas pessoas que acreditam que a experiência chinesa nos entrega muitas esperanças e, ao final deste ciclo, em 2035, o mundo passará a viver tempos de grande esperança.

    + Socialismo fortalecido na China desmonta críticas da academia ocidental

    Por fim, mas não menos importante, houve uma ampla participação popular na elaboração do plano. Foram mais de 3 mil sugestões de alteração ou emendas vindas da base da sociedade chinesa. Isso mostra que a esfera pública é muito poderosa dentro do Estado – orientado a entregar o bem-estar para as pessoas, não uma plutocracia como os EUA. Vai se desenhando uma democracia com características chinesas na base desse plano quinquenal.

    Assista à íntegra do programa:

    Elias Jabbour é professor associado da Faculdade de Ciências Econômicas da UERJ, foi consultor-sênior do Novo Banco de Desenvolvimento (Banco dos BRICS) e é presidente do Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos. É autor, pela Boitempo, com Alberto Gabriele de “China: o socialismo do século XXI”. Vencedor do Special Book Award of China 2022.

    *Análise publicada originalmente no programa Meia Noite em Pequim (TV Grabois) em 03/12/2025. O texto é uma adaptação feita pela Redação com suporte de IA, a partir do conteúdo do vídeo. 

    **Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial da FMG.

    Notícias Relacionadas