O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) lança nesta segunda-feira (22) o Programa de Apoio à Fixação de Doutores no Brasil (Profix-Conhecimento Brasil), que marca o início da gestão de Olival Freire Junior na presidência do conselho.
Conduzido em parceria com Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), o Profix-CB consiste em mil bolsas para pesquisadores com doutorado em todo o país no valor de R$ 13 mil mensais por um período de 4 anos, destinando um total de R$ 624 milhões do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) para estimular a carreira científica no país.
“O valor foi fixado considerando o salário inicial de um professor doutor em uma universidade federal. As bolsas são por quatro anos, permitindo que os beneficiados desenvolvam projetos de maior fôlego”, explicou Olival Freire Junior em entrevista exclusiva ao Portal Grabois.
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O Profix-CB marca uma nova etapa do programa Conhecimento Brasil, com o objetivo de fixar os pesquisadores em todo território nacional e conta com um mecanismo para evitar a concentração desses recursos na região Sudeste.
“Nossa expectativa com este novo formato é alcançar quase 50% para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Além disso, devido à prioridade estratégica de ocupação tecnológica e científica na região Amazônica, todos os estados dessa região terão, em princípio, um número significativo de bolsas”, explica Freire.
Os recursos destinados pelo CNPq serão distribuídos para os estados da federação a partir das fundações estaduais de amparo à pesquisa, de forma a garantir um número mínimo de bolsas para cada estado, que Freire considera “a mais avançada medida de enfrentamento das assimetrias regionais que o governo adotou.”
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“Se me permitir uma comparação ousada, diria que ele se compara à expansão das universidades e dos institutos federais, que mudou o panorama do ensino superior no país”, destaca o presidente do CNPq.
Olival Freire Junior foi anunciado para assumir a presidência do Conselho no início de dezembro pela ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, no lugar de Ricardo Galvão (Rede – SP), que assumiu vaga de deputado federal no Congresso Nacional.
Na entrevista ao Portal Grabois, Freire destaca que sua gestão representa uma continuidade em relação ao trabalho desenvolvido por Galvão, que marca a retomada da centralidade da ciência, tecnologia e inovação no governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
“A minha expectativa é de essas ações convergirem para um resultado intangível e imaterial até o final do governo: que a juventude se sinta novamente entusiasmada com a ideia de que a ciência é importante. Precisamos de mais ciência, é uma carreira que vale a pena seguir. Nosso grande desafio é reencantar a juventude brasileira com a ciência e a perspectiva de carreiras no setor”, destaca.
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Para 2026, ano em que o CNPq completa 75 anos, Freire convidou o presidente Lula para conhecer o “chão de fábrica da ciência”, por meio de uma conversa com pesquisadores em atividade no país, onde serão apresentadas as ações em adamento no Conselho, para “mostrar que a ciência voltou”.
“Não há saída para o Brasil consolidar sua soberania e se relançar no concerto das nações sem retomar um projeto nacional de desenvolvimento econômico e social. Não é possível pensar em desenvolvimento no século XXI sem forte apoio no desenvolvimento científico e tecnológico”, conclui o presidente do CNPq.
Trajetória
Formado em Física pela UFBA, mestre em Ensino de Física pela Universidade de São Paulo (USP) e doutor em História Social pela USP, o novo presidente do CNPq integrou o Conselho da Sociedade Brasileira de Física, o Comitê Assessor de História do CNPq e o conselho da History of Science Society – tendo sido o primeiro brasileiro a ocupar esse posto –, além de ter sido presidente da Commission on the History of Physics – Division of History of Science and Technology e da Sociedade Brasileira de História da Ciência.
É autor do livro vencedor do Prêmio Jabuti Teoria quântica: estudos históricos e implicações culturais (2011), co-editado com O. Pessoa e J.L. Bromberg. Em 2019, lançou pela editora alemã Springer a biografia do físico britânico David Bohm (David Bohm: a life dedicated to understanding the quantum world). Em 2021, organizou pela editora da Universidade de Oxford um handbook sobre história das interpretações da mecânica quântica .
Confira a entrevista completa
Portal Grabois: Você assumiu em dezembro a presidência do CNPq. Quais são as suas propostas para o próximo ano de atuação do Conselho?
Olival Freire Junior: Minha presença à frente do CNPq tem inicialmente um elemento de continuidade. Constituímos uma gestão sob a presidência do professor Ricardo Galvão, que saiu para assumir um posto na Câmara Federal. Contudo, toda a diretoria foi composta em março de 2023 pela ministra Luciana Santos e pelo presidente Lula. Temos trabalhado em plena sintonia no âmbito da diretoria. A mudança é, antes de tudo, garantir a continuidade dos programas que estamos desenvolvendo.
É verdade que nessa continuidade há elementos que já estavam sendo preparados e que agora ganham grande relevo. O primeiro é o programa para fixação de doutores no Brasil, o chamado Profix-Conhecimento Brasil, que tem ganhado repercussão na imprensa. Este edital expressa a continuidade das duas gestões e leva para a prática elementos que estavam em nosso planejamento. Ele é voltado a reter e fixar no Brasil pesquisadores com doutorado, que sejam bem qualificados.
Isso está dentro do escopo do programa Conhecimento Brasil, que é o esforço de repatriar bons cientistas brasileiros que se radicaram no exterior e, agora, especificamente, fixar estes pesquisadores. Os detalhes do edital chamam a atenção: são mil bolsas, cada uma no valor de R$ 13 mil para pesquisadores com doutorado. O valor foi fixado considerando o salário inicial de um professor doutor em uma universidade federal. As bolsas são por quatro anos, permitindo que os beneficiados desenvolvam projetos de maior fôlego.
Portal Grabois: Como será a distribuição territorial dessas bolsas pelo Brasil?
Olival Freire Junior: Este é um aspecto que está gerando grande impacto e que a imprensa ainda não cobriu completamente. Encontramos um mecanismo para o edital que evita reforçar a assimetria existente de concentração científica no Sudeste em detrimento de outras regiões.
No limite, faremos 27 editais, um para cada fundação estadual de amparo à pesquisa. A bolsa é paga pelo CNPq, mas a fundação estadual lança e conduz o edital. As vantagens desse desenho são duas. Primeiro, cada estado poderá estabelecer suas áreas prioritárias, embora nenhuma área seja excluída. Segundo, a distribuição entre os estados será feita com uma definição a priori, garantindo que todo estado tenha um número mínimo significativo de bolsas.
Naturalmente, teremos um número maior em estados com mais densidade científica e tecnológica. Contudo, a distribuição a priori nos permitirá um número significativo de pesquisadores em cada estado. Nos editais nacionais, a legislação estabelece que 30% dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), que financiará esta chamada, sejam aplicados nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Historicamente, atingimos entre 30% e 32%, sendo 38% um fator excepcional.
Nossa expectativa com este novo formato é alcançar quase 50%, cerca de 48%, para essas regiões. Além disso, devido à prioridade estratégica de ocupação tecnológica e científica na Amazônia, todos os estados dessa região terão, em princípio, um número significativo de bolsas.
Eu diria que este edital é a mais avançada medida de enfrentamento das assimetrias regionais que o governo adotou. Se me permitir uma comparação ousada, diria que ele se compara à expansão das universidades e dos institutos federais, que mudou o panorama do ensino superior no país.
Portal Grabois: A Estratégia Nacional de Ciência e Tecnologia para o período 2024-2034 está em consulta pública. Como o CNPq se insere nesta discussão, e o que essa estratégia deve prever?
Olival Freire Junior: O CNPq tem participado ativamente da estratégia, que é resultante da Quinta Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia. A ação do Profix, por exemplo, se insere nessa estratégia, pois aborda o fortalecimento da base de infraestrutura de pesquisa científica e tecnológica. Essa base inclui equipamentos e laboratórios, mas também a “massa cinzenta”.
Os editais de repatriação e o Profix visam preservar no Brasil os bons pesquisadores que formamos e que foram perdidos para o exterior devido às crises anteriores. Portanto, estamos em total sintonia com a estratégia, que está em consulta pública, sendo revisada pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCTI) e deve ser aprovada no início do próximo ano.
Portal Grabois: A sua gestão no CNPq acontece no contexto de retomada da ciência e tecnologia pelo governo federal após os retrocessos na área durante o governo de Jair Bolsonaro. Qual a centralidade dessa pauta e quais são as perspectivas do setor para o próximo período?
Olival Freire Junior: O chamado Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia e Inovação (SNCTI) foi formado nos últimos 70 anos. Embora instituições científicas antigas existissem, como a Fiocruz (1900) e a USP (1934), o sistema se configurou em momentos distintos.
As grandes agências, CNPq e CAPES, foram criadas no segundo governo Vargas (1950-1951), época em que o Brasil também criou a Petrobras e o Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA). O esforço de criação da Petrobras e do ITA é inseparável da história da ciência e tecnologia no Brasil.
Esse movimento se consolidou na década de 1970, durante a ditadura militar, período que, apesar das perseguições a opositores, teve uma componente de apoio à ciência como parte do ciclo de desenvolvimento capitalista. Exemplos desse período são a criação do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico em 1970 e da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos). Na mesma época, ocorreu a institucionalização dos cursos de pós-graduação e a reforma universitária.
Após a ditadura, em 1985, foi criado o Ministério da Ciência e Tecnologia. Já no século XXI, houve reforço na área durante os governos Lula e Dilma, especialmente nas universidades e institutos federais. O SNCTI foi criado aos poucos, não nasceu pronto. A grande novidade do terceiro governo Lula é que ele atendeu à expectativa da comunidade científica e propôs a legislação que permitiu estabilizar o FNDCT, impedindo seu contingenciamento. Isso nos dá uma estabilidade de financiamento que não existia antes.
O governo sinalizou a volta e a valorização da ciência por meio de várias ações, não só no MCTI. O Ministério da Saúde, por exemplo, voltou a investir em pesquisa, e o Brasil está na iminência de produzir uma vacina para a dengue, uma conquista nacional e internacional. A campanha atual é o inverso da campanha negacionista do governo anterior: é uma campanha de valorização da ciência.
A minha expectativa é de todas essas ações convergirem para um resultado intangível e imaterial até o final do governo: que a juventude se sinta novamente entusiasmada com a ideia de que a ciência é importante. Precisamos de mais ciência, e é uma carreira que vale a pena seguir. Nosso grande desafio é reencantar a juventude brasileira com a ciência e a perspectiva de carreiras no setor.
Neste contexto, propus ao presidente Lula um encontro no início do ano com cientistas repatriados, fixados e com aqueles que ganharam grandes projetos de fomento. Eu brinquei, chamando-o de um “encontro com o chão de fábrica da ciência”. O presidente gostou da ideia e se comprometeu a realizá-lo. O ano de 2026 também marca os 75 anos do CNPq, instituição criada pelo almirante Álvaro Alberto. Um evento como esse pode transmitir à sociedade e aos nossos jovens a mensagem de que a ciência vale a pena e é prazerosa. O encontro servirá para apresentar o conjunto de ações em andamento e mostrar que a ciência voltou.
Portal Grabois: O Brasil tem mantido boas relações com a China, um país que alcançou grandes saltos tecnológicos. Este intercâmbio pode potencializar o nosso avanço científico?
Olival Freire Junior: Compreendo o encantamento com o desenvolvimento científico e tecnológico chinês. Contudo, o que a China demonstra hoje é a confirmação de um conjunto de elementos que já conhecíamos sobre o papel da ciência e tecnologia na soberania e desenvolvimento das nações.
Falamos da ciência ocidental, um produto que surgiu na Europa a partir do século XVII, e do seu trânsito para a tecnologia. Os Estados Unidos absorveram essa pujança, que no início do século XX se concentrava na Europa e nos EUA. Desde então, todos os países que superaram as barreiras do desenvolvimento — sejam eles capitalistas ou socialistas — apostaram fortemente no desenvolvimento científico e tecnológico. Isso inclui a União Soviética, Japão, Coreia do Sul, China e Índia.
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A grande conclusão é que não há saída para o Brasil consolidar sua soberania e se relançar no concerto das nações sem retomar um projeto nacional de desenvolvimento econômico e social. Não é possível pensar em desenvolvimento no século XXI sem forte apoio no desenvolvimento científico e tecnológico. A China é o exemplo mais recente e impactante, mas não é o único. A chave é que não há desenvolvimento sem ciência e tecnologia, e não há desenvolvimento científico e tecnológico se o Estado nacional não apostar neste caminho.